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Estereótipos sociais e assimetria simbólica:
três estudos com jovens angolanos e portugueses
Rosa Cabecinhas (Instituto de Ciências Sociais, Universidade
do Minho)
cabecinhas@ics.uminho.pt
Lígia Amâncio (Instituto Superior de Ciências do Trabalho
e da Empresa)
Foram realizados três estudos tendo por objectivo
analisar os estereótipos dos jovens portugueses e dos jovens angolanos
residentes em Portugal, sobre o seu próprio grupo (auto-estereótipo)
e sobre o grupo dos outros (hetero-estereótipo).
No Estudo 1, recorrendo a uma técnica de associação
livre de palavras, analisámos os estereótipos dos angolanos
e dos portugueses, salientando quais as dimensões comuns e quais
as dimensões diferenciadoras. No Estudo 2, recorrendo a uma lista
de adjectivos elaborada com base nos resultados do estudo precedente,
averiguámos a valência avaliativa dos conteúdos descritivos
associados a cada grupo, a partir da simples opinião pessoal de
cada participante. No Estudo 3, recorrendo à mesma lista de adjectivos,
analisámos a distância destes conteúdos face ao referente
'universal' de pessoa adulta.
Os resultados destes três estudos demonstram que a diferenciação
entre os grupos não se opera ao nível da valência
avaliativa dos conteúdos associados a cada grupo (ambos são
descritos com traços predominantemente positivos), mas ao nível
das dimensões subjacentes a esses conteúdos e do seu significado
tendo como referente a imagem 'universal' de pessoa, isto é, a
diferenciação entre grupos estabelece-se estruturalmente
pela assimetria simbólica.
O grupo dos 'angolanos' foi descrito de forma mais homogénea do
que o grupo dos 'portugueses', tanto por participantes angolanos como
portugueses, isto é, o estereótipo dos angolanos é
mais marcado e mais consensual do que o estereótipo dos portugueses.
De um modo geral, o estereótipo dos angolanos aproxima-se do modelo
de pessoa 'jovem' enquanto que o estereótipo dos portugueses está
mais próximo do modelo de pessoa 'adulta', isto é, pessoa
autónoma, com capacidade de realização e de decisão.
Se é inegável que se registou uma evolução
no conteúdo dos estereótipos - os portugueses evitam caracterizar
os angolanos com traços muito negativos e, em alguns casos, caracterizam-nos
com traços mais positivos do que o seu próprio grupo - esta
transformação opera-se a um nível superficial e não
a um nível profundo. De facto, esta metamorfose em que a xenofobia
parece ter dado lugar à xenofilia (o culto do exótico) esconde
uma flagrante permanência: as dimensões mais valorizadas
nas sociedades ocidentais (autonomia, individualidade, competência,
responsabilidade) continuam a ser negadas ao grupo minoritário.
A manutenção dos significados associados aos estereótipos
torna-se particularmente evidente quando consideramos as dimensões
de conteúdo exclusivas de cada grupo: a instrumentalidade e a dominância
para o grupo dos portugueses e a expressividade e o exotismo para o grupo
dos angolanos.
Outro aspecto a salientar diz respeito aos papéis que são
atribuídos a cada um dos grupos: aos portugueses são associados
traços que remetem para um papel activo na sociedade (trabalhadores,
dinâmicos, empreendedores, etc.), enquanto que aos angolanos são
associados traços que remetem para um papel decorativo ou lúdico
(cheios de ritmo, musicais, sensuais, etc.). Este papel lúdico
atribuído aos angolanos constitui também uma forma de permanência,
se o virmos à luz das representações do 'negro' durante
o período do colonialismo. Assim, o predomínio de traços
juvenis e exóticos nos angolanos, denuncia a permanência
da oposição entre a alegada 'especificidade' destes e a
suposta 'universalidade' de portugueses.
Educação, cultura e novas subjectividades nos movimentos
indígenas no Brasil
Rogério Cunha Campos (Universidade Federal de Minas Gerais-
Brasil/ Universitat de Barcelona)
roge@dedalus.lcc.ufmg.br
No período que se inaugura ao final da década
de 1970, com o esgarçamento do controle político do regime
autoritário e a crescente incidência das manifestações
de descontentamento que conduzem à chamada transição
democrática tornaram-se bastante complexas as relações
entre os movimentos por escola e a administração estatal,
no Brasil. As redefinições que então se processavam
já incorporavam elementos da nova conjuntura, num arcabouço
legal instituído pelo antigo regime, que não possuía
elasticidade para a legitimação de novas demandas e novos
protagonistas. Não se tratava exclusivamente, portanto, de apenas
razões econômicas, materiais, com o fim do ciclo de expansão
que durante certo tempo permitiu a consolidação do regime
político, mas de processos socioculturais, envolvidos na constituição
dos sujeitos coletivos que davam curso aos movimentos sociais ou seja,
de novas subjetividades no espaço público. As pesquisas
a respeito das lutas sociais por educação mostraram que
os movimentos sociais constituem, antes de tudo, novos atores e novas
subjetividades, que em sua dinâmica vão ter uma incidência
cada vez mais acentuada nos debates político-culturais que se processam
desde então. Tais protagonistas das lutas por escola, nos centros
urbanos, se relacionavam de modo complexo e contraditório com outros
sujeitos socioculturais imbricados em demandas pontualmente semelhantes,
entre os quais os movimentos indígenas.
Os novos movimentos sociais, compreendiam dois grandes campos, de acordo
com a natureza aparente de suas demandas, na literatura que, a partir
dos anos 1980, os construiu como objeto, tendo como referência as
suas demandas, o interlocutor, a visibilidade, a forma de ação
dos protagonistas, o caráter massivo, os laços de pertencimento,
os espaços de sua incidência, entre outros critérios
básicos de tipificação. De modo muito sintético
pode-se dizer que duas grandes vertentes foram nomeadas pelos estudos
sobre os movimentos sociais. Uma que agrupou os movimentos pela obtenção
de bens materiais (a terra, equipamentos sociais destinados ao consumo
coletivo e serviços públicos essenciais) e os movimentos
no âmbito da identidade, portadores de complexas demandas que associam,
simultaneamente, a igualdade dos direitos e o reconhecimento das diferenças,
pondo em relevo destacadamente a questão da identidade. Na realidade,
e alguns dos estudos e pesquisas o mostraram, não era tão
simples essa distinção.
Desse modo, nessas experiências se cruzam as reivindicações
materiais e as relacionadas à identidade dos grupos que a um tempo
reivindicam a política pública a cargo do Estado, ao lado
da criação autônoma de espaços escolares, marcados
por laços de pertencimentos de natureza identitária. No
caso dos movimentos indígenas, as relações entre
educação, cultura e subjetividade, as relações
entre as lutas por obtenção dos meios materiais de existência,
particularmente a terra, com as identidades singulares dos grupos étnicos
habitantes do território brasileiro, é de suma complexidade.
Os movimentos indígenas recentes associam visceralmente a reivindicação
básica da demarcação das terras indígenas,
um bem material indispensável à economia de suas comunidades,
à suas identidades étnicas. Nesse caso, a reivindicação
da terra indígena, sob a dimensão de território demarca
não apenas o bem econômico, mas sua conversão em cosmovisão
e espiritualidade. A terra, para os distintos grupos étnicos indígenas
que habitam o Brasil, está saturada da dimensão simbólica,
como território de seus antepassados, seus mitos, dos mais caros
valores de suas culturas.
Direito à diferença e Direitos Humanos
António Pedro Dores - ISCTE
antonio.dores@iscte.pt
O perigo da xenofobia se institucionalizar em racismo
no decurso da construção da União Europeia está
identificado como problema político. Tarda em ser abordado de forma
sistemática e consolidada como problema sociológico. A nossa
reflexão sugere a existência de obstáculos epistemológicos
no seio da própria teoria social que será preciso afastar
para que se abra campo a este debate.
A xenofobia, sendo um sentimento, como tal susceptível de ser sublimado
ou recalcado, conscientemente ou não, pode estar para além
das possibilidades técnicas de observação sociológica.
As práticas culturais só numa análise ex-post revelam
as suas relações com a historicidade, provavelmente porque
tais relações não existem antes de se produzirem
na prática. Será possível que a sociologia nos permita
observar os sentimentos sociais, e portanto a sua presença/ausência
e as suas evoluções, mesmo quando estes não são
explícitos?
A procura de uma resposta afirmativa passa, nesse trabalho, por uma discussão
da forma de organizar modos de articulação entre níveis
sociais geralmente tratados separadamente.
O projecto dos Direitos Humanos desenvolve, a nível global, um
programa de universalização dos valores susceptíveis
de garantirem, à uma, o respeito pela dignidade de cada pessoa
e a ordem social global, independentemente das organizações
comunitárias ou societais em que os seres humanos estejam integrados.
É um projecto político moderno, de base normativa, cuja
intenção é a realização da Humanidade,
isto é da conciliação entre os valores da igualdade
e da liberdade em práticas sociais tuteladas por instituições
motivadas, instruídas e apetrechadas para o efeito. Trata-se de
desenvolver os sistemas de controlo social - no âmbito da defesa,
da segurança interna, da justiça e da execução
de penas mas também no campo da intervenção social,
na educação, na saúde e na integração
social - de forma adequada.
As comunidades hippies dos anos sessenta foram o cadinho social dos yuppies
pós-modernos. A geração da imaginação
ao poder, na idade adulta, abandonou e refutou a vida em comunidade, manteve
a moral do direito à diferença mas agora reduzida à
esfera pessoal. Para a esfera profissional a diferença é
competitiva.
Hoje em dia, comunidade mantém a conotação da menção
a formas organizativas "inferiores" (por comparação
com o quadro de evolução moderna) mas adquiriu também
conotações românticas e relativistas, utilizadas para
bem estar estético e moral, num tempo de incertezas, insegurança
e novas migrações.
Na ONU, vários países recusam-se a respeitar os Direitos
Humanos, alegando tradições culturais específicas,
negando a possibilidade de referência universais no âmbito
jurídico, denunciando a hipocrisia da política de Direitos
Humanos como uma outra forma de impor pretensas superioridades do mundo
ocidental. Noutros casos, embora haja um acolhimento doutrinariamente
positivo dos princípios, as práticas são muitas vezes
denunciadas como violadoras desses princípios, em particular nos
estabelecimentos de internamentos por razões sociais, de saúde
ou penais. Tais denúncias estão mesmo na ordem do dia no
Ocidente, como são exemplos a pedofilia em instituições
religiosas ou estatais, as prisões arbitrárias, a guerra
ilegítima.
Como os três âmbitos do real mencionados têm que conviver
entre si, em continuidades ou rupturas, a configuração social
específica com que cada actor social se confronta, consoante o
nível da sua actuação, permite-lhe ou exige-lhe desenvolver
coerentemente as suas representações sociais (para si e
para os outros) ou não. Isso pode tornar-se problema (de apresentação,
de representação, de credibilidade) conforme o estado-de-espírito
social dominante, isto é conforme os modos empíricos de
articulação entre experiências quotidianas, sistemas
discursivos e intenções dos agentes sociais.
Da escravidão à exclusão: a constituição
da subcidadania no Brasil
Juliana Bublitz - Universidade de Santa cruz do Sul (Unisc)
julianabublitz@hotmail.com
O presente artigo apresenta inicialmente uma análise
acerca do processo de constituição da subcidadania no Brasil,
desde o período da escravidão até os dias de hoje,
e sobre a exclusão social de pretos e pardos. Em seguida, o texto
retoma o pensamento do ex-ministro brasileiro José Bonifácio
de Andrada e Silva, que em 1823 levou a público um arrojado projeto
nacional, visando, entre outros aspectos, a inclusão sistemática
de negros e índios na sociedade brasileira e a criação
de mecanismos de suporte social para escravos e libertos. Andrada e Silva
entendia que, para consolidar o Brasil como Estado-Nação,
seria vital garantir sua coesão social, fomentando, assim, laços
de confiança e de cooperação entre a população.
Extremamente atual, o conjunto de idéias do político brasileiro
já levava em conta o que hoje se conhece por desenvolvimento endógeno
e capital social. Se na atualidade vê-se o esfacelamento dos Estados
nacionais e a crescente omissão do poder público nas mais
variadas questões, relegando países inteiros a interesses
privados e abandonando os "excluídos do jogo" à
própria sorte, Andrada e Silva apontava em outra direção:
acreditava na instituição do papel regulador do Estado,
o órgão responsável pela "mudança social
provocada". Vê-se hoje a emergência dos excluídos
enquanto discurso identitário. Porém, sem a reinvenção
do Estado, de forma a atuar conjuntamente com a sociedade civil, como
queria Andrada e Silva, a população de cor, relegada à
subcidadania, tem poucas chances de deixar a zona de exclusão.
Exclusão Social segundo a perspectiva Biossocial"
André Luís Ribeiro Ferreira (Universidade Federal do Mato
Grosso) andreberiuce@uol.com.br
O tema da inclusão social está na
agenda política brasileira, das propostas de cotas para as universidades
federais a propostas de cotas no serviço público, o tema
da inclusão tem permeado uma série de propostas de políticas
públicas de ação afirmativas e têm gerado interessantes
discussões com repercussões no âmbito da teoria sociológica
da estratificação social. O presente artigo analisa este
debate sob a perspectiva evolutiva, apresentando as contribuições
da etologia e ecologia comportamental para a teoria sociológica.
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