Reescrevendo a história;
a construção do sujeito histórico pela narrativa cinematográfica
Maria Aparecida Honório (Universidade Estadual de Maringá) Roberta K. Matsumoto (Universidade de Brasília) Este trabalho
se propõe analisar o 'docu-drama' "Mãos de Barro"
como um fato discursivo. Desta perspectiva, o dito e o visto são
entendidos como acontecimento histórico que atualiza a memória
social, projetando a possibilidade de resignificação e reescritura
de uma nova (ou não contada) história. O filme em análise,
concebido e dirigido por Licínio Azevedo, representa uma homenagem
à ceramista Reinata Sadimba, artista renomada, que participou da
guerra pela independência de Moçambique. Partimos da hipótese
de que o autor, ao contar essa história, mobiliza, através
da personagem-narradora, interpretada pela própria Reinata, estratégias
discursivas que contribuem para a configuração do que chamamos
enunciados coletivos (Deleuze, 1990). Pretendemos mostrar que, na confluência
de vozes que se articulam nesses enunciados, o sujeito empírico
desdobra-se em outros ficcionais, construindo, neste percurso, uma trajetória
de autoria coletiva. Desta posição autoral, a personagen,
atravessada por si própria e pela alteridade que a constitui, trama
uma nova história. Para esta análise, a categoria de memória
discursiva, entendida como campo de possibilidades enunciativas, e de
condições de produção do discurso, condições
estas sociais e históricas (Pêcheux, 1999) serão nosso
ponto de ancoragem teórico. Nosso pressuposto é o de que
a compreensão dos mecanismos discursivos que operam na construção
de imagens e de vozes coletivas podem contribuir para compreensão
das condições reais de existência dos sujeitos históricos:
daqueles que participaram de uma história que não foi contada,
mas que, pelo discurso fílmico, pôde ser construída.
Com esta reflexão sobre a constituição do sujeito
histórico esperamos ainda contribuir com as questões relativas
à oralidade, estendendo este conceito para além do domínio
da empiria, ao considerar a heterogeneidade como princípio constitutivo
do sujeito e de seu discurso, e, portanto, concebê-los na relação
com o outro. O outro é a historicidade do dizer e é também,
no discurso fílmico em particular, uma outra historicidade: a da
imagem. Na compreensão da materialidade das imagens, intentamos,
também, ao analisar "Mãos de barro", refletir
sobre o 'docu-drama' -- categoria fílmica elaborada no âmbito
das realizações audiovisuais moçambicanas que, pela
constituição de uma mise en scène bastante peculiar,
procura dar conta do dialogismo exposto por Bahktin -- e sobre a idéia
de que o documentário estaria condenado não somente ao presente,
mas ao que é visível no presente, cabendo à ficção
a função de tratar a enorme parte de invisível, de
hipotético, de antecipação e de passado. Com estas
análises, entrelaçadas pelo discurso oral e imagético,
acreditamos poder colaborar para o enriquecimento dos estudos metodológicos
em Antropologia Visual e em Análise do Discurso. O Espaço do discurso histórico contrahegemônico
na educação escolar Nas últimas décadas a produção historiográfica
e o ensino de história, no Brasil, apresentaram especial renovação
por conta do desenvolvimento daquilo que Le Goff e Nora denominaram "novos
problemas, novas abordagens, novos objetos". A produção
historiográfica no circuito acadêmico/universitário
beneficiou-se da expansão dos cursos de pós graduação
e do intercâmbio com centros universitários internacionais.
Já a história escolar recebe o influxo daquela renovação
embora com uma certa defasagem. Mesmo assim novos materiais escolares,
particularmente livros didáticos, e novas metodologias de ensino
e conteúdos escolares são responsáveis por mudanças
significativas. Estas mudanças, eventualmente mais de forma, não
rompem está claro com os limites da educação escolar
que tem na transmissão de determinados conhecimentos e valores
a sua marca maior.
Memória, identidade nacional e celebração
pública - As Comemorações Públicas, As Grandes
Exposições e o Processo de (re)construção
da Nação. Desde 1974, com o seu regresso a casa e à Europa, depois do fim dum projecto nacional expansionista de cinco séculos, Portugal tem atravessado importantes mudanças estruturais que têm transformado a velha sociedade tradicional e fechada numa sociedade pós-colonial moderna e mais aberta. Este paper explora o modo como a ideia de nação tem sido, em Portugal, (re)construída em períodos particulares de celebração da sua história e através da consequente mobilização de séries de imagens, histórias e símbolos. Seguindo uma abordagem etnicista-simbólica (Fenton, 2003; Hutchinson, 1994; Jenkins, 1995; May, 2001; Parekh, 1995; Smith, 1991), argumenta-se que as nações, apesar de poderem desenvolver novas tendências, medos e mitos, abandonar velhos, mudar o seu equilíbrio interno, são formas de organização colectiva baseadas nalgum tipo de continuidade histórica e numa experiência histórica comum. Daqui que organizar eventos públicos de celebração da história nacional tenha sido parte fundamental das agendas políticas das últimas duas décadas do século XX . Dois grande processos de comemoração pública são analisados. Comparando essas duas ocasiões, é possível verificar como o Estado português usou tais recursos em dois contextos diferentes. É também possível identificar as mudanças e as permanências nos modos de conceber a identidade nacional e como, apesar das diferenças de contextos, alguns dos temas e dos símbolos mobilizados são muito semelhantes. A primeira destas ocasiões é a celebração do duplo centenário e da organização da Exposição do Mundo Português de 1940, que materializou a imagem do Portugal rural, cristão, espiritual, multicontinetal e multirracial que Salazar e o regime do Estado Novo promoveram. A outra ocasião é a celebração do quinto centenário dos descobrimentos portugueses e a organização da Expo'98, que, apesar de celebrar a mesma história nacional, foi organizada em circunstâncias e por razões bastante diferentes - celebrar o novo Portugal, moderno, capitalista, aberto e europeu.
As teias da história: importância e contributo dos
inventários de materiais para o conhecimento e a (re)construção
da história de Moçambique Tendo em conta a importância de que se reveste hoje, para os países
de língua oficial portuguesa, a divulgação dos espólios
ali recolhidos durante o período colonial e a disponibilização
dos mesmos para os diversos trabalhos e acções que visem
o conhecimento e recuperação do seu património histórico-cultural,
é nossa intenção dar a conhecer uma das colecções
existentes em Portugal, recolhida em Moçambique na primeira metade
do século passado. Pensamento político de Eduardo Chivambo Mondlane. Um contributo
para a reescrita da História do Mundo Português Vamos demonstrar neste capítulo que a ideia generalizada de que Eduardo Chivambo Mondlane morreu sem ter definido, claramente o seu alinhamento político no que toca ao rumo que o país devia seguir num cenário provável de independência e, sobretudo, a opinião em voga de que não era clara a filosofia política que animava a sua acção política e alentava a sua esperança em relação ao futuro, é falsa. Vamos provar ainda que essa visão de um Mondlane claudicante, embora muita das vezes seja difundida aparentemente de boa fé, no sentido de ressaltar as suas capacidades de compromisso num tempo bastante agitado pela guerra fria, como parece sugerir uma passagem do seu livro, Lutar por Moçambique: "Uma vez que a finalidade da guerra é construir um Moçambique novo, e não apenas destruir o regime colonial, todos temos que ter ideias acerca do modo de organizar a futura nação; mas isso ainda está muito longe para podermos discuti-lo formalmente nesta fase. A nossa política quanto às questões imediatas pode apenas dar alguns tópicos para o futuro. A estrutura da FRELIMO pode também ser olhada como precursora dum corpo político nacional. Faz parte da essência desta estrutura, porém, que as ideias venham do povo; que os membros dos Comités Executivo e Central sejam livremente eleitos e possam portanto mudar. O eleitorado vai crescendo à medida que novas áreas vão sendo libertadas e que novos chefes vão surgindo a todos os níveis. Daqui por dez anos todo o executivo pode ter mudado. Assim, ao discutir o futuro, posso apenas invocar as minhas próprias convicções; não posso predizer o que será decidido por um Comité Central que ainda não existe" |
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