Roger Bastide e os precipícios da irracionalidade Maria Lúcia de Santana Braga - MEC/Brasil (luciabraga@mec.gov.br, maria.braga@apis.com.br) Durante sua trajetória intelectual e acadêmica, Roger Bastide não se furtou a enfrentar um problema crucial do nosso tempo: o possível esgotamento da razão. Em várias passagens, Bastide demarca as diferenças de seu pensamento em relação aos autores marcadamente racionalistas como é caso de Claude Lévi-Strauss. Preocupado com o pensamento obscuro e confuso e suas diferentes formas como o misticismo, o sonho, a loucura, Bastide compreende que esse pensamento não é inadequado ou inferior. Mesmo que a sociedade ocidental rejeite a confusão e a obscuridade que estão presentes nessa forma de pensamento, esta não pode ser considerada um conhecimento de segunda ordem. Bastide lembra que esse conhecimento de outro gênero possui um princípio regulador, que é o de corte, que permite a existência de um jogo sutil entre o diferente e o idêntico, um conhecimento que se pauta pela dialética entre o um e o outro. Bastide coloca-se assim contra a última mistificação, que é o valor da razão acima de todas as outras formas de conhecimento, optando pela tempestade e pelas incertezas que estão presentes no outro e no alhures. Nossa intervenção pretende abarcar tal análise a partir dos estudos bastidianos sobre o candomblé no Brasil, em particular os presentes nos livros Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto, de 1945, e O Candomblé da Bahia, rito nagô, de 1958.
A performance do conhecimento local: o caso do viveirismo de
bivalves na Ria Formosa Esta comunicação é sobre um "conhecimento local", relacionado com o cultivo organizado de bivalves, actividade tradicionalmente praticada na Ria Formosa, Algarve. Sugiro aqui que este "conhecimento local" é um efeito sócio-técnico: algo que é performado pelo alinhamento de diversos instrumentos e tecnologias, capacidades cognitivas, processos políticos, discursos culturais. Com base numa etnografia em curso, identificarei três formas da performance deste conhecimento. A primeira é a criação de uma "geografia" específica, mais ou menos coordenada pelas diversas autoridades que governam o território onde se exerce o viveirismo (Parque Natural da Ria Formosa; Direcção Geral das Pescas e Aquacultura; IPIMAR; polícia marítima, autarquias, etc.). Esta criação passa, por exemplo, pela aplicação de disposições burocráticas e legislativas sobre a organização do espaço e das diversas entidades que o habitam; passa, igualmente, de modo a aplicar ou forçar essas disposições, por intervenções materiais, ordenações paisagísticas ou políticas de financiamentos. A segunda forma de performance corresponde a tentativas de criação de espaços de conhecimento protagonizados por leigos, através da dinamização de pequenas controvérsias técnico-científicas. Falarei dos processos "desarrumados", "híbridos", "heterogéneos", que envolvem a ligação da produção de conhecimento a problemas, programas de investigação e soluções técnicas definidos e escolhidos muito localmente. A terceira forma tem a ver com a demarcação do conhecimento "local" em relação à expertise científica e tecnológica. Tem a ver com o envolvimento retórico e o traçado de fronteiras culturais que sustentam a legitimação dos conhecimentos locais; e inclui, por exemplo, a afirmação pública e mediática da autoridade cognitiva da "experiência". Concluirei, explicitando que estas três formas de performance não compõem nenhuma realidade homogénea, una, estável; e em que sentido este "conhecimento local" emerge lado a lado com diferentes configurações políticas e ontológicas que também ajuda a formar.
Ao longo dos últimos anos, vários
autores têm salientado a importância da comunidade participada
em processos de tomada de decisão sobre medidas de mitigação
e gestão de riscos ambientais e tecnológicos. Essa importância
é sobretudo traduzida na reflexão acerca do contributo que
a integração das percepções das populações
locais, em conjunto com o conhecimento técnico e científico
pode dar para a legitimidade e eficácia daqueles processos. Em
Portugal, a incorporação das percepções sociais
nas medidas técnicas associadas à mitigação
e gestão dos riscos de carácter tecnológico e ambiental,
têm sido frequentemente negligenciada, reduzindo-se a participação
pública a acções de carácter pontual e, geralmente,
com reduzido impacte nas decisões técnicas e políticas.
Automedicação, Saberes e Racionalidades Leigas As práticas de auto medicação
e as diversas modalidades que estas assumem nas sociedades modernas são
uma expressão da disseminação cultural da medicalização
e farmacologização dos quotidianos de saúde. A polémica do tráfico de órgãos humanos
em Moçambique No início deste ano a missionária católica brasileira
Elilda Santos em Nampula denunciou o alegado tráfico de órgãos
humanos e o desaparecimento de crianças, muitos destas teriam sido
mais tarde encontradas mortas, sem órgãos internos. A freira
sugeriu que estrangeiros brancos estavam envolvidos num tal negócio.
Esta acusação foi divulgada através dos media internacionais.
Vários representantes da Igreja Católica em Moçambique
mostraram a sua preocupação perante as afirmações
pedindo uma investigação pelas autoridades competentes.
Consequentemente o caso foi discutido na Assembleia Nacional em Maputo
e o Procurador Geral da República moçambicano mandou investigar
as alegações da brasileira. O relatório desta investigação
não confirmou as afirmações da missionária.
Não obstante, na imprensa portuguesa continuaram aparecer vários
artigos sobre crianças desaparecidas em Nampula e o tráfico
de órgãos humanos para transplantes médicos. Alguns
artigos também levantaram a questão da mutilação
de corpos humanos e da extracção de órgãos
para chamados "rituais satânicos", também em outras
zonas de Moçambique. Mais tarde as afirmações da
brasileira foram relacionados com um conflito sobre um terreno concedido
pelas autoridades de Nampula para um casal branco para a criação
de frangos. Alguns artigos apareceram que questionaram a credibilidade
que freira brasileira. Outros chamaram a atenção ao papel
de boatos nas afirmações sobre o tráfico de órgãos
humanos recordando episódios de anos anteriores quando na mesma
zona uma onda de rumores persistentes sobre a existência de "chupa-sangues"
tinham aterrorizado a população. Ao mesmo tempo apareceram
novas notícias sobre corpos mutilados para fins de feitiçaria,
encontrados em várias partes de Moçambique. |
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