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Globalização e Estados Nacionais: um debate mítico
Angelita Matos Souza (FACAMP/Unicamp - Campinas)
angelitams@uol.com.br
As novas formas de internacionalização
do capital têm suscitado o debate sobre o futuro dos Estados nacionais.
Estes estariam com os dias contados, seja em proveito de um Estado "supranacional"
em gestação, seja porque o poder político dos Estados
nacionais seria suplantado, num mundo "sem fronteiras" econômicas,
pelo poder das grandes corporações transnacionais. Na "nova
ordem mundial", o sistema de mundial baseado nos Estados nacionais
modernos, daria lugar a um sistema político global, marcado pela
descentralização/desterriotorialização/desnacionalização
do poder político e econômico.
Em nossa exposição, pretendemos tecer alguns comentários
sobre as transformações do capitalismo contemporâneo
- sobre a "financeirização global"-, propondo
um re-enquadramento do debate sobre o futuro dos Estados nacionais diante
de tais transformações. Acreditamos que o atual debate tem
partido do mito da separação entre "poder e dinheiro"
para compreender a realidade atual, sendo necessário inverter os
termos do debate a fim de colocá-lo "em pé".
Nossa tese é que os Estados nacionais ocupam e continuarão
a ocupar um papel crucial na defesa dos interesses dos seus capitalistas
no cenário internacional. Prova disso é que os detentores
da riqueza continuam concentrando esforços e dispensando enormes
recursos às eleições de representantes tanto no Executivo
como no Legislativo (Por quê o fariam se o Estado não tivesse
mais força diante do poder econômico?). E em busca da realização
dos seus interesses, poderão sempre recorrer, além de ao
seu próprio Estado de origem, a outros Estados, centrais ou periféricos.
É neste terreno que identificamos aspectos políticos que,
embora não sejam em absoluto novos, têm se intensificado
nas últimas décadas. Estamos nos referindo ao caráter
cada vez mais "supranacional" dos interesses capitalistas também
nos países centrais. Também nos países centrais,
pois no caso dos países periféricos e dependentes trata-se
de um aspecto central e constante.
E além do fortalecimento das assimetrias de poder entre os Estados
centrais e os periféricos, as transformações promovidas
pela "nova ordem mundial" no interior dos Estado Nacionais têm
reduzido a dimensão "pública" da esfera estatal
também nos países centrais. A ideologia da separação
entre o político e o econômico (entre poder e dinheiro) apresenta-se
pelo avesso, mostrando sua verdadeira face no capitalismo atual. Isto
é, se enfraquecimento político houve com o fenômeno
da globalização este diz respeito às classes assalariadas
e, quanto à periferia do capitalismo, nunca, como no mundo atual,
o mito do desenvolvimento econômico pareceu tão inatingível.
Do receio à apatia ao temor à reivindicação:
as relfexões de Alexis de Tocqueville (1805-1859) na aurora da
questão social:
Helga Gahyva (IUPERJ/Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro)
A despeito do sucesso imediatamente atingido pela
Democracia na América, e do papel político desempenhado
por seu autor na primeira metade do século XIX, as reflexões
de Alexis de Tocqueville sofreram um eclipse durante considerável
parte do século passado. Nas últimas décadas dessa
época, no entanto, o pensamento do aristocrata normando ressurgiu
como um poderoso instrumento de análise e, até mesmo, de
"correção" dos rumos da democracia liberal. No
Brasil, em especial, ele vem sendo principalmente utilizado em um esforço
de crítica à postura centralizadora que caracterizaria a
construção e a expansão do nosso Estado Nacional.
Em contraposição à sua atuação universalista,
procuram espaço no procênio da arena pública uma série
de organizações não governamentais - não apenas
as conhecidas ONG's, mas também, associações de outros
tipos, como as vicinais -, que vêem na "ciência-mãe"
tocquevilliana uma possível resposta aos obstáculos democráticos.
Necessário faz-se considerar, todavia, que a reflexão de
Tocqueville é contemporânea a um momento histórico
na qual os conceitos de liberalismo e democracia eram divergentes. Não
à toa, a principal polaridade de sua obra é entre igualdade
e liberdade. Se o primeiro termo era o traço distintivo dos novos
tempos, seria a permanência ou não do segundo que definiria
os rumos do mundo democrático: liberdade ou servidão.
A liberdade, para Tocqueville, se associava à ordem aristocrática.
O desafio era elaborar meios que garantissem sua existência em uma
configuração histórica cujo traço específico
era a igualdade de condições. Se, nos tempos de outrora,
os corpos intermediários permitiam ao poder público uma
atuação circunstanciada, ele viu na prática associativista
norte-americana uma possibilidade de reatualização, em bases
diversas, dessas instituições intermediárias. Em
síntese, seu diagnóstico da democracia americana elevava
o associativismo a uma espécie de "termômetro"
da liberdade.
Não obstante, Tocqueville reconhecia a dificuldade em expandir
uma experiência ligada à formação histórica
dos Estados Unidos. Mais ainda, concluía o segundo volume de sua
análise discorrendo sobre as possibilidades despóticas que
ameaçavam a própria democracia estadunidense. Se, tradicionalmente,
o despotismo se fundava no medo, poderia ser em função da
tranqüilidade pública que impor-se-ia na era igualitária.
Voltados à consecução de seus objetivos privados,
os homens abririam mão da participação política,
delegada a um Estado centralizado. A apatia pública engendraria,
então, a servidão.
Não foi essa, contudo, a grande ameaça que Tocqueville destacou
no momento em que analisou dos rumos políticos franceses. Se, em
O Antigo Regime e a Revolução, ele mantinha preocupações
semelhantes à expressa na obra sobre os Estados Unidos, em Lembranças
de 1848, o receio à letargia cedia espaço ao terror face
à contestação de uma instituição social
fundamental: o direito à propriedade. E, neste momento, só
lhe resta o silêncio.
Assim, o presente trabalho pretende mostrar que a reflexão tocquevilliana
sobre a democracia se esvazia em um momento-chave da história francesa
em que as classes subalternas, outrora vistas como massa, afirmam-se como
povo, organizam-se como povo e, o que é decisivo, exigem como povo.
Se na América ele enxergava uma relativa distribuição
de fortunas, na França de 1848 Tocqueville se deparou com a ascensão
de uma classe que não tinha ainda interesses a garantir, mas a
conquistar.
Da Redistribuição ao Reconhecimento? Desafios de
uma cidadania democrática
Raphael Cezar da Silva Neves (Universidade de São Paulo)
rneves@usp.br
O objectivo do trabalho é apresentar as
novas tensões a que está submetida a concepção
de cidadania presente nos Estados democráticos modernos. Para isso,
retomamos o ensaio de T. H. Marshall que mostrou como, no capitalismo,
o sistema de classes sociais e a ideia de cidadania convivem de forma
paradoxal. O primeiro, por ser um sistema de desigualdade e o segundo
por oferecer justamente o oposto - um tratamento equitativo. Nesse sentido,
pode-se dizer que a cidadania é essencialmente um modo de assegurar
que todos sejam tratados como membros plenos e iguais da sociedade. Através
da concessão de direitos - civis, políticos e sociais -
a cidadania pôde combater duas formas de desigualdade. A primeira
tem por base o sistema hierárquico de status da classe social.
A segunda é um produto derivado de outras instituições,
que pode ser expressa em termos de desigualdade de bem-estar.
A raiz dessa transformação pode muito
bem estar localizada na noção de democracia, cujo sentido
bem captara Tocqueville, como um processo onde os cidadãos são
considerados de forma igual na tomada de decisões políticas
e no gozo de suas liberdades. E ainda encontra ecos nas teorias contemporâneas
de justiça. Basta lembrar os dois princípios de Rawls.
Ocorre que há hoje um crescente número
de teóricos que defendem que a cidadania tenha de dar conta de
grupos que, a despeito de possuir direitos iguais de cidadania, foram
excluídos da cultura comum. É o que podemos chamar de uma
concepção de "cidadania diferenciada". A partir
disso, membros de certos grupos seriam incorporados na comunidade política
não apenas como indivíduos, mas também através
do grupo, e seus direitos dependeriam da sua condição de
membro.
Parece claro que isso causa uma séria mudança
na concepção de cidadania. Talvez seja até algo contraditório.
Segundo a visão ortodoxa de Marshall, a cidadania é, por
definição, uma forma de tratar pessoas como indivíduos
com iguais direitos. Isso é o que distingue a cidadania democrática
de visões feudais ou pré-modernas que determinam o status
de acordo com a condição de membro religioso, étnico
ou de classe.
É certo que a ampliação dos
direitos individuais fundamentais ocorreu em duas frentes. De um lado,
o princípio da igualdade embutido no direito moderno ampliou o
status do cidadão não só no aspecto objectivo, mas
incluiu o nível de vida necessário para isso. De outro,
foi estendido em seu aspecto social, sendo transmitido a um número
crescente de membros da sociedade. Seriam as demandas "multiculturais"
uma nova tentativa de inclusão de direitos?
Axel Honneth, a partir do que seria a visão
de Hegel e Mead, parece acreditar que em ambos os casos, houve um prosseguimento
da "luta por reconhecimento" no interior da esfera jurídica.
Os confrontos práticos que se seguem por conta da experiência
do reconhecimento denegado ou do desrespeito, representam conflitos em
torno da ampliação tanto do conteúdo material como
do alcance social do status de uma pessoa de direito.
Se isso for verdade, então não faz
sentido tratar as questões suscitadas pelas demandas "multiculturais",
de minorias étnicas, feministas etc., como mero problema de justiça
distributiva. Surgiria um novo desafio à cidadania: incorporar
novos direitos em virtude das "lutas por reconhecimento". Mas
a condição para isso parece ser a manutenção
da igualdade de status no aspecto objectivo, uma vez que essa é
a própria condição da cidadania e do direito modernos.
Palavras-chaves: cidadania; multiculturalismo; reconhecimento.
Política, cidadania e democracia: a questão ética
no Terceiro Milênio.
Kátia Mendonça - UFPA - Universidade Federal do Pará
veredas@amazon.com.br
O processo de mundialização em curso,
se propiciou a expansão das fronteiras do conhecimento, apresentou
um lado perverso que foi a homogeneização do homem e aquilo
que Hans Jonas chamou de vazio ético, expresso no predomínio
do mercado que rompe com os laços de solidariedade e faz aumentar
vertiginosamente a violência nas suas mais diversas facetas, simbólica,
psíquica, física e nos mais diversos âmbitos que vão
do privado ao público.
Além disso, o conceito de nação que sustentava os
laços sociais até meados do século XX entra em crise
e se vê substituído pela ausência de laços sociais.
Infelizmente, uma das formas perversas de reação a isso
tem sido a criação de laços sociais não-solidários
e calcados na intolerância típica dos diversos tipos de fundamentalismo
religioso espalhados pelo mundo.
A concepção de cidadania sofre, nesse quadro de desmoronamento
das culturas nacionais, um forte golpe, especialmente em países
ditos periféricos, nos quais ela sequer chegou e se instalar em
seus moldes iluministas clássicos. Em um mundo de exclusão
o cidadão passou a ser aquele que consome, e como tal, tem direito
e acesso a certos serviços e conhecimentos. O mundo do cidadão-consumidor.
A democracia segue tendo nesses paises um caráter mais formal do
que substantivo.
É aí que algumas matrizes do pensamento político
do século XX se mostram importantes porque contêm os germes
de uma visão integral do cidadão, de sua dimensão
ética, de sua raiz comum - não obstante a singularidade
de cada qual expressa em culturas, nacionalidades e religiões diferentes
- enquanto um ser portador de uma humanidade comum.
Gandhi e Václav Havel, introduziram práticas e idéias
políticas nas quais o predomínio da não-violência
e da ética - a ética aqui não a ética formal
e neutra, mas uma ética que possa servir de guia à ação
- ensejam a criação de uma nova cidadania, de uma nova forma
de inserção e de ação na esfera pública,
na qual o homem se inscreve como portador de uma unicidade com o todo.
Especialmente Václav Havel, objeto deste trabalho, aponta pra concepções
de cidadania e de democracia fortemente marcadas pela ética. Ser
cidadão é ter uma responsabilidade moral, estar aberto a
uma responsabilidade coletiva maior, admitir a co-responsabilidade pelo
destino do conjunto, comprometer-se.
Ora essa perspectiva pressupõe a crença no que ele chama
de Horizonte Absoluto, a crença no Ser, enfim, a crença
no Transcendente. É a noção de transcendentalidade
que irá abrigar a exigência ética de uma revolução
individual precedendo a revolução política.
A caminhada em direção ao indivíduo concreto é
para Havel um ato fundamentalmente mais profundo que deve preceder a construção
da democracia e de suas instituições.
Tanto a reflexão como a trajetória política de Havel,
apontam para a necessidade urgente de se fazer o debate sobre ética
e política ser aprofundado pela sociologia política, que
é a proposta deste ensaio.
Sociedade civil e democratização dos espaços
públicos: uma análise da experiência brasileira
Ivete Simionatto (Universidade Federal de Santa Catarina)
isimion@mbox1.ufsc.br
Um dos fatores determinantes da vitória
eleitoral do Partido dos Trabalhadores ao Governo Federal em 2003 foi,
sem dúvida o apoio de parcela significativa das organizações
da sociedade civil e seu acúmulo político nas lutas pela
ampliação da cidadania e pela radicalização
da democracia. A movimentação social contra a ditadura militar
e o restabelecimento da ordem democrática na transição
dos anos 1970-1980 favoreceu o surgimento de inúmeros movimentos
populares proporcionando a ampliação dos espaços
de participação de diferentes organizações
da sociedade civil que passaram a desempenhar papel fundamental no quadro
socioeconômico e político do país. Essa trajetória
histórica vem sendo potencializada pelo atual governo através
de diferentes iniciativas e estratégias direcionadas ao fortalecimento
das relações entre Estado e sociedade civil. Dentre estas,
destaca-se a discussão do Plano Plurianual 2004-2007 com a sociedade
mediante audiências públicas realizadas nos 27 estados da
federação. A estratégia de realização
desse processo de consulta foi articulada pelo Governo Federal e a Associação
Brasileira de ONGs - Abong e Inter-Redes, com o objetivo de garantir "uma
escuta forte" da sociedade civil organizada no tocante às
propostas para o PPA. Tal iniciativa reveste-se de especial relevância,
pois se apresenta como um espaço de discussão ampla das
estratégias que orientarão as políticas e programas
do governo para o próximo período.
O PPA constitui-se no instrumento de planejamento de médio prazo
do Governo Federal e estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes,
objetivos e metas da administração pública federal,
promovendo a identificação clara dos objetivos e prioridades
do governo (...) O planejamento econômico e social, expresso no
PPA 2004-2007, será feito com a participação tanto
da sociedade brasileira quanto das varias esferas do Governo (...)".
A participação da sociedade através de suas formas
organizativas é, sem duvida um elemento central acerca da "dimensão
democrática" presente no documento, conferindo-se ao Estado
nacional uma postura mais ativa no fortalecimento dos espaços públicos,
na consolidação das organizações democráticas
e populares, na ampliação das bases sociais sobre as quais
se edifica a sociedade civil e na promoção da cidadania
e dos espaços autônomos de exercício do poder (Torrens,
2003).
A "dimensão democrática" e a afirmação
de uma nova postura do Estado, recorrentes no PPA que pareciam indicar
uma clara diferenciação em relação à
ótica neoliberal vigente nas duas últimas décadas,
não se concretizou no primeiro ano do governo. O desenho de Estado
articulado em torno da descentralização da gestão
das políticas mediante a incorporação da participação
cidadã e uma maior contribuição da sociedade civil
ficou à margem, assumindo-se a continuidade da reforma centrada
na lógica do ajuste e do custo.
As orientações econômico-politicas internacionais,
especialmente do FMI e do Banco Mundial, reorientaram a agenda governamental
mediante a continuidade da subordinação do social e das
políticas sociais aos imperativos do mercado com intensa diminuição
dos gastos públicos principalmente em áreas como saúde
e assistência. A centralidade no enfrentamento da questão
social e a ampliação das bases democráticas da sociedade
brasileira, pilares do PPA são pontos que permanecem praticamente
intocados acentuando os processos de exclusão social e o aumento
da pobreza de imensos contingentes populacionais. |
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