A ligação entre medo e violência é provavelmente universal, fruto de instintos de autodefesa. Quanto mais o ser humano se sentir ameaçado, maior propensão revelará para se fechar sobre si próprio, para exercer violência sobre o que o rodeia e menor atenção prestará ao sofrimento que atinge os seus semelhantes. Daqui resultam a força política e as potencialidades da gestão do medo: dominar as fontes do medo de uma sociedade sempre foi um meio privilegiado para obter poder sobre essa sociedade.
Num mundo globalizado e em profunda transformação, em que as competências sociais do Estado tendem a desaparecer, o cidadão vive a angústia do amanhã, o medo de tudo perder e vir a encontrar-se na situação dos pobres que vivem nas margens ou, pior, na dos migrantes ilegais que nem sequer possuem direito de residência. Como personificação de tudo o que as nossas sociedades temem (pobreza, exclusão, falta de oportunidades), estes indivíduos são encarados com crescente desconfiança: são acusados de terem esgotado o Estado com apoios sociais, são responsabilizados pelo desemprego e pela criminalidade.
Quando a diferença pode ser culturalizada, os temores económicos ganham contornos existenciais, com o Outro a significar até uma ameaça ao modo de vida autóctone. Idealizam-se então passados seguros, sociedades homogéneas e pacíficas que nunca existiram. Por isso, a xenofobia e o racismo sempre prosperaram em períodos de forte crise económica, oferecendo um rosto palpável a forças difusas de uma ordem mundial complexa. Como tal, são indissociáveis de discursos securitários, que acabam por relegitimar o Estado enquanto entidade robusta monopolizadora do direito ao uso da violência. Quanto maiores forem os perigos percebidos ou imaginados, maior a predisposição para se aceitar a violência: brutalidade policial, vigilância intrusiva, limitação às liberdades individuais, práticas que em situação normal apelidaríamos de inumanas (por exemplo, o encarceramento de crianças, como se verifica atualmente nos centros de detenção de imigrantes ilegais).
Júlia Garraio