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A Universidade no Século XXI
Para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade

Boaventura de Sousa Santos


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Introdução

Há precisamente dez anos publiquei um texto sobre a universidade, as suas crises e os desafios que lhe eram feitos no final do século XX. O texto intitulava-se "Da ideia da universidade à universidade de ideias" e foi publicado no meu livro Pela Mão de Alice: o Social e o Político na Pós-modernidade (Porto, Afrontamento, 1994; São Paulo, Cortez Editora, 1995). Nesse texto identificava as três crises com que se defrontava a universidade. A crise de hegemonia resultava das contradições entre as funções tradicionais da universidade e as que ao longo do século XX lhe tinham vindo a ser atribuídas. De um lado, a produção de alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos exemplares, científicos e humanísticos, necessários à formação das elites de que a universidade se tinha vindo a ocupar desde a Idade Média europeia. Do outro, a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais, úteis na formação de mão de obra qualificada exigida pelo desenvolvimento capitalista. A incapacidade da universidade para desempenhar cabalmente funções contraditórias levara o Estado e os agentes económicas a procurar fora da universidade meios alternativos de atingir esses objectivos. Ao deixar de ser a única instituição no domínio do ensino superior e na produção de pesquisa, a universidade entrara numa crise de hegemonia. A segunda crise era a crise de legitimidade provocada pelo facto de a universidade ter deixado de ser uma instituição consensual em face da contradição entre a hierarquização dos saberes especializados através das restrições do acesso e da credenciação das competências, por um lado, e as exigências sociais e políticas da democratização da universidade e da reivindicação da igualdade de oportunidades para os filhos das classes populares, por outro. Finalmente, a crise institucional resultava da contradição entre a reivindicação da autonomia na definição dos valores e objectivos da universidade e a pressão crescente para submeter esta última a critérios de eficácia e de produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social.

Nesse trabalho analisava com algum detalhe cada uma das crises e o modo como estava a ser gerida pela universidade, sobretudo nos países centrais. A minha análise centrava-se nas universidades públicas. Mostrava que a universidade, longe de poder resolver as suas crises, tinha vindo a geri-las de molde a evitar que elas se aprofundassem descontroladamente, recorrendo para isso à sua longa memória institucional e às ambiguidades do seu perfil administrativo. Tratava-se de uma actuação ao sabor das pressões (reactiva), com incorporação acrítica de lógicas sociais e institucionais exteriores (dependente) e sem perspectivas de médio ou longo prazo (imediatista).

O que aconteceu nestes últimos dez anos? Como caracterizar a situação em que nos encontramos? Quais as respostas possíveis aos problemas que a universidade enfrenta nos nossos dias? Procurarei responder a estas três perguntas no que se segue. Na primeira parte, procederei à análise das transformações recentes no sistema de ensino superior e o impacto destas na universidade pública. Na segunda parte, identificarei e justificarei os princípios básicos de uma reforma democrática e emancipatória da universidade pública, ou seja, de uma reforma que permita à universidade pública responder criativa e eficazmente aos desafios com que se defronta no limiar do século XXI.

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