|
Visões do território
português: a emergência da sociedade dualista em rede
Renato Miguel do Carmo (ICS - Universidade de Lisboa)
renatela@clix.pt
Esta comunicação contempla dois objectivos principais.
Na primeira parte traçaremos as mudanças fundamentais ocorridas
entre Portugal tradicional e o país moderno, tendo em conta a contribuição
de dois autores de referência: Orlando Ribeiro e A. Sedas Nunes.
Na segunda, apresentaremos uma proposta de interpretação
sobre o modo como se constitui a sociedade contemporânea, tendo
por base a visão desenvolvida por João Ferrão.
Orlando Ribeiro é o autor responsável pela caracterização
do país tradicional (rural), composto por uma oposição
central entre o Norte camponês, de cariz minifundiário, e
o Sul latifundista. A natureza dos dois sistemas manteve-se relativamente
estável até ao desenvolvimento da industrialização
e da mecanização agrícola que se intensificaram a
partir dos anos 50.
Na década de 60 Sedas Nunes apresenta um nova visão sobre
a sociedade portuguesa composta por uma oposição estrutural
entre litoral e interior. A faixa litoral moderniza-se e industrializa-se,
em detrimento das zonas do interior que se mantêm relativamente
incólumes à modernidade, sofrendo uma perda substancial
de população que emigra ou desloca-se para as Áreas
Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Os processos de urbanização
tendem a penetrar nas zonas rurais contíguas às áreas
urbanas do litoral, nas quais se assiste a complexas de formas de recomposição
social.
A partir da década de 80 o sistema urbano do país altera-se,
como bem definiu João Ferrão . O processo de modernização
descentraliza-se de modo a gerarem-se focos de urbanização
no interior, nomeadamente, nas cidades mais importantes. A composição
territorial tende a apresentar uma configuração em arquipélago.
Em nosso entender, o tipo de sociedade emergente mantém ainda uma
estrutura dualista, apesar de tendencialmente se organizar em rede (segundo
a perspectiva de Manuel Castells ).
Portugal está assim a transformar-se numa sociedade dualista em
rede em que o desenvolvimento económico assenta cada vez menos
na indústria e cada vez mais no sector terciário, nas acessibilidades
e nas redes de informação. As zonas que não têm
acesso facilitado a estas redes sofrem um processo acentuado de exclusão.
Aumenta a intensidade da circulação de pessoas (e também
de bens e de serviços) entre as zonas mais dinâmicas do país.
A pressão da globalização leva a que as estas áreas
assumam um maior protagonismo no espaço dos fluxos.
Os nós da rede estruturam-se em torno de três níveis
distintos: as Áreas Metropolitanas, cada vez mais centrais no espaço
dos fluxos; as zonas de urbanização/industialização
difusa, localizadas no litoral, que desenvolvem intensas relações
de conectividade inter-regional e internacional; e, por fim, as cidades
médias (externas aos espaços metropolitanos), que tendem
a autonomizar-se em relação às áreas rurais
contíguas. Fora destes nós os espaços rurais caminham
progressivamente para a marginalização, determinada por
factores relacionados com o despovoamento, o envelhecimento populacional
e o desmantelamento funcional.
Costa Oeste do Paraná e a Hidreletrica binacional de Iatipu:
um estudo sobre a dinâmica da gestão ambiental nos municípios
lindeiros
Marli Renate von Borstel Roesler (Universdiade Estadual do Oeste do Paraná)
As verdadeiras necessidades básicas e atividades de vida das comunidades
humanas devem ser cumpridas de acordo com a capacidade de suporte dos
ecossistemas locais e globais. (Recomendações para a Cúpula
da Terra II, Nova York, junho de 1996. O texto aborda elementos discorridos
na tese de doutorado da docente-pesquisadora, graduada e pós-graduada
em Serviço Social, que procura participar dos debates contemporâneos
sobre os processos de Gestão Ambiental, tendo em vista princípios
e desafios integradores das políticas ambientais voltados a promoção
do desenvolvimento econômico, social, cultural e tecnológico
dos assentamentos humanos na Região Oeste do Paraná e dos
compromissos pedagógicos assumidos na Universidade Estadual do
Oeste do Paraná - UNIOESTE, Curso de Serviço Social. Torna-se
necessário, também, ressaltar a importância do tema
na agenda política internacional, nacional, regional e local com
vistas a se repensar coletivamente as relações homem-natureza,
ou seja, as formas de viver no planeta Terra e os valores reconhecidos
entre os atores sociais para a construção de uma sociedade
no século XXI , que seja mais justa , sustentável e pacífica.
Este estudo tem, assim, uma abordagem teórica interdisciplinar,
particularmente, na área formativa do Serviço Social, pois
visa à inserção da produção dos conhecimentos
científicos já existentes e necessários na formulação
de políticas públicas integradas: social, econômica,
tecnológica, ambiental e cultural, com a perspectiva de consolidar
um saber ambiental que leve em conta desafios da gestão dos recursos
naturais e as condições desejáveis de qualidade de
vida do homem, particularmente, na região oeste paranaense, também
área limítrofe da Bacia Hidrográfica do Paraná
III, e com ações priorizadas pela Itaipu Binacional na área
de gestão ambiental nos últimos planos diretores.
O "meio ambiente" e as diferentes fronteiras do "local"
Juliana Loureiro (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
juliana@ecologybrasil.com.br
Na comunicação discutiremos a respeito das estratégias
de conquista e afirmação de poderes acionadas por um conjunto
significativo e diversificado de atores sociais quando o "meio ambiente"
é o referencial de disputa. Como universo de observação
temos um processo político deflagrado no momento que empresas do
setor de petróleo iniciam suas atividades de exploração
e inserção em uma região do litoral brasileiro percebida
como "ambientalmente preservada".
Nesse caso, o meio ambiente pode ser considerado um recurso a ser aproveitado
ou preservado, um lugar de exploração ou de pureza, ou até
mesmo uma série de outras noções que referenciam
os indivíduos e os grupos sociais. Contudo, o foco de nossa análise
não é propriamente desvendar as diferentes noções
de meio ambiente, mas compreender como essas são acionadas para
legitimar a participação de diversos atores sociais nas
negociações de seus interesses e valores. O que pretendemos
demonstrar é que, além do "meio ambiente" ser
uma espécie de referencial pelo qual se operam distinções
e alianças entre os atores sociais, as decisões que a ele
se referem incitam disputas políticas em um nível de atuação
considerado local e legitimações de pertenças referidas
também a esse espaço.
Diante disso, nosso propósito é identificar quais são
as diferentes fronteiras desse local e que atores investem em evidenciar
uma ou outra fronteira física e simbólica. Discutiremos
as implicações em jogo nas distintas formas de valorações
de qual seria a fronteira do local e quem melhor representa a denominada
comunidade local. As concepções sobre "região",
"meio ambiente", "local" e "comunidade"
enunciadas pelos atores presentes no processo político observado
serão evidenciadas e correlacionadas com o objetivo de explicar
as formas de produção de legitimidades, de alianças
e oposições.
Veremos que o ato de declarar vínculos com certa fronteira espacial
é uma estratégia utilizada para ser considerado como sendo
parte desse "local". O ser do "local" é, para
os atores que participam do processo político em que se tem um
espaço como alvo de disputa - como o "pedaço do mar"
onde se pretende implantar produção de petróleo ou
gás -, um critério de legitimação da sua atuação.
Por sua vez, tal como a "região" pode ser um "local"
e/ou agrupar vários "locais", esse "pedaço
de mar" pode ser um "local" e/ou pertencer a vários
"locais". Pode estar dentro de um "pesqueiro" (assim
são chamadas as áreas dominadas para pesca), como pode fazer
limites com um ou mais municípios, ser pertencente a uma "região",
ou a outras tantas formas de reconhecer e estabelecer fronteiras territoriais.
A categoria "local" também é, por diversas vezes,
referida e associada à de "comunidade", para expressar
que pessoas vinculadas a certas fronteiras territoriais possuem direitos.
Mas quem é considerado como pertencendo à "comunidade
local"? Por quem? Que direitos são esses? Quem busca consegui-los?
Como estabelecem esses vínculos territoriais? Até que fronteira
territorial, em que escala a atuação é considerada
como sendo local no processo político que tomamos em nossa análise?
Quem são os atores que participam desse processo legitimando sua
atuação por uma idéia de pertença local e,
portanto, de direito sobre certos espaços territoriais?
Reciclando indivíduos e construindo cidadãos: a
manutenção do discurso hegienezador nas políticas
públicas da Curitiba do séc, XXI
Cristiane Caiado - Faculdades Integradas Curitiba
ccaiado@terra.com.br
O presente trabalho de pesquisa apresenta a abordagem das origens históricas
das políticas públicas de inserção profissional
com base na coleta de lixo e separação de materiais recicláveis
e sua funcionalidade para a revitalização da imagem de Curitiba,
capital do Estado do Paraná, como cidade-modelo na entrada do século
XXI. Pretende-se avaliar como o discurso utilizado pela gestão
municipal apresenta traços remanescentes da construção
ideológica da noção de trabalho desenvolvidas nos
séculos XVIII a XX, com ênfase no processo de proletarização
como instrumento mantenedor da hegemonia das elites políticas e
da burguesia local e de que forma a representação social
de Curitiba como modelo de urbanização promove a invisibilização
das condições de vida precárias da população
carente local, que tem na coleta de lixo sua principal fonte de renda.
Na perspectiva das estruturas geopolíticas desenvolvidas nos centros
urbanos, privilegia-se o enfoque de Lewis MUMFORD (1998, p. 454) quanto
às origens e transformações históricas das
cidades, caracterizadas pela influência conjunta da especulação
comercial, da desintegração social e da desorganização
física inerentes ao desenvolvimento dos grandes centros urbanos
ocidentais. Um cenário que desperta a preocupação
dos profissionais em urbanismo no sentido de desenvolver propostas que
projetem a cidade tal como um corpo circulante, que propicia aos seus
membros e órgão mais vida, transmitindo à mínima
parcela de cada tecido uma força vital, mormente ao coração
e ao cérebro (SENETT, 2001, p. 214), utilizando-se de uma metáfora
fisiológica característica do final do século XVIII.
As cidades, em sua efervescência cultural, servirão como
berço aos anseios de quem nelas encontra a busca de um futuro sonhado
como carência a satisfazer ? carência de todos os tipos de
consumo, consumo material e imaterial, também carência do
consumo político, carência de participação
e de cidadania (SANTOS, 2002, p. 326). É dessa lacuna que se apropria
o discurso político, que, no exemplo curitibano, utiliza-se da
publicidade para alardear casos "bem-sucedidos" de catadores
de lixo de bairros periféricos da grande Curitiba que se organizam
em cooperativas de classe e por vezes recebem equipamentos de coleta da
própria prefeitura municipal.Uma situação que favorece
a emergência de um racismo de Estado que, seguindo aos modelos de
eugenia social, é um racismo que uma sociedade vai exercer sobre
seus próprios elementos, sobre os seus próprios produtos:um
racismo interno, o da purificação permanente, que será
uma das dimensões fundamentais da normalização social
(FOUCAULT, 1999, p. 73).
Será utilizado o método qualitativo, na medida em que possibilita
um conhecimento subjetivo, descritivo e compreensivo (SOUZA SANTOS, 2001,
p. 22) das relações sociais, procurando-se não somente
descrever um processo histórico, mas, sim, interpretá-lo
à luz da natureza das relações inerentes a uma "sociedade
do trabalho", onde burguesia e Estado atuam de forma conjunta no
sentido de promover a construção de um imaginário
social que reforça o processo de escamoteamento contínuo
da fragmentação e precarização da força
de trabalho (MÉSZÁROS, 2002, p. 342). Uma situação
que se estende aos habitantes das grandes cidades, restando a alguns a
submissão às atividades de natureza degradante ou insalubre
como condição preferível à marginalidade decorrente
da incapacidade em prover sua reprodução social.
|
|