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Bibliotecas públicas,
utilizadores e comunidades Carlos Fortuna / Fernando Fontes |
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Introdução | |
O acesso rápido e fácil a uma variedade de informação sem precedentes é uma das marcas indeléveis dos tempos que vivemos. Nunca o tempo e o espaço se comprimiram tanto como neste último quartel do século, pelo que são inúmeros os desafios culturais e civilizacionais que enfrentamos. Muitos deles são desafios totalmente novos, perante os quais vacilamos dada a ausência ou a ineficácia de guiões culturais sólidos que conduzam e adequem a nossa acção. Outros são desafios já conhecidos, muitas vezes refeitos, para os quais as soluções de que dispomos se revelam precárias ou incompletas. Quando se trata de desafios culturais, a ausência ou a incompletude de soluções equivalem-se: fragilizam as nossas opções e desbaratam oportunidades. Soluções ausentes ou incompletas tornam-se, por isso, elas próprias, desafios culturais impostos à imaginação colectiva. Mas por que os desafios culturais são sempre, também, desafios duradouros, as soluções que podemos imaginar para eles terão sempre também uma maturação longa e os seus efeitos não serão nunca imediatos. Estamos, assim, condenados a mobilizar de modo permanente a nossa imaginação e a ensaiar soluções que havemos de rever de seguida. Muitas vezes, de tal modo precárias que o nosso presente, de tão comprimido, parece não ter consistência, nem passar de uma sucessão de agoras. A nossa vida, como as expressões e as políticas culturais, pouco mais é, então, do que uma série de possibilidades em aberto. Como aferir, então, a rectidão das soluções que imaginamos? Só o futuro, o futuro do longo prazo, permitirá esse juízo. Só então estaremos em condições de dar sentido às soluções do presente. Imaginemos as nossas bibliotecas públicas. Hoje podemos avaliar o papel que desempenharam quando eram lugares fechados, reservados para alguns apenas. Quando impunham regras de comportamento que hoje julgamos estranhas, senão mesmo patéticas. Quando, autofagicamente, se alimentavam de si próprias e desdenhavam do sempre inoportuno utilizador. Entretanto, não deixaram de imaginar soluções e de se imaginarem nelas. Precariamente, como sabemos. Só a grande distância podemos fazer este balanço e perceber que a solução que hoje ensaiamos para as bibliotecas públicas está a ser pensada apesar delas próprias. Isto não quer dizer que estas soluções estejam a ser imaginadas apenas a partir do exterior. As bibliotecas estão também directamente envolvidas na busca de auto-soluções. Mas ao contrário do passado, esta busca está a ser feita hoje em associação íntima com outros agentes. O próprio utilizador é hoje chamado a opinar. A própria comunidade é convocada a reflectir. A biblioteca pública abriu-se a novos valores e a novos usos. Foi redefinindo assim um conjunto de também novos desafios. De lugar de leitura passou a instrumento de (acesso à) informação. De espaço de isolamento transformou-se em espaço de interacção. Sempre, com limites. Sempre com hesitações e, por vezes mesmo, com sinais de um passado difícil de descartar. Mas será possível pensar-se e imaginar-se a nova biblioteca pública sem limitações nem vicissitudes? A nova biblioteca pública que se abriu à sociedade e à comunidade há-de deixar transparecer as limitações e as vicissitudes dessas mesmas sociedades e comunidades. Há-de, assim, estar destinada, também ela, a imaginar-se continuadamente e, como nós, a ensaiar soluções mais ou menos precárias e transitórias. A reflexão de e sobre a biblioteca é subsidiária da reflexão da e sobre a sociedade e a cultura. Por isso a biblioteca pública dos nossos dias é uma espécie de laboratório. Nela se combinam os ingredientes e as possibilidades fugazes que somos capazes de imaginar. O seu resultado prático não pode, de momento, ser outra coisa além do resultado de uma experiência, mesmo que cautelosa e calculista. O desfecho é incerto. Mas não podemos deixar de experimentar. Sem querer forçar os leitores a uma penosa reflexão generalista, digamos que o presente ensaio se detém sobre as condições de funcionamento actual e as estratégias de acção desenhadas pela Biblioteca Municipal António Botto, sediada em Abrantes. O que aqui propomos é um incursão por entre os espaços e as estantes desta biblioteca. Falamos com pessoas, cruzamo-nos com utilizadores, avaliamos condições e projectos, auscultamos as suas relações com o exterior. A Biblioteca Municipal António Botto tem limites, como tem capacidades. Uns e outros vêem, umas vezes, do exterior, outras vezes, são gerados internamente. Cruzam-se e articulam-se entre si, perdendo-se o sentido da sua verdadeira natureza e origem. Como na experiência de laboratório. Os resultados possíveis são variados. Mas, mais que isso, o que ressalta desta avaliação é que a Biblioteca Municipal António Botto está a procurar encontrar-se com imaginação e criatividade. Pode honestamente pedir-se mais? Sim! Pode pedir-se que este capital de imaginação e criatividade não se esgote ou esmoreça perante as adversidades. É esta a única garantia de que o presente da Biblioteca Municipal António Botto é um presente coerente e, por isso, há-de revelar-se no futuro do longo prazo uma possibilidade consistente. Queremos exprimir o nosso agradecimento a todos quantos colaboraram connosco e permitiram que tivéssemos chegado a estes resultados. Sem menosprezo para outras preciosas colaborações, desejamos agradecer em especial ao Dr. Francisco Lopes a sua prestimosa ajuda. Por seu intermédio, agradecemos também a todos os técnicos e funcionários da Biblioteca Municipal António Botto. |
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