A arte é uma necessidade paralela à vida. Vive dela e dela prescinde. E é na ação de prescindir dela que, paradoxalmente, afirma a vida, porque precisa da vida para dela se afastar. Ou seja: parte dela, manifesta-se a partir dela.
Em tempo de crise, não propriamente da arte, mas do mundo em que a arte vive, e onde vivem todas as outras coisas, mais do que o que muda na arte, interessa o que poderá mudar no olhar sobre ela e, sobretudo, como poderá ser afetado o olhar que ela terá de si própria.
Nas estratégias da arte, para subsistência da experiência estética, podemos encontrar a manutenção da dúvida. Mas uma dúvida sobranceira, não propriamente humilde, denunciando a falácia das certezas.
Muitos encontram na arte uma alternativa à racionalidade (e, na valorização do irracional em arte, encontram a facilidade de uma definição que, prescindindo da lógica, nem precisa de se definir). Mas o lugar da arte dificilmente se afirmará por essa manifestação de uma diferença exótica, num mundo em que a irracionalidade impera.
Por outro lado, num mundo em crise, está aberta a vingança oportunista da mediocridade. O pragmatismo da procura da sobrevivência material torna “quase” permissível colocar a possibilidade da suspensão da arte. Ou, então, criar na arte um sentimento de necessidade absoluta de justificação ética, numa procura desesperada de prova de utilidade.
Perante a realidade, ou as realidades do indivíduo, na sua dimensão singular ou coletiva, a arte é sobretudo produto da perceção e da inteligência.
Em certas formas de encarar uma dimensão romântica da arte, uma atmosfera depressiva e adversa até seria o cadinho ideal para a criatividade. Mas os artistas sabem que a arte não é propriamente um paliativo para as mágoas da vida.
Ultrapassada a insanidade, desejavelmente temporária, que as crises provocam, será certamente reconhecido na arte um dos mais expressivos redutos de dignidade.
António Olaio