Na nossa linguagem comum, “crise” significa algo em perigo, sob ataque, em transformação. Apesar de usarmos, de facto, esta palavra quotidianamente nas nossas vidas para falar de todo o tipo de situações, não pode ser negado que o conceito tem também complexas conotações políticas.
Numa abordagem descritiva, “crise” indica situações em que agentes ou estruturas políticas passam por mudanças radicais. Neste sentido, discutimos nas ciências sociais a “crise da democracia parlamentar” ou a “crise do Estado-Providência”. É característico destes usos descritivos do termo que as perspetivas de futuro – saídas da crise – fiquem frequentemente por considerar: podemos não saber exatamente para onde a estrada nos leva, mas estamos com certeza perdidos. Este uso descritivo pode ser contrastado com um mais “performativo”. Por vezes, a palavra “crise” não é tanto usada para descrever uma situação difícil, e até perigosa, mas antes para agravar e até criar essa mesma situação. A História antiga e contemporânea diz-nos que os políticos (e poderes dominantes) procuram produzir, frequente e ativamente, um clima de crise – seja social, económico ou “afetivo” – de forma a alterar o equilíbrio da balança constitucional de poderes a seu favor. Neste sentido, “crise” contém alguma similitude com outra poderosa expressão do discurso político: exceção. Momentos de crise, tal como estados de exceção, albergam enormes riscos para as instituições democráticas, dado que concedem aos que governam uma autoridade especial, muitas vezes sem qualquer controlo. “Crise”, longe de ser neutro, é claramente um conceito concebido para o combate.
É neste ponto que ressalta a importância de outra prática, uma prática que provém da mesma raiz grega de crise: crítica. Confrontados que estamos com a perturbadora cacofonia dos discursos sobre a crise, torna-se prioritário investigar criticamente as origens e a natureza da situação em que vivemos. Ainda que um dicionário sobre a atual crise seja uma ferramenta útil e, de facto, indispensável no atual contexto, tal atitude crítica não pode nunca tornar-se um privilégio apenas de peritos académicos. E, se a pressão em tempos de crise (percecionada ou real) é esmagadora para asfixiar o debate público, de maneira a “reforçar” a unidade coletiva, o desenvolvimento oposto – um diálogo societal exaustivo e plural sobre os caminhos de saída da crise – será altamente desejável.
Mathias Thaler