O fenómeno da corrupção assume diversas configurações, sendo utilizado para definir realidades muito diversas. Denominador comum a todas elas é a existência de uma relação de poder e de uma expectativa de obtenção de uma vantagem, lícita ou ilícita, através da prestação de uma contrapartida, seja de ordem económica, seja meramente de amizade.
Numa aceção ampla, a corrupção, enquanto violação das normas sociais, abarca um conjunto de comportamentos cuja censura social tem sofrido mutações significativas ao longo dos anos. Os favores de amizade, o privilégio da relação pessoal de confiança e a utilização de redes informais de contactos para alcançar pequenos favores ou vantagens foram, durante anos, alvo de uma generalizada aceitação e mesmo motivo de regozijo e reconhecimento social. Por sua vez, numa aceção estrita – que vincula a corrupção unicamente a comportamentos legalmente tipificados como crime, associados à criminalidade económica, ao tráfico de influências, ao abuso de poder e ao peculato –, fica de fora um conjunto vasto de atos socialmente reprováveis de influência ou troca de favores e vantagens.
Em tempos de crise, o aprofundamento das desigualdades e, essencialmente, a consciência da injustiça social agravada pelas diversas formas de corrupção (as criminais e as não criminais) arrastam para a ordem do dia a reivindicação de um combate alargado aos fenómenos de corrupção. A corrupção passa a ser reconhecida como uma das mais relevantes causas da destruição dos pilares de um Estado de direito democrático e o seu combate como uma forma de restaurar a confiança social e institucional. Nesta sequência, os tribunais são chamados a assumir o seu papel repressivo e de reposição da legitimidade do sistema político. Assim, se o combate à corrupção pelo judiciário pode contribuir para a maior legitimidade social dos tribunais, também o tornará mais débil se não ajustar a resposta às expectativas geradas com a sua atuação.
Paula Fernando