O capital de conhecimento e os instrumentos de análise das ciências sociais são de grande relevância para a compreensão da crise atual, transformando esta num momento de interrogação crítica sobre as origens da crise, as diferenças entre os grupos sociais por ela atingidos e as consequências para estes. As ciências sociais permitem converter em interrogações e problemas o que, para os que professam o pensamento único que domina a ortodoxia económica e política, são evidências e certezas indiscutíveis; elas permitem mostrar como as políticas de austeridade e a erosão da democracia que as acompanha não resultam da necessidade, mas de escolhas políticas associadas a certos interesses e opostas a outros.
As ciências sociais ajudam também a entender, e podem contribuir para fortalecer, as formas, tanto as novas como as “velhas”, de mobilização e de protesto social enquanto exercício da democracia e intervenção legítima dos cidadãos no espaço público. A própria pluralidade interna das ciências sociais é uma importante reserva de conhecimentos e de experiências, que terão de ser confrontados com a diversidade de conhecimentos e de experiências que fazem o mundo, contribuindo para alimentar a experimentação que procura respostas novas e de sentido emancipatório para os problemas da sociedade.
O retomar da experimentação social e política está, certamente, nas mãos dos cidadãos e cidadãs, da sociedade civil, de movimentos sociais e políticos, e também de um Estado capaz de participar na invenção de novos espaços de exercício da democracia e da cidadania ativa. Nesse processo, o lugar que os cientistas sociais ocupam não é o de oráculos ou celebrantes de qualquer pensamento único, nem o de conselheiros de governos, de instituições supra-nacionais ou de instituições financeiras, mas o de parceiros que contribuem para a produção de um conhecimento público a ser apropriado pela sociedade, pelos seus movimentos e iniciativas como recurso para a mudança.
João Arriscado Nunes