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Relações Laborais e Sindicalismo em Mudança: Portugal, Brasil e o contexto internaciona Coimbra: Quarteto
Editora.
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Fruto, em grande medida, dos múltiplos impactos das dinâmicas do capitalismo mundial, as últimas décadas do século XX e a entrada no novo milénio foram marcadas por profundas transformação na esfera laboral e na sociedade em geral: a inovação tecnológica, a expansão da robótica e a emergência da chamada sociedade da informação – no contexto da actual onda neoliberal – deram mais visibilidade às esferas do consumo e do lazer, enquanto o trabalho parece ter perdido a sua velha centralidade, quer na determinação da acção colectiva quer na experiência subjectiva dos cidadãos; outros dispositivos culturais e dimensões identitárias situadas fora do espaço da produção ganharam maior relevância social e até política, em desfavor da velha luta de classes; o desemprego estrutural e a diversidade de formas de exclusão social cresceram em amplitude e intensidade, contribuindo aparentemente para que o trabalho perdesse o seu tradicional estatuto de principal elo de ligação entre o indivíduo e a sociedade. Aparentemente, porque as mudanças operadas no campo profissional e nas relações laborais fragilizaram a capacidade de acção e de resistência organizada nesta esfera, mas, a nosso ver, o trabalho persiste como a principal fonte de dignidade humana e, deste modo, a perda de estatuto do trabalho é corolário da perda de dignidade do trabalhador e do agravamento do risco e insegurança que lhes estão associados. A crescente segmentação dos mercados de trabalho e a deslocalização do emprego para países com mão de obra barata contribuíram para degradar as condições de trabalho no mundo inteiro, e ao mesmo tempo intensificar a precariedade de novos sectores da força de trabalho, sobretudo nos países do Sul, que se mantêm com níveis de rendimento no limiar da subsistência, senão mesmo abaixo disso. Estas tendências alteraram drasticamente o equilíbrio entre capitalismo e democracia nos países ocidentais e multiplicaram as formas de exploração, pobreza e opressão à escala global. Como resultado deste processo, não só a importância integradora do trabalho passou a ser mais abertamente questionada, como as condições de actuação do movimento sindical reflectem agora novos obstáculos e dificuldades, que põem em evidência a sua crescente fragilização. Colocadas perante tais problemas, as estruturas sindicais procuram, no entanto, resistir e adaptar-se às novas condições sem perderem a sua identidade, isto é, procurando abrir espaço e alargar a sua acção no sentido de estabelecer novas alianças e redes de solidariedade, seja através da convergência com novos programas envolvendo novos actores e movimentos sociais, seja através da sua expansão para a escala transnacional. A intensidade das transformações em curso é de tal ordem que muitos dos conceitos e modelos analíticos em que há poucas décadas se apoiaram os principais estudos sociológicos neste domínio se têm revelado desajustados para conferir visibilidade e consistência interpretativa a fenómenos como os da flexibilidade, da precariedade, da informalidade, da insegurança ou do individualismo, os quais têm de ser hoje analisados do ponto de vista da sua interconexão à escala mundial. É a esta luz que o presente livro procura traçar um olhar actualizado sobre os problemas e desafios que hoje se colocam ao mundo do trabalho e ao exercício da cidadania dos trabalhadores – dentro e fora da esfera produtiva –, um olhar que pretende sustentar-se no justo equilíbrio entre as perplexidades perante a realidade e a esperança perante os desafios futuros. Os vários artigos que compõem este livro encontram-se, pois, balizados pelo tema da mudança e pelos dilemas/problemas que ela levanta, nomeadamente: na relação entre emprego estável e ausência de emprego, na articulação de papéis entre forças sociais e políticas pela melhoria nas relações laborais, nas (in)compatibilidades entre tecnologias e desigualdades, nos limites e possibilidades dos preceitos gerais associados aos modelos produtivos, nas teses para a renovação do movimento sindical, ou nas opções de actuação sindical à escala transnacional, seja esta regional ou mesmo internacional, como forma de superar a crise de modelos nacionais. Como indica o subtítulo do presente livro, o repto para reflectir sobre as relações laborais e o sindicalismo num contexto de mudança foi lançado essencialmente a um conjunto de investigadores e sindicalistas portugueses e brasileiros. Portugal e o Brasil ocupam, por isso, um lugar de destaque nesta obra, o que resulta não só da cooperação entre o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e o Centro de Estudos dos Direitos de Cidadania da Universidade de São Paulo, ao abrigo do Programa de Cooperação Científica e Técnica Luso-Brasileiro entre o Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional (actual Gabinete de Relações Internacionais da Ciência e Ensino Superior) e a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, como também da convicção recíproca de que as mudanças que presentemente cruzam as relações laborais e o sindicalismo dos dois países não são específicas apenas de cada um deles. A partilha dos problemas e das angústias, assim como das possíveis soluções para lidar com os primeiros e com as segundas é, por isso, transnacional. Daí que, para além de Portugal e Brasil, o livro contenha artigos cujo enfoque analítico são os contextos transnacionais, sejam estes de âmbito regional ou mesmo internacional. Na sua estrutura formal, este livro encontra-se estruturado em três partes. Na primeira parte, discutem-se as relações laborais sobretudo à luz dos desafios suscitados pela construção de pactos sociais como possível estratégia de convergência, quer entre os "clássicos" actores sindicais, patronais e governamentais, quer entre estes e outras entidades da sociedade civil. No capítulo 1, Richard Hyman discute a noção de trabalho e de relações laborais e analisa ainda os contornos de um novo modelo de relações laborais europeu. O autor aponta como principal desafio para o trabalho à escala europeia a construção de um sistema transnacional das relações laborais que contribua para a consolidação de uma sociedade civil europeia emergente. A ocorrer, tal processo assumir-se-ia como alternativa à concepção elitista e burocrática e à inércia organizacional e incapacidade crítica dos sindicatos que hoje prevalecem na Europa. No capítulo 2, Roberto Véras interroga-se, na sequência da eleição de Lula da Silva como Presidente da República do Brasil, sobre as possíveis configurações que terá o "campo democrático popular" (forças sociais e políticas com origem nas lutas operárias e populares do final dos anos 70 do século XX) e sobre as possíveis opções sociais do novo governo. O projecto de construção de um pacto social, em grande medida inspirado na experiência europeia, ocupa um lugar de destaque no texto, sendo discutidos os seus possíveis impactos sobretudo para o sindicalismo brasileiro. No capítulo 3, António Casimiro Ferreira baseia-se na experiência de diálogo social no contexto europeu e no quadro da Organização Internacional do Trabalho, conferindo atenção especial ao caso português. Esta primeira parte encerra, no capítulo 4, com o contributo de Francisco de Oliveira, que nos fornece uma visão sobre o significado e sobre os paradoxos decorrentes da vitória eleitoral de Lula da Silva. Trata-se de uma análise que, um pouco na linha da contribuição de Roberto Véras, se interroga sobre os impactos políticos daí decorrentes para as forças do trabalho que a "era FHC" havia deitado por terra. Na segunda parte do livro, as mudanças do trabalho e do sindicalismo são analisadas especificamente em vários quadrantes: em Portugal, no Brasil, na UE e no MERCOSUL, e ainda em termos internacionais. No capítulo 5, Elísio Estanque questiona-se até que ponto as mudanças e clivagens operadas no mundo do trabalho estão a abrir simultaneamente espaços para a afirmação (ambiciosa) de novas tecnologias, assim como para a afirmação (perversa) de novas desigualdades. Por sua vez, Leonardo Mello e Silva, no capítulo 6, traça uma visão geral sobre as mudanças operadas na organização do trabalho em empresas brasileiras nas últimas décadas. Ao fazê-lo, discute comparativamente os preceitos gerais dos modelos produtivos e as possibilidades e limitações de sua aplicação, com ênfase na organização do trabalho no contexto brasileiro. No capítulo 7, Boaventura de Sousa Santos centra-se no movimento sindical português e nos inevitáveis desafios de mudança a que não pode furtar-se. Trata-se de uma reflexão que, apesar de formulada há quase uma década, conserva grande actualidade. Na verdade, o texto é bem revelador das contradições prevalecentes no sindicalismo português entre um discurso de abertura à mudança e práticas que persistem em contrariá-la, o que se traduz nas conhecidas dificuldades em implementar quaisquer processos de renovação. No capítulo 8, Hermes Augusto Costa concentra-se nas estratégias regionais do sindicalismo, seja na UE, seja no MERCOSUL. O autor compara alguns dos limites, desafios e etapas do sindicalismo nos dois espaços regionais. Por fim, no capítulo 9, Peter Waterman procura definir os contornos do internacionalismo sindical saído dos confrontos anti-globalização gerados em Seattle. A sua ideia é mostrar que, perante a crise mundial que atravessa a esfera do trabalho, se impõe uma nova visão do internacionalismo sindical que seja ajustada a um período de capitalismo globalizado/conectado em rede/informatizado, realçando-se, para o efeito, a importância da constante comunicação entre o sindicalismo e outras organizações sociais não sindicais. Finalmente, na terceira parte do livro é concedida uma "voz" aos dirigentes das principais centrais sindicais portuguesas e brasileiras. Pelo lado português, colhemos os depoimentos de Manuel Carvalho da Silva (CGTP) e de João Proença (UGT), ao passo que pelo lado brasileiro são disponibilizadas as visões de Geraldino dos Santos (FS) e Carlos Alberto Grana (CUT). Por se tratarem de quatro reputadas figuras do movimento sindical dos dois países e pelo facto de, nessa condição, deterem também importantes responsabilidades na revigoração do sindicalismo, quisemos saber a sua opinião sobre um conjunto de temas que suscitam desafios e respostas, muitas vezes urgentes, por parte do movimento sindical. De entre os principais tópicos de entrevista com que confrontámos os nossos interlocutores, destacamos os seguintes: possíveis articulações entre o movimento sindical e outras organizações da sociedade; desafios de actuação transnacional, num contexto de crescente globalização das economias e dos mercados; novas clivagens emergentes nas relações de trabalho, entre trabalhadores qualificados e sem qualificações, entre trabalho estável e insegurança permanente; relação partidos-sindicatos; compatibilização entre competitividade económica e direitos sociais; experiências e instâncias de promoção de diálogo social segundo diferentes níveis de intervenção. Finalmente, queremos expressar o nosso
agradecimento à Revista Crítica de Ciências Sociais,
por nos ter autorizado a publicação dos textos de Richard Hyman (2002),
Peter Waterman (2002), bem como das entrevistas a Manuel Carvalho da
Silva (2002) e aRelações Laborais e Sindicalismo em Mudança: Portugal,
Brasil e o contexto internacional João Proença (2002), assim como à
revista Vértice
e à revista Margem Esquerda
por nos terem autorizado, respectivamente, a publicação dos textos de
Boaventura de Sousa Santos (1995) e de Francisco de Oliveira (2003). |
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Relações Laborais e Sindicalismo em Mudança: Portugal, Brasil e o
contexto internacional
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