Este documento, que regista anualmente as previsões de despesa e de receita do Estado, tem uma relação ambivalente com a democracia. Por um lado, a democracia parlamentar teve como um dos primeiros elementos de justificação o princípio “no taxation without representation” (sem representação não há tributação), o que contribuiu para localizar nos parlamentos o amplo e crucial poder de aprovação não só dos impostos, mas também da afetação dessas receitas às despesas previstas. Por outro lado, porém, um dos mais evidentes impactos atuais da globalização neoliberal é precisamente o esvaziamento deste histórico poder orçamental dos parlamentos, tornado cada vez mais num formalismo de aceitação de ditames impostos de fora.
Entre eles, o mais marcante vem sendo o do valor de norma superior conferido ao princípio do equilíbrio orçamental, o que traz consigo uma tendencial proscrição do défice das contas públicas. No centro desta tese está a afirmação, cara à ideologia dominante, de que o Estado Social é financeiramente insustentável, impondo-se um “emagrecimento do Estado” – através de cortes, seja na massa salarial, seja na despesa social do Estado (serviços públicos e políticas sociais). Assim, quer pelos conteúdos que tem, quer pelos conteúdos que lhe têm sido retirados, o OE é o mais político e ideológico dos instrumentos de governação contemporânea.
A técnica de elaboração do OE também está longe de ser politicamente neutra. Nesse sentido tem feito caminho a exigência da orçamentação de base zero – que rompe com a fixação das dotações setoriais a partir dos índices de execução das verbas dos orçamentos dos exercícios anteriores. Técnica igualmente alternativa que dá corpo a uma maior exigência democrática é a do orçamento participativo, que consiste no fim do monopólio dos governos e dos parlamentos nesta matéria a cuja competência é somada a expressão direta das preferências populares sobre afetação de recursos públicos.
José Manuel Pureza