O imaginário histórico, político e cultural do Ocidente está dominado por um legado de conflito. Só no século XX assistimos a duas Guerras Mundiais, ao Holocausto, à Guerra Civil de Espanha, à Guerra do Vietname, às pouco narradas Guerras Coloniais europeias no sul e às mais recentes guerras na ex-Jugoslávia e na ex-União Soviética. Nunca mais ou jamais poderemos esquecer são expressões que associamos a declarações públicas nos momentos comemorativos destes eventos. Sobre este compromisso, a geração que viu a Europa em escombros no pós-Segunda Guerra sonhou-a como “sonho futuro”, como «manhã por vir / fronteiras sem cães de guarda, / nações com seu riso franco, / abertas de par em par», como escreveu o poeta Casais Monteiro, em 1946, e procurou criar uma Europa protegida do conflito bélico inerente à sua tendência ciclicamente suicidária. O mundo bipolar que saiu desta conjuntura, edificado sob o nome da Guerra Fria, levou à exportação do conflito para outras paragens, de que a guerra do Vietname é um dos primeiros exemplos.
Esta ordem planetária pós-Segunda Guerra, de que emerge uma Europa abalada, vai assumindo os Estados Unidos como ator principal do Ocidente, deixando a Europa fora da história e ensimesmada com os sonhos de prosperidade prometidos pela União Europeia. As várias intervenções internacionais, desde a primeira Guerra do Golfo até à intervenção no Iraque e Afeganistão, tiveram nos Estados Unidos o ator principal do Ocidente, coadjuvado pelo Reino Unido, e, nas várias guerras que foram eclodindo em África, a Europa não interveio como entidade coletiva – foram os países que intervieram individualmente, por norma guiados por antigas relações coloniais.
Por isso, o estado de suspensão de sentido que hoje vivemos na Europa vai muito além da crise bancária, financeira e orçamental. É o falhanço da prosperidade e riqueza do continente, que os anos 1990 sugeriam, e o falhanço do retorno de centralidade que a queda do Muro de Berlim abriu como horizonte e que hoje se fecha nas divisões do tecido europeu a que assistimos, em que a concentração de riqueza na mão de poucos e a pobreza de muitos se torna evidente nas manifestações de rua na Europa e por todo o mundo, reavivando o fantasma íntimo europeu do conflito bélico, com o qual a Europa ciclicamente convive.
Margarida Calafate Ribeiro