O agendamento mediático da criminalidade privilegia duas abordagens: crescimento exponencial dos crimes de furto e de roubo e combate ineficaz das instâncias policiais e judiciais. A incidência desta agenda, ainda que os indicadores a não confirmem totalmente, tem um forte impacto, tanto nas representações dos cidadãos sobre o sistema de justiça penal, como nas políticas públicas de combate à criminalidade. A ampliação do sentimento de insegurança facilita o caminho de políticas securitárias mais restritivas de direitos e liberdades, mais carcerárias e mais seletivas.
Os estudos e os indicadores conhecidos sobre a criminalidade permitem um outro ângulo de abordagem. Mostram como as respostas à criminalidade, por parte dos poderes político e judicial, são estruturalmente muito desiguais: mais assertivas para determinados tipos de crime e mais brandas para outros. O combate à corrupção e à criminalidade económica em geral, crimes altamente predadores do Estado social e da democracia, responsáveis em parte pela crise económica que o país atravessa e pela desestruturação social, também ela indutora do aumento da criminalidade que ameaça diretamente os bens e a integridade física dos cidadãos, tem-se traduzido em políticas e práticas judiciárias muito pouco eficazes. Perdidos no emaranhado de leis e na teia burocrática dos tribunais, os poucos processos que vão sendo investigados e acusados (o peso relativo destes crimes no conjunto da criminalidade é muito baixo, suspeitando-se de taxas elevadas de criminalidade oculta) acabam, com muita frequência, com um saldo favorável ao agente do crime: absolvido de uma acusação que o Ministério Público, contra uma defesa muito profissionalizada e bem preparada, não conseguiu provar; condenado a uma pena “leve”; ou com o processo prescrito.
As sociedades mais seguras não têm cadeias sobrelotadas de cidadãos pobres. Têm baixos índices de corrupção e uma distribuição da riqueza mais igualitária.
Conceição Gomes