Numa primeira abordagem, o luxo pode ser identificado como a característica atribuída a determinados bens e serviços cujo acesso exige níveis de rendimento elevados por parte de indivíduos e grupos que, pela sua posse e usufruto, adquirem um estatuto elevado que é fonte de distinção social. Alargando a nossa definição, temos de inserir o luxo no contexto das sociedades contemporâneas perspetivadas enquanto sociedades de consumo. O luxo associa-se a determinados estilos de vida de um conjunto minoritário da população, mesmo que seja objeto de referência para aspirações e desejos de um conjunto mais vasto de indivíduos.
Como vários cientistas sociais têm explicado, a dinâmica do consumo contemporâneo manifesta-se ainda mais amplamente pelo tipo de lógica que promove no âmbito da vida quotidiana e que revela uma operação de conversão de questões coletivas e públicas em questões pessoais. O quotidiano seria, assim, equacionado como um conjunto numeroso de questões cuja solução se encontraria no mercado e remeteria para obrigações individuais – saber encontrar o produto, receita ou serviço mais adequados e fazer todo o esforço para os poder comprar.
Nos tempos da crise atual, constituir-se-ão muitos dos discursos existentes sobre austeridade como verdadeiramente alternativos à lógica social até aqui apontada (lembremos, por exemplo, como é vulgar contrapor o “luxuoso” ao “austero”)? A resposta é negativa se tivermos em conta dois fatores. Em primeiro lugar, se o luxo continua acessível para um grupo restrito, a proclamada austeridade torna-se um eufemismo para quem vê acrescidas as suas dificuldades para lidar com necessidades básicas. Por outro lado, muito do discurso da austeridade é formulado numa lógica que converte também o social em privado ou pessoal – daí a multiplicidade de afirmações que, em teor psicologizante, apelam a que cada um trabalhe o seu eu de determinada forma para ultrapassar os obstáculos com que se depara. Os discursos alternativos enfrentam fortes constrangimentos sempre que o debate se monopoliza entre empréstimos financeiros (incluindo aqueles codificados como “ajuda externa”) e as recomendações que parecem sair de livros de autoajuda.
André Brito Correia