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Requerentes de asilo e refugiados
em Portugal (1974 - 2003): números e políticas. de um fenómeno
encoberto]
Lúcio Sousa (CEMRI Universidade Aberta)
O objectivo desta comunicação é analisar os fluxos
de requerentes de asilo e refugiados para Portugal, bem como as políticas
de admissão e de integração desenvolvidas pelo Estado
português no período entre 1974 e 2003.
A questão dos requerentes de asilo e refugiados não tem
sido objecto privilegiado de estudo pelas ciências sociais em Portugal.
Pode dizer-se que este fenómeno tem estado encoberto pelas pesquisas,
mais divulgadas, sobre o fenómeno migratório. As poucas
alusões aos refugiados decorrem muitas vezes de artigos generalistas,
discorrendo sobretudo acerca de aspectos jurídicos e legais.
~Sem dúvida que, quando comparado com outros países europeus,
o fluxo de refugiados para Portugal é diminuto. No entanto, em
determinados momentos do período em estudo a sua relevância
foi exacerbada de forma inusitada por governos, tantos de esquerda como
de direita, dando-lhe uma visibilidade mediática excepcional. Nestas
alturas, é como se se registasse um fenómeno de diplopia
"social", passando números relativamente escassos a largos
milhares, autêntica invasão do território português.
Será pela novidade do tema? Será que esse facto se deve
às características dos refugiados em causa? Ou será
que se deve à inexistência de estruturas dé recepção
e integração acompanhada de oportunismo político?
Tal como na questão da diplopia, o problema não está
no objecto observado mas nos olhos do observador.
Assim, num primeiro momento procurar-se-á observar os fluxos de
requerentes de asilo e refugiados para Portugal, enquadrando-se estes
números no contexto migratório do período em causa
à escala nacional e europeia. Há uma dupla hipótese
que se pretende avançar; a primeira é que se o número
de refugiados é diminuto a realidade migratória portuguesa
poderá ocultar um número muito maior de refugiados do que
aqueles que é reconhecido pelas autoridades. Em segundo lugar,
entre o próprio número de refugiados reconhecidos poder-se-á
contar muitos cuja inserção neste processo, ainda que legitima,
se funda mais na incapacidade do Estado português em resolver os
problemas remanescentes do seu processo de descolonização.
Se este aspecto se relaciona com os requerentes de asilo e refugiados
proveniente dos PALOP a problemática da inserção
dos refugiados em Portugal é muito mais complexa dada a diversidade
dos países de origem.
Estes factos poderão estar na base da evolução das
políticas de recepção e integração
de refugiados em Portugal que se pretende analisar de seguida, observando-se
a disparidade entre a criação legislativa e a insuficiência
prática dessas medidas, reactivas na sua maioria e, cada vez mais
restritivas. De um período pós 25 de Abril aberto e solidário
para com os refugiados "políticos" (muitos deles ex-portugueses)
passou-se, com o tempo, a uma visão mais limitada e redutora da
noção de refugiado (num claro "seguidismo" europeu),
olhando com suspeita o refugiado dos anos noventa, a vítima das
guerras intestinas, africanas e europeias. Paralelamente analisa-se a
forma com a sociedade civil. sobretudo as associações, lidam
com a questão e assumem cada vez mais um papel interveniente.
Tendo por sujeito operatório de estudo os requerentes de asilo
e refugiados reconhecidos em Portugal, este trabalho não analisa
outros casos, como o dos timorenses "refugiados" uma vez que
os mesmos são considerados pelo Estado Português como cidadãos
portugueses.
A Incorporação laboral de profissionais qualificados:
uma questão de nacionalidade?
Joana Sousa Ribeiro (FEUC)
A comunicação procura analisar o processo da mobilidade
ocupacional de médicos e enfermeiros, provenientes da União
Europeia e de países "terceiros" (PALOP, Brasil e da
Europa de Leste).
Ao centrar-mos a abordagem em profissionais comunitários e extra-comunitários
procurar-se-á identificar os principais obstáculos, formais
ou informais, à mobilidade. Assim, por um lado, observa-se os processos
de reconhecimento de diplomas, de certificação da idoneidade
profissional e de integração no local de trabalho, de acordo
com as nacionalidades. Por outro lado, pretende-se problematizar o impacto
de determinadas iniciativas emanadas da sociedade civil no processo de
incorporação laboral desses imigrantes.
Esta orientação permitir-nos-á não só
reconfigurar o conceito de migrante qualificado à luz das trajectórias
individuais e do reconhecimento social, como também determinar
a influência do quadro regulatório e dos suportes emancipatórios
na integração ocupacional.
Refira-se que várias questões nortearam a nossa abordagem,
das quais se destacam:
- O que pode fazer a diferença na incorporação laboral?
A escassez de recursos humanos no Sistema Nacional de Saúde? A
nacionalidade dos profissionais? A existência de acordos bilaterais?
- Quais as condições para que uma mobilidade profissional
descendente se reconverta, estrategicamente, numa mobilidade profissional
ascendente?
- Qual o perfil sócio-demográfico que caracteriza os médicos
e enfermeiros estrangeiros?
Políticas populacionais, migrações e desenvolvimento
Marli Renate von Borstel Roesler
Eugênia Aparecida Cesconeto
A Conferência do Cairo realizada em 1994, propiciou avanços
nas discussões no que diz respeito às dimensões das
esferas individual, familiar e social do processo reprodutivo, enfatizando
o entendimento de políticas populacionais em relação
aos deslocamentos (migrações), nacionais e internacionais,
de indivíduos, famílias ou grupos sociais. O aumento da
migração esta relacionada às dimensões demográficas,
e encontra-se estreitamente ligada às estratégias de desenvolvimento,
e também a expectativa de maiores oportunidades de emprego e de
condições do ambiente natural.
Assim, o presente artigo integra as atividades desenvolvidas na disciplina:
Núcleo Temático: Políticas de População,
Meio Ambiente e Desenvolvimento, do Curso de Serviço Social da
UNIOESTE/Toledo. Objetiva discutir às relações sócio-produtivas
e organizacionais das populações e em suas constantes buscas
de melhores condições de vida. Tais discussões partem
do entendimento dado aos fluxos migratórios (deslocamentos) na
contemporaneidade, e em sua trajetória histórica em especial
na região sul do Brasil. Deslocamentos esses que por sua vez envolvem
as condições do habitat e de crescimento econômico,
definindo a territorialidade, as identidades culturais diferenciadas,
as determinações físicas e ecológicas sustentáveis
aos processos de desenvolvimento.
Destaca-se aqui, que os imigrantes entraram no Brasil primeiro como colonos
estrangeiros, isto é, como indivíduos subordinados as autoridades
governamentais, os imigrantes eram sinônimo de trabalhador; também
tem por outro lado ideologias de superioridade étnica que visualizam
o brasileiro de forma estereotipada (caboclo, indolente, preguiçoso),
a definição dos estereótipos é de parte a
parte. O europeu no Brasil (principalmente na região sul) tornou-se
um eterno migrante e foi responsável pela constituição
de um espaço característico.
Os fluxos migratórios têm constituído um potente e
privilegiado elo de ligação entre diferentes espaços,
contudo, permanecem em níveis de discussões insipientes
na área formativa do Serviço Social.
E que nos leva a perguntar: Porque migram as pessoas? Que condições
de vida buscam? Que respostas são encontradas ? O artigo busca
assim ensaiar algumas respostas à questão e que dizem respeito
à região sul do país.
- Primeiro: quanto aos deslocamentos internos - especialmente na região
sul, os mesmos acontecem devido à ocupação econômica
da região. A estruturação do sistema urbano configurou-se
em uma rede de centros bem distribuídos no território, porém
com nítidas áreas de concentração. Nos anos
70, devido a mudanças no setor agropecuário, gerou o esvaziamento
de extensas áreas rurais, direcionando os fluxos migratórios
para diversos centros urbanos.
- Segundo: existe uma diversificação da base produtiva da
região sul. No Paraná as atividades do setor primário
em1970 correspondiam por volta de 40% da renda, e passam a ser superadas
pelo setor secundário que em 1996 está com 50%. Mesmo assim
a agricultura tem um papel importante.
- Terceira: a indústria metal mecânica tem importância
principalmente nos anos 90, centrada na região metropolitana de
Curitiba. Em Santa Catarina a década de 70 estruturou sua conformação
atual. Nos anos 80, o setor industrial é diversificado e a mesorregião
norte catarinense é o principal pólo industrial do Estado.
A mesorregião do Vale do Itajaí, vem em seguida, pois reúne
os maiores centros produtores do complexo têxtil e de confecção.
Em terceiro lugar vem a mesorregião do oeste catarinense onde atuam
os grupos da agroindústria.
- Quarto: no Paraná, de modo mais específico, existem áreas
de aglomeração, pela concentração de investimentos
econômicos.
Aponta-se assim, que o crescimento diferenciado regionalmente, desequilibrado
e injusto socialmente, é influenciado em grande parte pela localização
de oportunidades econômicas, o que leva as aglomerações
nos centros urbanos sem que sejam asseguradas as condições
necessárias de qualidade de vida das populações assentadas
ou não.
O tráfico de migrantes em Portugal
Catarina Sabino, Susana Murteira, Sónia Pereira e João Peixoto
(SOCIUS - ISEG, Universidade Técnica de Lisboa)
jpeixoto@iseg.utl.pt
O tráfico de pessoas, tanto o relativo ao movimento de trabalhadores,
como o conducente à exploração sexual de mulheres
e de crianças, não é um fenómeno recente nem
se circunscreve a uma área geográfica específica.
O fim da guerra fria e a queda do Muro de Berlim, no final da década
de 80, marcaram uma viragem na incidência deste problema na Europa.
Desde então o tráfico de pessoas para a Europa Ocidental
tem aumentado drasticamente, fruto da supressão das fronteiras
internas entre os países da União Europeia, da maior organização
de redes transnacionais e da maior restrição nas políticas
de imigração. No caso português, o fenómeno
tornou-se sobretudo visível a partir de finais dos anos 90, aparecendo
muito associado às redes organizadas do Leste Europeu. No entanto,
têm sido também identificadas algumas redes e rotas de mulheres
brasileiras que são trazidas para Portugal para o exercício
de prostituição. Portugal funcionou também como país
de trânsito para crianças africanas, especialmente de Angola,
com destino a outros países europeus.
A teorização e conceptualização do tráfico
enquanto fenómeno social tem sido alvo de vários debates.
Reconhece-se por exemplo a dificuldade em encontrar uma definição
abrangente deste fenómeno e um único caso tipo. Na realidade,
parece existir um continuum de situações que oscilam entre
o simples auxílio à imigração ilegal e os
casos extremos de tráfico, envolvendo exploração,
engano e a procura sistemática do lucro. Propomos assim a identificação
de uma tipologia de casos de tráfico no contexto da realidade portuguesa.
Neste sentido, serão abordadas várias questões relativas
ao tráfico de trabalhadores, mulheres e crianças em Portugal
enquanto país de destino, incluindo: uma reflexão sobre
os contextos políticos, socio-económicos e jurídicos
que contribuíram para o surgimento do tráfico enquanto mecanismo
facilitador das migrações; a identificação
dos principais países de origem e rotas utilizadas no tráfico;
a caracterização do perfil das pessoas vítimas de
tráfico; os mecanismos de funcionamento do tráfico; e as
formas de integração das pessoas traficadas, com especial
atenção à sua inserção no mercado de
trabalho.
Nesta comunicação apresentar-se-ão os primeiros
resultados de um projecto de investigação em curso no SOCIUS,
intitulado "O tráfico de migrantes em Portugal: perspectivas
sociológicas, jurídicas e políticas". Este projecto
tem por objecto o estudo do fenómeno do tráfico de pessoas
em Portugal, tendo em vista a compreensão da dimensão e
complexidade desta temática, bem como a proposta de soluções
políticas e sociais, nomeadamente no sentido de sugerir procedimentos
que previnam a entrada dos migrantes nestes circuitos e reforcem a protecção
que é oferecida às vítimas.
Magermanes. Os Trabalhadores moçambicanos na antiga República
Democrática Alemã.
Jochen Oppenheimer - ISEG
Durante mais de dez anos, de 1979 até ao fim da República
Democrática Alemã, em 1990, o Governo de Moçambique
manteve uma migração de milhares de trabalhadores para a
Alemanha de Leste. O principal propósito, embora implícito,
desta migração foi o serviço da dívida insustentável
contraída com a RDA. Em muitos aspectos esta migração
tinha semelhanças com a dos mineiros moçambicanos para a
África do Sul durante o período colonial: enquadramento
legal e institucional paternalistas, contratação rotativa
de jovens solteiros, pagamento diferido de partes dos salários,
segregação social e habitacional no país de acolhimento.
A implosão da RDA levou a um repatriamento precipitado dos trabalhadores,
seguido por um processo de reintegração traumático
e por um longo conflito entre os regressados e o Governo moçambicano
em torno das transferências dos salários e dos descontos
para a segurança social em relação aos quais os regressados
se sentem lesados. Para fazerem valer as suas reivindicações,
tiram partido das liberdades civis e instituições democráticas
recentemente estabelecidas em Moçambique. Este artigo pretende
analisar este fenómeno contemporâneo de migração,
pouco conhecido, com base em fontes primárias ainda inexploradas,
material secundário menos acessível e entrevistas levadas
a cabo tanto na Alemanha como em Moçambique. Poderá igualmente
contribuir para clarificar alguns dos aspectos mais controversos no conflito
em curso
O combate ai tráfico de pessoas: novos desafios colocados
ao sistema jurídico dos Estados
António Goucha Soares e Paulo Manuel Costa
(SOCIUS - ISEG, Universidade Técnica de Lisboa)
I- O processo de globalização económica que atravessa
as sociedades ocidentais contemporâneas tem sido acompanhado pelo
aumento da criminalidade organizada transnacional, a qual explora não
apenas as novas oportunidades económicas criadas, como também
aproveita fragilidades e limites dos regimes jurídicos e dos sistemas
jurisdicionais nacionais.
Uma área explorada pelo crime organizado é o tráfico
de pessoas, cuja dimensão aumentou em virtude da adopção
de políticas de imigração restritivas pelos países
desenvolvidos. Apesar de economicamente continuar a ser necessário
um elevado volume de mão-de-obra, os Estados têm progressivamente
fechado as fronteiras à imigração legal, com base
em considerações relativas à segurança interna
e ao elevado número de estrangeiros residentes, os quais, supostamente,
constituiriam uma ameaça à ordem interna e à identidade
nacional.
Deste modo, e considerando a existência de procura de mão
de obra, estão criadas as condições para o florescimento
de actividades ligadas à introdução clandestina de
imigrantes, não apenas pela grande criminalizada organizada (que
se ocupa do tráfico de droga e do contrabando de tabaco e bebidas
alcoólicas), mas também por pequenas redes especializadas.
Assim, importa separar o auxílio à imigração
ilegal do fenómeno do tráfico de pessoas, bem como delimitar
o âmbito de aplicação deste último. De notar
que os diversos diplomas internacionais relativos à protecção
de direitos humanos apresentam distintas noções do tráfico
de pessoas. Se o auxílio à imigração ilegal
se caracteriza pelo transporte ilegal de pessoas para outro país,
no caso do tráfico de pessoas a situação de exploração
começa, com efeito, no momento em que a pessoa é colocada
noutro território estadual.
Neste particular, a legislação penal portuguesa pune apenas
como tráfico de pessoas a sua utilização para a prática
de prostituição ou de actos sexuais de relevo, não
merecendo tal qualificação o encaminhamento de pessoas para
actividades ilícitas como o trabalho forçado, servidão,
escravatura, tráfico de órgãos ou mendicidade. Impõe-se,
por isso, proceder à revisão dos actos tipificados como
tráfico de pessoas na legislação nacional.
II- Por outro lado, e uma vez que o combate eficaz ao tráfico
de pessoas não poderá ser feito apenas nos países
de acolhimento, assume especial relevo a cooperação policial
e judicial transnacional. Desde logo, afigura-se necessário estabelecer
mecanismos de cooperação com as autoridades dos países
de origem das pessoas traficadas (no caso português, os países
da Europa Central e de Leste, bem como o Brasil), mas também com
os países utilizados para o trânsito das vítimas.
Se é verdade que os instrumentos jurídicos (v.g Convenção
de Palermo) e as estruturas operativas existentes (v.g. Europol) se afiguram
como sendo limitados e insuficientes, impõe-se a sua melhoria,
bem como a intensificação da cooperação bilateral
entre Estados.
III- É necessário, também, actuar contra as ligações
existentes entre crime organizado e a economia lícita, como por
exemplo, a utilização da mão-de-obra traficada ou
o fenómeno do branqueamento de capitais. A actuação
sobre as bases financeiras do crime organizado é considerada como
o melhor instrumento ao seu combate.
IV- Por fim, as pessoas traficadas deverão merecer especial protecção
por parte do sistema jurisdicional, que deverá atender, desde logo,
à sua condição de vítimas, não devendo
tal protecção ser condicionada à sua colaboração
na investigação e punição dos agentes criminais.
Esta comunicação resulta de um projecto de investigação
actualmente em curso no
SOCIUS (ISEG/UTL), intitulado "O Tráfico de Migrantes em Portugal:
Perspectivas Sociológicas, Jurídicas e Políticas",
financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
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