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As práticas de inclusão
e o trabalho normativo
Sonia Ap. Moreira França - UNESP
sfranca@assis.unesp.br
O presente trabalho visa circunstanciar a política atual de inclusão
social do sujeito excepcional. Nessa perspectiva, o conceito de inclusão
funciona como alicerce de ações para analisar e avaliar
serviços e políticas sociais. Compreende-se a meta da inclusão
social como um processo de modificação dos procedimentos
normativos da sociedade que organizam as capacidades a fim de unificar
as características e estabelecer classes de equivalência,
convidando cada indivíduo a reconhecer-se diferente dos outros,
afirmando-se em sua individualidade. O sujeito excepcional é a
expressão dos modos como as práticas educacionais, médicas
e jurídicas trabalham o crivo normativo e relacionam o corpo consigo
próprio, como o decompõem e o recompõem e o analisam
em função dessa realidade: a diferença. Produto de
um investimento político do corpo, essa diferença é
aquilo que o excepcional não pode reivindicar pois é o lugar
analisável das práticas sociais que o inventam.
Ao ordenar as multiplicidades, comparando-as e relacionando-as umas às
outras numa lógica de individualização, a norma propicia
a comunicação entre individualidades pois é a referência
que o indivíduo usa para tomar a si próprio como objeto
de investigação. A individualização normativa,
para a qual cada sujeito é um caso, não desvela naturezas,
ela é comparativa e só os desvios fazem sentido para as
suas categorias, pois são expressões de uma relação.
O anormal efetiva-se num jogo de equivalências em relação
ao normal em termos de limites, ele está incluso na norma como
fundamento de um possível. O trabalho normativo não procede
por exclusão ou segregação, ele intensifica desvios
pois visa aos corpos para adestramento e produção de um
princípio de visibilidade que os faz voltar sobre si mesmos a fim
de se reconhecerem e se distinguirem um do outro.
O excepcional se efetiva, então, como uma categoria de risco para
a política higienista cujo trabalho de aferição pedagógica
e jurídica sustenta uma racionalidade que decompõe, recompõe
e ordena de forma complexa e gradual os processos vitais. O risco como
um princípio de objetivação e campo de intervenção
formaliza o cálculo das probabilidades e confere materialidade
aos acontecimentos da vida.
O trabalho da norma como dispositivo de segurança vai servir para
a gestão das populações pois o risco permite unificá-las
e identificar os indivíduos que a compõem de acordo com
mecanismos auto-referentes em um processo incessante de comparação.
Assim, não há objeto que escape à normalização
técnica pois esta é expressão das transformações
científicas e tecnológicas referentes às necessidades
de produção e ao processo de racionalização
da sociedade moderna.
A aliança da norma com a medida comum permite interpelar as práticas
sociais da modernidade a partir de suas técnicas de medida. Implicadas
nesse registro, as práticas pedagógicas estão fundadas
nos ideais de desenvolvimento das potencialidades, no desempenho e na
produtividade do educando, na hierarquização do conhecimento
e veicula uma política higienista do Estado moderno no governo
dos corpos a fim de orientar uma profilaxia das relações
do homem consigo próprio e com os outros. A função
pedagógica é de um enquadramento moral de auto-regulação
e de auto-interpretação para a explicitação
de modos de ser. Essa pedagogia instrumentalizada pela hermenêutica
do sujeito produz máquinas de fazer ver e de fazer dizer que remetem
a uma lógica jurídica do dever e da norma; não há
dizer ou ver sem um código, sem um critério de juízo
dominante na cultura.
Uma abordagem conceitual do risco na sociedade contemporânea
Maria Thereza Rosa Ribeiro (Universidade Federal de Pelotas)
tete@ufpel.tche.br
Esta comunicação trata de estabelecer uma análise
comparativa sobre a mudança da percepção e avaliação
da idéia de risco na sociedade contemporânea em relação
à concepção que marcou as conjunturas políticas
da sociedade brasileira na primeira metade do século XX. Toma-se
em consideração a proposta do projeto de pesquisa A construção
da idéia de risco e segurança social na sociedade brasileira,
na qual evoca-se a emergência na sociedade brasileira de um contrato
social que favoreceu a noção da Assistência Pública
mediante a implementação de uma contratualidade solidária
- coletivista - em detrimento da idéia liberal de contrato jurídico
instituinte da primazia do indivíduo em relação ao
Estado. A exemplo da legislação social dos acidentes de
trabalho (1919) que alertava para os riscos iminentes proporcionados pelo
lugar do trabalho. Hoje, no entanto, percebe-se que a idéia de
risco extrapola o terreno da centralidade da noção de trabalho,
se estendendo ao meio ambiente, à falta de recursos naturais, à
poluição, aos acidentes de percurso, à desestabilização
política, ao risco e ao perigo do uso de tecnologia e à
produção técnico-científica etc. A análise
da mudança conceitual do risco figura na discussão do tema
sociedade de risco e modernidade postulada por alguns autores, como: Anthony
Giddens (1991), Ulrich Beck (1986;1999), Boaventura Santos (1997) e Habermas
(1968; 2001). Intenta-se trazer a lume algumas reflexões sobre
estas abordagens teóricas no que tange à diferença
da noção de risco desenvolvida em meados do século
XX em relação às abordagens mais recentes.
O legado determinista na intervenção social: combinações
possíveis. Reflexões a partir da análise de projectos
de intervenção social."
Isabel Silva Cruz, Margarida Santos Silva, Fernanda Rodrigues
"O legado determinista na intervenção social: combinações
possíveis", constitui-se como ponto de partida para uma reflexão
que se ancora na análise de projectos de intervenção
social desenvolvidos no nosso país.
A "questão social" constitui um dos motores do desenvolvimento
das ciências sociais e humanas. Privilegiar a análise dos
grupos sociais desfavorecidos e/ou em situação de vulnerabilidade
é, também, um dos factores do seu próprio processo
de maturação e desenvolvimento. As diferentes correntes
teóricas /paradigmas que compõem esta área do saber
constituem-se em diferentes olhares que se têm vindo a construir
para melhor conhecer, compreender e explicar esta questão.
No conjunto das diferentes perspectivas teóricas é possível
identificar o privilegiar do individual ou do colectivo, do conflito ou
da integração harmoniosa, entre outras. Subjacente a estas
perspectivas estão diferentes conceitos de indivíduo analisado
enquanto "ser consciente", produtor e produto das relações
sociais ou "ser formatado", determinado pelo processo de socialização
e pela consciência colectiva.
Embora em alguns aspectos divergentes ambas as perspectivas pressupõem
um investigador interventor que promove, ainda que de modo diverso, a
integração dos grupos em situação de maior
vulnerabilidade. Esta intervenção remete, necessariamente
para a análise da relação entre a Ciência e
o poder instituído.
Nesta análise importa, também, salientar a articulação
entre os pressupostos teóricos que sustentam a intervenção
e as metodologias utilizadas. Pese embora o predomínio do individual
e da perspectiva determinista, visível na procura de factores (formação/capacitação)
para atingir os objectivos (qualificação que obste à
exclusão), constata-se que se procuram implementar metodologias
participativas e de pendor qualitativo. Contudo tornam-se evidentes dificuldades
de articulação teoria/método, bem como de operacionalização
das mesmas. Esta dificuldade é visível, por exemplo, relativamente
à participação das populações no projecto,
nomeadamente quando a intervenção se centra na melhoria
das qualificações pessoais e sociais (formação)
de indivíduos/grupos em situação de maior vulnerabilidade
e/ou é desenvolvida por uma entidade com pouca experiência
no domínio da intervenção social. Nestes casos, a
participação da mesma restringe-se, por via de regra, à
fase de execução /implementação. Constata-se
ainda que a diversidade das formações organizadas no âmbito
destes projectos se restringe, frequentemente, a áreas de baixa
ou nula empregabilidade, o que as torna em formações mais
de pendor individual do que sócio-profissional.
Contrariamente, as intervenções desenvolvidas por entidades
com maior experiência e centradas em territórios parecem
alcançar melhores resultados quer no que se refere à participação/implicação
das populações, quer na promoção da inserção
das mesmas. Estas intervenções ancoram-se em traços
sócio-culturais dos territórios e na afirmação
das identidades dos mesmos.
Consequentemente, é possível questionar o grau de inserção
alcançado quando os projectos se centram em públicos designadamente
quando se trata de públicos de reconhecida vulnerabilidade. Nalguns
casos pode-se reconhecer uma ténue fronteira entre os contributos
para a inserção a par de um teor estigmatizante de algumas
actividades.
A inserção destes públicos parece ser facilitada
/ potenciada quando a intervenção se alarga a todos os grupos
sociais de um mesmo território. Não é possível
integrar centrando a acção exclusivamente nos grupos excluídos.
Uma nova questão se coloca: o privilegiar do território
pode pressupor um deslocamento do objecto das ciências sociais,
isto é, a realidade social = indivíduo + meio físico.
Tal facto leva a considerar numa outra perspectiva a relação
entre ciências sociais e ciências naturais. A questão
vai para além da delimitação do domínio/área
de intervenção de cada um destes campos do saber, importando
conhecer/aprofundar os contributos / complementaridades possíveis
que resultam desta transdisciplinaridade. Como se operacionalizam na intervenção
sobre o social.
Emoções no Novo Milénio: notas sobre a pericialização
das emoções, a construção da subjectividade
e a legitimação científica de desigualdades sociais.
Vítor Barros (Universidade Nova de Lisboa)
Vários estudiosos têm vindo, recentemente, a chamar a atenção
para uma crescente exposição pública das emoções.
Com efeito, basta um olhar atento à obsessão voyeurística
dos media pela vida privada - e a sua expressão através
das emoções e dos estados emocionais - para não podemos
ignorar essa sugestão. As emoções, sobre as quais
durante tanto tempo se dedicou uma profunda vigilância interior,
parecem agora cada vez mais vigiadas em praça pública, sujeitas
ao escrutínio, ao debate e à reflexão. No entanto,
este voyeurismo do comportamento emocional, não é senão
o outro lado de um 'regime confessional', que incita a uma exegese discursiva
do próprio sujeito sobre as suas emoções, como convive
com elas, como elas participam da sua vida do quotidiano, sobre os efeitos
que elas têm na imagem produzida sobre si mesmo. A natureza deste
'regime confessional' insere-se em duas dimensões mutuamente constitutivas,
que esta comunicação pretende aprofundar.
Regulação do risco e segurança alimentar
Maria Manuel Leitão Marques (CES/FEUC) e Catarina Frade (CES/FEUC)
A reflexão que nos propomos fazer enquadra-se numa análise
da problemática do risco nas sociedades da "modernidade avançada"
e das suas conexões com a regulação, enquanto mecanismo
de gestão e controlo do risco. Esta relação será
densificada através da consideração do caso da segurança
alimentar, na sua dupla dimensão de acesso e segurança dos
alimentos. Essa análise da dimensão regulatória do
risco alimentar pretende demonstrar que a regulação do risco
é produzida e implementada a partir da interacção
de diversos actores, estaduais e não estaduais, nacionais e não
nacionais, que habitam um mesmo espaço ou arena regulatórios
e que tecem entre si relações múltiplas e complexas.
Para que servem os museus científicos? Funções e
finalidades dos espaços de musealização da ciência
Ana Delicado Instituição (ICS, Universidade de Lisboa)
ana.delicado@ics.ul.pt
Com base numa investigação em curso sobre os museus científicos
portugueses (dissertação de doutoramento), esta comunicação
visa discutir quais as funções que estas instituições
actualmente desempenham e que objectivos norteiam as suas actividades.
Pretende-se analisar o espectro de finalidades que presidem à criação
e que regem actualmente dois tipos de museus científicos: os museus
de ciência e os museus de ciências naturais. Os primeiros
dizem respeito a ciências como a astronomia, a física, a
matemática ou as engenharias, e incluem instituições
como os centros de ciência e os planetários; os segundos
consagram-se a disciplinas como a biologia, a botânica, a zoologia
ou a paleontologia e incluem instituições que apresentam
seres vivos (jardins botânicos, aquários, jardins zoológicos).
A exclusão dos museus científicos da área das ciências
sociais deve-se aqui apenas a limitações do tempo e de âmbito
da comunicação.
Para além das funções comuns a qualquer tipo de museu
(adquirir, conservar, pesquisar, comunicar e expor espécimes naturais
ou artefactos), os museus científicos são chamados a desempenhar
várias outras funções sociais. Da investigação
à difusão da cultura científica, da preservação
de um património à consciencialização para
a preservação do ambiente, da germinação de
vocações à formação de especialistas,
muitas e variadas são as justificações para criar
e manter um museu científico. Estas diferentes justificações,
para além de associadas a diversos tipos de museu, serão
também produto de determinados contextos históricos, de
inserções institucionais específicas, de estratégias
para angariar públicos e recursos, de tomadas de posição
no campo científico e até das características pessoais
e profissionais dos seus responsáveis.
Serão ainda debatidas as funções que os museus científicos
poderiam desempenhar e (praticamente) não o fazem: gerar o debate
sobre questões controversas, facilitar a participação
pública em matérias de decisão com um cariz técnico-científico,
apresentar os desenvolvimentos e descobertas da ciência portuguesa,
mostrar os impactos sociais da ciência, exibir a ciência "em
acção" ou "tal qual se faz" actualmente.
A análise centrar-se-á na situação presente
dos museus científicos portugueses, ainda que sejam tomados como
referência museus de outros países e que os dados constatados
se possam aplicar a outros contextos nacionais. A sustentação
empírica para esta comunicação provém do trabalho
de campo já realizado para a dissertação de doutoramento:
recenseamento das instituições museais, recolha e análise
documental (publicações, legislação, relatórios,
folhetos, artigos de imprensa, páginas de internet), análise
de exposições e entrevistas aos responsáveis pelos
museus.
Este trabalho integrar-se-á não tanto no âmbito restrito
da museologia ou dos estudos sobre museus mas sim no domínio da
sociologia das ciências, procurando reflectir sobre os museus como
espaços de ligação entre a ciência e a sociedade,
sobre as políticas de promoção da cultura científica
e sobre os laços existentes entre a produção da ciência
e a divulgação da ciência.
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