a mulher sentada num campo, as mãos no colo,
a imagem de si mulata no retorno do céu,
a memória que inventa de fresco,
acaba-se-lhe o afecto nos olhos, ordena o espírito,
constrói o poder em que se descobre inteira.

 

a mulher na sala trabalha o sorriso e escuta o vento da noite;
pensa calada em melhorar a vida,
rouba branco às paredes, discrimina o comum, veste-se de estigma
e aposta a honra num jogo de contas inventado em plena festa de deus.

 

a mulher é jovem e beija um romano,
espera o sol posto pra dizer-se mais além,
e ao fim da tarde, limpo o pó à burguesia,
começa a sambar e pressente
que uma metade do mundo é o lado oculto da outra.

 

a mulher é parideira,
constrói pessoas do nada,
e prometeu a si mesma que a segunda e a terceira gerações
escolheriam a quinta-feira para chefiar famílias,

 

a mulher está calada no quarto,
procura uma ideia ou a sua dimensão explícita,
apaga o cigarro e escolhe o emblema que
usará no casaco amanhã de manhã
para subir de categoria na árvore dos afectos.

 

a mulher é alegre ou puta, pensada ou exposta, subalterna ou identitária,
activa ou concentrada, dinheiro ou graça, carne ou palavra,
e a mulher dança, dança, dança,
a mulher é público da sua música
e os mundos são objectos estrangeiros
a flutuar num mar de coisas.

JORGE VAZ NANDE


Clique no botão do lado direito do seu rato para imprimir