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A vida como relato nos blogs:
Mutações no olhar introspectivo e retrospectivo na conformação
do "eu"
Paula Sibilia (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
sibilia@ig.com.br
Este artigo aborda uma prática de expressão e comunicação
surgida recentemente na Internet: a dos diários pessoais publicados
na Web por usuários do mundo inteiro. Numa primeira análise,
fenômenos como os dos blogs, dos fotologs e das webcams parecem
recriar um hábito cuja sentença de morte já tinha
sido decretada, que teve seu auge nos séculos XVIII e XIX e estava
fortemente vinculado à sensibilidade da época: a paciente
e minuciosa "escrita de si" nos diários íntimos
tradicionais. Há, porém, um aspecto muito significativo
nessas novas "narrativas do eu": sendo expostas aos milhões
de olhos que têm acesso à Internet, as confissões
(e as imagens) cotidianas dos autores revelam uma peculiar inscrição
na fronteira entre o extremamente privado e o absolutamente público.
Intui-se, portanto, uma instigante subversão das fronteiras que
costumavam separar essas duas esferas no mundo moderno.
Por isso, consideramos que essas novas práticas podem oferecer
pistas interessantes sobre as fortes transformações que
hoje atravessa a produção de subjetividades. São
afetadas, neste quadro, várias noções importantes,
como as de intimidade e privacidade. Do mesmo modo, a idéia de
interioridade perde força, diminuindo a valorização
da "vida interior" como o principal eixo em torno do qual as
subjetividades modernas eram construídas. Cada vez mais, a "verdade"
sobre o que cada um é se desloca desse âmago secreto, radicalmente
íntimo e privado, para aflorar na superfície da pele (e
das telas). Em vez de nutrir o antigo olhar introspectivo, portanto, hoje
assistimos à proliferação de espaços, tecnologias
e práticas que permitem e que incitam uma certa "espetacularização
do eu" com recursos performáticos. A Internet, nesse sentido,
se apresenta como um importante cenário de experimentação.
Além da introspecção, o olhar retrospectivo também
parece estar em declínio nas novas práticas auto-referentes,
perdendo seu peso outrora fundamental na hora de plasmar a própria
vida como um relato. Assim, portanto, em contraste com algumas formas
modernas de atualizar a memória do vivido (do diário íntimo
tradicional à psicanálise, passando pelo romance clássico
e pelas autobiografias românticas), este trabalho examina os diários
pessoais publicados na Internet como sendo tentativas atualíssimas
de "recuperar o tempo perdido" em sua vertigem auto-bio-gráfica
na era do "tempo real", do "sem tempo" e do presente
constantemente "presentificado". Pois a peculiar inscrição
cronológica desses novos "relatos do eu" (e a sua insistência
na prioridade da atualização permanente) denota outras turbulências.
Não é só a profundeza sincrônica (interioridade)
do eu que está sendo desafiada nos novos "modos de ser"
que emergem no mundo contemporâneo, mas também a sua coerência
diacrônica. Sofre alterações, portanto, o valor atribuído
a outro fator primordial na constituição da "identidade"
individual: o estatuto do passado como um alicerce fundamental do eu.
Apesar da sua permanência como fatores relevantes, essas noções
que desempenharam papeis de primeira ordem na conformação
das subjetividades modernas hoje parecem estar perdendo gradativamente
seu peso relativo na definição do que cada um é.
Acreditamos que certas práticas de "escrita de si" ou
de "narrações do eu" que hoje germinam na Internet,
como os blogs, os fotologs e as webcams, fornecem prismas privilegiados
para analisar tais mutações.
Mapeando o Fosso Digital em Portugal
Nuno de Almeida Alves (Instituto Superior de Ciências da Saúde
- Sul)
nalmeidaalves@oninetspeed.pt
Esta comunicação visa discutir a reduzida taxa de penetração
das tecnologias da informação e da comunicação,
fundamentalmente da internet, nos alojamentos portugueses. Partindo de
uma base de dados especificamente desenhada para o efeito, pretende-se
aprofundar o relacionamento entre variáveis sócio-demográficas
e motivacionais na explicitação deste fenómeno.
Ao longo dos últimos anos, a totalidade dos governos ocidentais
tem-se dedicado à elaboração de "Planos de Acção
para a Sociedade da Informação e do Conhecimento",
nos quais um dos objectivos principais é o fomento da presença
e da utilização de tecnologias da informação
e da comunicação no contexto doméstico.
O acesso à internet nos alojamentos (independentemente da plataforma
de acesso) constitui mesmo um dos indicadores estruturais de avaliação
de desempenho ditados pela "Estratégia de Lisboa", na
caminhada para o estabelecimento da Europa como a economia baseada no
conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo em 2010. Não
é, no entanto, claro se a inclusão deste indicador na bateria
de aferição do objectivo acima referido visa demonstrar
o acesso à internet nos alojamentos enquanto indicativo das competências
tecnológicas das populações ou, em alternativa, a
disponibilidade dos meios de acesso a bens e serviços electronicamente
mediados ou prestados.
Neste, como em praticamente todos os indicadores económicos e sociais,
Portugal apresenta os mais baixos valores face aos seus congéneres
europeus (numa Europa analisada ainda sob a sua configuração
pré-alargamento). Em 2003 apenas um quinto das famílias
portuguesas contava com acesso à internet no alojamento, situando-se
a média europeia em redor dos 50%. O Plano de Acção
para a Sociedade da Informação em Portugal estabelece como
meta, para o ano de 2005, a disponibilidade de um terminal de banda larga
em 50% dos agregados familiares (cf. UMIC, 2003: 34; RCM 107/2003); porém,
já anteriormente o governo português havia estabelecido como
meta a atingir em 2003 a mesma percentagem de agregados familiares detentores
de acesso à internet (cf. "Iniciativa Internet", RCM
110/2000, DR Nº193/2000). A lenta progressão do número
de famílias com acesso à internet em Portugal proporcionará,
eventualmente, ainda a publicação, a prazo, de uma terceira
resolução do conselho de ministros com a fixação
de uma nova data como meta para a obtenção dos almejados
50% de agregados familiares com acesso à internet.
Conhecendo a realidade da sociedade portuguesa, não é difícil
justificar rapidamente o contexto de tais números. Computadores
e internet não constituem equipamentos de consumo equiparáveis
a automóveis e televisões, cuja progressão deriva
simplesmente da mera subida generalizada do rendimento disponível
das famílias. O consumo alargado destes bens e serviços
estruturar-se-á a partir de uma gama de motivações
e competências (económicas, escolares, profissionais, culturais,
tecnológicas, linguísticas, etc.) cuja disseminação
na população, ou nos agregados familiares portugueses, é
bem menos intensa do que o esperado pelos sucessivos governos, apesar
de ilustrada pelas estatísticas demográficas e sociais.
A comunicação que aqui se propõe procurará
explorar algumas respostas possíveis a estas conjecturas, com base
no trabalho desenvolvido para uma tese de doutoramento em curso, recorrendo
neste aspecto particular à informação estatística
constituída a partir do "Inquérito à Utilização
das Tecnologias da Informação e da Comunicação
por parte da População Portuguesa", realizado em 2003
pela Unidade de Missão Inovação e Conhecimento.
Mídia e movimentos sociais - O MST segundo a óptica
editorial da revista Veja
Paulo Ricardo Christo (Universidade Estadual do Centro Oeste)
Esta pesquisa procurou analisar a atuação do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra no período de 1995/2000, em
um contexto de violência política que, historicamente, tem
marcado o trabalhador rural. Assim, a pesquisa identificou no discurso
editorial da Revista Veja, uma certa "fabricação do
social" promovida no intuito de, ora demonizar o Movimento, ora circunscrevê-lo
como apenas mais um movimento reformista que vive de políticas
assistencialistas por parte do Estado. No final da década de 1970
e início de 1980, num contexto histórico marcado pela crise
do período militar no Brasil, além de lutas por democracia,
várias mobilizações marcaram o reinício da
luta pela terra no país. Esse momento anunciou a gestação
de um novo movimento de trabalhadores rurais, engajados e organizados
na conquista por um pedaço de terra. Entretanto, os conflitos sociais
no campo e a luta contínua da conquista da terra de trabalho são
o resultado histórico da exploração e concentração
fundiária que perpetua a marginalidade e a exclusão. Ao
longo da história, diversos conflitos marcaram o processo de lutas
no campo. Durante o período de chumbo da história do Brasil,
no ano de 1975, a Igreja Católica criou a Comissão Pastoral
da Terra (CPT) que, de acordo com os ensinamentos da Teologia da Libertação,
exerceu fundamental articulação dos novos movimentos do
campo que nasceram durante a ditadura militar. A CPT - setor progressista
da Igreja Católica - promoveu vários encontros regionais
com os trabalhadores rurais e suas lideranças, criando, através
de articulações, certa consistência ao movimento que
faria em janeiro de 1984, em Cascavel, Paraná, o primeiro Encontro
Nacional, no qual é fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST) como movimento nacional de luta pela terra, pela reforma
agrária e por mudanças sociais. No ano seguinte, na capital
do Estado, o MST realizou o Primeiro Congresso Nacional.Várias
mobilizações foram articuladas pelo país, mas foi
durante a primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que
ocorreu a maior manifestação de oposição ao
governo. A marcha iniciada em 17 de fevereiro de 1997 e realizada a pé
pelos trabalhadores rurais sem-terra, culminou com um grande protesto
em Brasília nos dias 17 e 18 de abril, reunindo milhares de manifestantes
em frente ao Congresso Nacional. Uma significativa maioria da população
mostrou-se favorável à manifestação pacífica
e às reivindicações dos agricultores. Em 1996, a
Rede Globo transmitiu em seu horário nobre a telenovela Rei do
Gado, tendo como tema central o MST e a questão agrária.
Evidenciando uma vitória do movimento, uma vez que não era
mais possível a mídia silenciar sobre a questão da
terra. Com esta organização e seu caráter de luta
pela terra, o MST passou a ser alvo de notícias, cujas informações
distanciaram-se da imparcialidade. Parte-se do pressuposto que o MST é
um dos movimentos de lutas sociais mais articulado no Brasil, até
o presente momento e, que vem impulsionando marcantes alterações
no cenário político-econômico brasileiro, apesar da
arena de interesses e de relações de poder que enfrenta
na luta pelo direito à terra. Tendo em vista, essa relação
conflituosa existente entre os diversos interesses que compõem
essa realidade e, considerando ainda o papel cada vez maior que a mídia
exerce na sociedade, bem como seu comprometimento com o poder, as matérias
publicadas em Veja sobre o MST, via de regra, estão vinculadas
aos interesses econômicos, políticos e de poder dos envolvidos
na questão da terra. Ou seja, as matérias veiculadas pela
referida revista revelam uma tendência de noticiar fatos semanticamente
negativos em relação ao MST.
Sociedade da informação e o profissional de informação
em Moçambique
Olga Eduardo Tembe (Universidade Federal de Santa Catarina)
Ranito Zambo Waete (Universidade Eduardo Mondlane/ ICS, Universidade de
Lisboa
rava0202@yahoo.com.br
O artigo aborda a trajectória da humanidade, relacionando-se ao
avanço da ciência e da tecnologia e sua influência
na sociedade contemporânea, também denominada sociedade da
informação. A sociedade de informação vem
consolidando em alguns países do 3º Mundo e está exigindo
um profissional de informação com características,
capacidades e habilidades apropriadas, no que diz respeito a sua actuação
no mercado de trabalho. As novas tecnologias de informação
e comunicação surgem no mercado como um meio de oferecer
maior rapidez e eficiência no fornecimento e tratamento da informação.
Debate-se a questão da sociedade de informação em
Moçambique, como tal pretende-se contribuir para a identificação
dos problemas ligados à sua aplicação. Analisa-se
o desafio profissional dos tradicionais profissionais de informação
- bibliotecários, arquivistas, museólogos e documentalistas
- perante o aumento vertiginoso do volume de informações
e da multiplicidade de suportes e de uso de informação que
passou a exigir um profissional de informação com maior
amplitude de conhecimento e habilidades, sendo assim, num ambiente caracterizado
pela evolução da ciência e das tecnologias de informação
e comunicação, é imprescindível analisar os
sinais da mudança e reflectir sobre as suas implicações
em Moçambique.
Palavras-Chave: Sociedade de Informação, Sociedade de Conhecimento,
Sociedade de Aprendizagem, Profissional de Informação, Moderno
Profissional de Informação, Especialista de Informação,
Administrador de Informação, Trabalhadores de Informação,
Mercados de Informação.
O projecto Luzes de Galiza: avaliação de estratégias
e o papel do mundo lusófono
Maria Jesus Rodríguez Fernández (Grupo GALABRA
- Universidade Santiago de Compostela)
Em 1985 surge no panorama cultural galego a revista Luzes de Galiza,
em volta da qual se reunem alguns dos mais importantes produtores culturais
da nova geração na altura, que se dará em chamar
"Geração de 80", alguns dos quais ocupando hoje
posições centrais no sistema cultural galego. A revista
(que acabará em 1996) apresentou-se como um projecto globalizador
e inovador da expressão cultural galeguista nos seus diferentes
ramos, o que explica a carência doutros espaços, institucionais
ou não, para o desenvolvimento desta classe de expressões,
e constituiu-se em referência para o conjunto desse sistema. Ao
mesmo tempo, visou construir redes de acção e fabricar ideias
(entre as quais, na sua própria lógica, a respeito do restante
mundo lusófono) sobre o que devia ser a 'cultura galega' e os seus
modos de intervenção na sociedade, dando lugar mesmo a um
Foro ainda hoje actuante. Quase dez anos mais tarde, avançamos
aqui alguns elementos de avaliação das ideias elaboradas,
das estratégias desenvolvidas e do sucesso das mesmas.
O movimento do software livre: redes, projectos e identidades
Inês Pereira (CIES/ISCTE, Lisboa)
Algo de novo está a surgir nos movimentos sociais. Nos anos 60,
autores como Alain Touraine reflectiram sobre o aparecimento dos novos
movimentos sociais, associados a novas arenas do conflito social, como
a universidade, os direitos civis de grupos minoritários e a defesa
dos direitos culturais. Outras e novas áreas de combate desenham-se
na contemporaniedade, abrangendo por exemplo, o combate à info-exclusão,
a promoção da cultura cietifica e os direitos associados
à liberdade e privacidade na utilização das novas
tecnologias da informação.
Na presente comunicação pretende-se apresentar um caso emblemático
de movimento social directamente relacionado com a questão da informática:
o movimento do software livre. O software livre (que tem como mais emblemático
e mediático produto o sistema operativo Linux) pode ser definido
como todo o software cujo código-fonte está disponível,
sendo portanto possível modifica-lo e distribui-lo sem necessidade
de quaisquer autorizações ou pagamentos adicionais. Para
além de constituir a base de um modelo alternativo de engenharia
em rede, com base na net, onde colaboram diversos programadores de todos
os pontos do globo, e onde o próprio utilizador/consumidor final
tem direito a intervir, se quiser e conseguir; o software livre é
um movimento, com posições políticas e filosóficas
próprias. Estas centram-se na luta contra os monopólios
empresariais, na liberdade de acesso à informação
e nomeadamente no direito à criação e desenvolvimento
tecnológico individual.
Simultaneamente, os defensores do software livre encaram este como um
meio de combate à info-exclusão, permitindo o acesso à
informática em contextos, inclusivamente nacionais, mais desfavorecidos.
A existência de associações de promoção
e defesa do software livre, a elaboração de manifestos disponíveis
para assinatura, o envolvimento de partidos políticos e outros
movimentos sociais, a criação de grupos de pressão,
no seio dos quais são formados líderes carismáticos,
e a partilha de sentimentos de pertença em torno de auto-designada
comunidade do software livre constituem outros interessantes indicadores
da premência desta discussão.
Sociologicamente falando, o software livre surge assim como um tema de
grande interesse, que ilustra uma relação estreita entre
a tecnologia e a sociedade, em que se pode ver aquela não só
como uma fonte de mudança técnica, mas também como
um ponto de questionamento político e social. Por outro lado, trata-se
de um movimento de charneira entre o movimento tecnológico, o social,
o cultural, e a própria rede de sociabilidade. Finalmente, a sua
organização funcional, que, como se verá, é
reticular, permite um importante questionamento sobre as formas de construção
tecnológica, cultural e identitária em rede.
Na presente comunicação, serão apresentados os resultados
de uma pesquisa exploratória sobre o movimento do software livre
em Portugal, elaborada no contexto de uma tese de mestrado. Serão
apresentados os seus principais protagonistas e àreas de acção,
os projectos em curso, as redes de relacionamento entre programadores
e o seu envolvimento em acções colectivas de pressão
e divulgação deste conceito, procurando-se apresentar uma
cartografia da rede nacional associada ao software livre. Será
ainda possível desenhar a história sumária do movimento
em Portugal, e as relações estabelecidas com comunidades
similares fora do país, servindo assim este caso como uma excelente
ilustração do carácter global que os novos movimentos
sociais apresentam na era contemporânea.
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