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Identidades, percursos, paisagens culturais
Estudos sociológicos de cultura urbana

Carlos Fortuna

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Introdução

Introdução: expressões públicas da vida sensível

Os gregos da Antiguidade podiam perceber, com o seu olhar, as complexidades da vida. (...) Aquilo que em tempos fora a vivência do lugar surge agora como operação mental flutuante.
[Richard Sennett, The conscience of the eye ]

O presente livro reporta-se a uma variedade de temas que a Sociologia tem tratado de modo desigual, por vezes, de forma assistemática e, nalguns casos, tem mesmo ignorado. São várias as razões para este interesse oscilante da Sociologia por alguns dos temas aqui tratados. Umas derivam directamente da sua matriz epistémica, outras resultam da natureza política das opções (e das omissões) científicas e de investigação em Sociologia. Sem nos determos sobre este aspecto, importa realçar nesta apresentação que os textos que agora se reunem, todos eles já editados anteriormente (1v), têm em comum uma preocupação analítica e interpretativa relativamente a várias expressões públicas da vida sensível.

As identidades, os percursos e as paisagens que aqui se discutem revelam-se outros tantos sinais de uma longa modelação das formas de relação comprometida dos sujeitos com a cultura contemporânea. Esta é, nos nossos dias e de forma crescente, uma cultura expressiva, em que abundam práticas de externalização e de objectivação dos sentimentos, gostos e preferências dos sujeitos. É também, cada vez mais e por isso mesmo, uma cultura de confronto dos sujeitos uns com os outros e de todos com os ambientes físicos, tecno-informativos e sociais que os rodeiam. Todavia, ela não deixa de ser também uma outra cultura de internalização, subjectiva e intimista, que potencia o confronto dos sujeitos consigo próprios, com a sua condição ontológica, os seus trajectos e antecedentes. A subjectividade e a auto-reflexão são terrenos de negociação dos sujeitos com a cultura objectiva que os cerca e interpela.

Esta cultura objectiva contemporânea é principalmente uma cultura de definição de distâncias e de demarcação de fronteiras. As mudanças sociais e políticas bem como o jogo do mercado impõem uma contínua reorientação dos sujeitos. Em consequência, as fronteiras não são nunca estáveis e os critérios da sua definição recompõem-se a cada instante, fazendo ajustar permanentemente o que está para cá e para lá dessa demarcação (2v). Este movimento da fronteira revela a porosidade de que são feitas as identidades dos sujeitos, do mesmo modo que testemunha a contaminação existente entre as esferas pessoais e privadas e as esferas colectivas e públicas da vida social. Se, no dealbar da modernidade, o flâneur retirava a máxima gratificação pessoal do anonimato conseguido na esfera pública da rua da cidade, hoje, a mais recôndita expressão da individualidade - o corpo físico dos sujeitos - é um medium da expressão e valorização pública da identidade pessoal. A "imaginação do centro" (3v), ou seja, o desejo de inclusão e de reconhecimento públicos parecem pautar os modos de auto-definição dos sujeitos e grupos sociais. Porém, numa sociedade e numa cultura que se globalizam, esta imaginação do centro convive de perto com a radicalização da diferença e a construção de comunidades imaginadas. As fronteiras não estão apenas em movimento contínuo, elas são também objectos magmáticos, fruto de construções simbólicas, por vezes mesmo fantasiosas e caóticas.

Ambivalência, hibridismo, representação, terceiro espaço, poderes cósmicos e caósmicos, cosmopolitismo estético, entre muitas outras, são algumas das categorias que passaram a povoar o léxico político e sociológico mais recente. O que pretendem é, a um tempo, dar conta das novas configurações e ordenamentos sociais e problematizar algumas das nossas mais arreigadas convicções.

Neste livro, de uma ou outra forma, são várias as ocasiões em que se problematizam algumas dessas convicções. Desde logo, na Parte I, a questão das identidades e o sentido da comunidade como expressão identitária, surge discutida na relação íntima que estabelecem com a relação local-global e espácio-temporal. A ideia de translocalidade permite julgar acerca dos limites e das oscilações das fronteiras tanto espaciais (local-global) como temporais (passado-presente). O que percorre os dois textos que integram esta Parte I é a ideia de uma reconstituição deliberada do sentido de identidade, a que os sujeitos se entregam na tentativa de compaginarem a sua condição, pessoal ou colectiva, a novos figurinos sociopolíticos e culturais. Schumpeter surge aqui como inspirador de um acto destrutivo, mas criador, de redefinição do sentido de pertença e de localização das identidades. O mercado e o consumo, tanto material como simbólico, a tecnologia da informação e a cidade, surgem como pano de fundo desta destruição criadora das identidades e da busca de vinculações alternativas da consciência de si.

A questão de onde situar a consciência colectiva e a identidade partilhada não é uma questão nova da Sociologia. Émile Durkheim já a confrontara ao admitir que a consciência colectiva ou existe à deriva num vazio cultural ou, em alternativa, relaciona-se com o resto do mundo, através de um qualquer substracto do qual fica refém. A moderna cultura do consumo, tecnológica e urbana pode tornar-se nos nossos dias esse substracto que confere existência e situa a consciência colectiva. Uma tal hipótese pode sustentar-se, por exemplo, nas análises pós-modernizantes de Umberto Eco (1986) ou de Jean Baudrillard (1991) acerca da hiper-realidade e do mundo Disney. Mas a origem da discussão é normalmente situada na reflexão dos "teóricos críticos" da Escola de Frankfurt. A teoria das "falsas necessidades" de Herbert Marcuse (1964), onde é notória a relação com a questão marxiana do fetichismo da mercadoria, pode revelar-se, neste domínio, uma primeira aproximação. Contudo, é talvez na obra de Theodor Adorno (1991) acerca da emergência da indústria cultural, que se encontra uma reflexão mais aprofundada e actual. O cerne do contributo de Adorno, como gostaria de o sintetizar aqui, reside no entendimento que a sociedade se complexifica com o advento da capacidade de produção de um conjunto variado de bens culturais individualizados que não apenas forjam as mais diversas fantasias entre os seus consumidores, mas, simultaneamente, definem ou renovam uma estrutura individualizada de gostos, preferências e realizações pessoais.

Este processo cultural de individualização dos sujeitos e das suas referências tem um efeito directo sobre a natureza ("autoritária") da sua personalidade, ao mesmo tempo que modifica a sua relação com o trabalho, as relações familiares, a comunidade e a cultura. De um modo geral, pode dizer-se que estamos perante uma longa transição de comportamentos e atitudes: enquanto no século XVIII dominava uma concepção holística do carácter pessoal que se fundia com elementos da natureza humana e social dos sujeitos, o século XIX passou a cultivar uma visão existencialista e idiossincrática desses traços da personalidade individual (Sennett, 1986; Susman, 1984). Uma tal modificação do carácter (social) em personalidade (individual) e a relação social que estipula surge tratada em pormenor na obra de Christopher Lasch (1979) e na ideia da fragilidade do self narcísico. A personalidade narcísica, ao mesmo tempo que recusa a espessura dos sentimentos e os envolvimentos sociais e históricos densos dos sujeitos, é uma manifestação cultural extremada da busca do imediatismo e da gratificação pessoal (4v).

A Parte II do livro, acerca dos percursos, ilustra esta busca da gratificação imediata através de dois textos, um sobre o turismo cultural em Évora e Coimbra, e outro sobre a peregrinação a pé a Fátima. Ao contrário do que pode suspeitar-se à primeira vista, entre si, estes textos estabelecem uma cúmplice unidade. O que os une é, desde logo, a narrativa acerca da deslocação no espaço, no tempo e no próprio imaginário dos seus protagonistas. Mas estão também unidos pela natureza das intenções e dos objectivos subjacentes a essa decisão de viajar. Num caso - o percurso urbano dos turistas - é a descontextualização e a ausência de compromissos que, ampliadas pelo cenário que visualizam e experimentam, proporcionam a projecção imaginada dos sujeitos para fora de si mesmos. Noutro caso - o percurso dos caminhantes - essa projecção sustenta-se no sacrifício físico e na recompensa que se pretende obter por seu intermédio. Em ambas as situações, os percursos estão carregados de simbologias, como de resto também as paragens que os recortam e unificam. Mas são sempre paragens breves, porque o que está em causa é a fuga, o fluxo e a busca da novidade.

Turismo e peregrinação partilham entre si experiências ritualizadas distintas e semelhantes. O seu menor denominador comum é a recontextualização e a integração, mesmo que passageira, numa outra comunidade, mesmo que efémera. São actos conscientes de decisão individualizada, em busca de laços afectivos que se concretizam algures entre, de um lado, um sentido de comunidade tradicional (de residência, trabalho, obrigações e filiações directas) e, de outro lado, um sentido de sociedade ampla, de interacções rasgadas e fugazes e, por isso, despersonalizantes e descaracterizadoras da identidade. Ambos os percursos reactualizam, assim, no plano teórico, tanto a antropologia da liminaridade de Arnold van Gennep (1960) e de Victor Turner (1969), como a sociologia marginalizada das associações afectivas de Herman Schmalenbach (1977). A busca de outras vinculações para que nos remetem os actos turísticos e peregrínicos contêm, para além do mais, algum sentido de transgressão dos ordenamentos sociais convencionais e aflorações do sentido narcísico da identidade e da personalidade modernas.

Como já se deixou implícito, a emergência desta nova personalidade coincide com o desenvolvimento da indústria da cultura e o seu correlato, a cultura do consumo e da informação tecnológica. Em resultado disso, desde as décadas finais do século XIX e as primeiras do século XX que vimos assistindo à instauração de uma lógica comportamental nova em que a aparência, a exibição individual e a gestão das impressões e sentimentos ganham relevo sem paralelo. Existem neste argumento ressonâncias manifestas com os primeiros ensaios de Sociologia sobre o consumo, nomeadamente com os trabalhos de Thorstein Veblen (1961) sobre os consumos ostentatórios e de Gabriel de Tarde (1985) sobre os mecanismos da imitação. Em ambos os casos, o que está em causa é a compreensão dos traços iniciais de uma cultura urbana de pendor individualista e expressivo que se desenvolve sob o pano de fundo da massificação da produção e do consumo, tanto materiais, como simbólicos. Seja por via da competição distintiva, típica das elites (Veblen), seja por via da imitação contagiante, típica das classes médias (Tarde), esta clássica sociologia do consumo assinala a emergência de modalidades novas de relacionamento e interacção social, assentes numa cultura hedonista e expressiva da personalidade (5v).

No desenvolvimento desta problemática, estudos sociológicos recentes fazem destacar a constituição de uma nova relação que se vai configurando entre o self e o corpo físico dos sujeitos. Neste domínio particular da expressão pública e da representação social do corpo, a literatura sociológica é tão vasta como recente (6v). Assim, por exemplo, para Mike Featherstone (1991), a moderna cultura do consumo é responsável pelo surgimento do que designa por self performativo, ou seja, pela instrumentalização do corpo físico que, deste modo, se constitui em recurso da expressão pública dos indivíduos, caucionando as suas relações de interacção. Mas o que mais interessa sublinhar é a deslocação e a ambiguidade dos termos da discussão do corpo na literatura sociológica. Na verdade, parece possível distinguir duas linhas de abordagem na análise do corpo. A primeira trata o corpo como uma espécie de presença ausente, ou, se se preferir a linguagem parsonsiana, como "categoria residual". É uma visão que percorre toda a sociologia clássica, desde Karl Marx (o corpo, como força de trabalho, assimilado às forças produtivas), a Max Weber (o corpo racionalizado, atributo definitório dos grupos de status), até Émile Durkheim (o corpo como perturbador da apreensão dos factos sociais) (Shilling, 1993).

Esta perspectiva, apesar dos diferentes estatutos epistemológicos conferidos ao corpo, encontra prolongamentos vários numa outra linha e interpretação sociológica do corpo, nomeadamente, nas análises de Norbert Elias (1989) e de Michel Foucault (1979). Aqui, a biologia humana surge epistemologicamente subordinada à cultura. Em Elias, a civilização do corpo (7v) é uma condição imanente à própria modernização e sofisticação das atitudes e comportamentos sociais. Em Foucault, os sistemas de disciplinação do corpo e a sexualidade revelam a natureza dos poderes que se constituem na sociedade e manifestam-se em paralelo às suas respectivas expressões discursivas. O corpo e a consciência que temos dele são, portanto, produtos das ideias e dos poderes constituídos em esferas político-institucionais como a família, a escola, o hospital, ou a fábrica, que não deixam, por isso, de ter uma expressão simbólica e societal mais geral e historicamente variável. Esta evolução histórica da expressão simbólica do corpo implica que, na moderna sociedade de consumo, a sua representação seja cada vez menos conseguida através do recurso a meios repressivos e resulte cada vez mais de factores psico-culturais, como a estimulação e a estilização da individualidade.

O eclipse do corpo enquanto fenómeno material e biológico permite sustentar que a performance corporal é uma dimensão da vida cultural que se exprime no espaço público de aberta interacção, de que a cidade e a metrópole moderna são os melhores exemplos (8v). Com o surgimento da personalidade expressiva, o corpo surge totalmente subsumido pela (cultura urbana da) aparência e encenação. Seria erróneo, no entanto, julgar que o processo de controle da corporeidade de cariz medievalista e renascentista termina onde e quando se inicia o processo de externalização da sua expressividade. Apesar do grau de maior intimidade e, sobretudo, do facto de ocorrerem em contextos de marcada ausência de liberdade individual, tanto as técnicas de disciplinação do corpo, como a inibição das suas funções físicas e as modelações dos sentimentos e paixões tendem a prolongar-se e a diversificar-se no mundo moderno, de maior liberdade individual e mais ampla tolerância face a comportamentos e atitudes. A penalização a que o corpo físico é sujeito durante a peregrinação a Fátima (capítulo 4) é uma boa ilustração da recorrente refeudalização do corpo, da sua expressividade e instrumentalização. Este é um argumento que se detecta por entre a análise que Pasi Falk oferece acerca da "corporeidade", entendida a um tempo como dimensão expressiva e experiencial do corpo (Falk, 1994: 62-66). O lado expressivo da corporeidade diz respeito à externalização das funções físicas do corpo humano (como o riso ou a estimulação sexual ou o grito de dor). A sua externalização corresponde a uma ampliação do self que, assim, rompe as fronteiras da intimidade corporal para revelar estados de prazer, de sensualidade, ou de sofrimento. Por seu turno, a dimensão experiencial da corporeidade (por exemplo, comer, beber, numa palavra, consumir) mobiliza diversas capacidades cognitivas e sensoriais dos sujeitos. Esta internalização da experiência, enquanto propagação do mundo exterior ao mundo interior dos sujeitos, é também sintoma de deslocação das fronteiras entre natureza e cultura. Num e noutro caso, portanto, a relação do corpo com a cultura é bi-unívoca e pode invocar tanto actos irónicos ou transgressivos, como actos de reconhecimento e aceitação pública generalizada.

É neste quadro que se integram as paisagens que constituem a Parte III deste livro. Não se trata, ou não se trata apenas, de paisagens no sentido físico-geográfico, mas antes de paisagens num sentido mais amplo de ambientes vividos e de atmoferas sensíveis. São paisagens olfactivas e paisagens sonoras que, ao mesmo tempo que libertam e reduzem constrangimentos culturais sobre homens e mulheres, os vitimizam e sujeitam a códigos renovados de estar e de se relacionar em público. O ambiente que se pressente nestas paisagens é citadino, enquanto o agente que as produz é tecnológico.

Ambas as paisagens em discussão contêm percursos no desenrolar da sua constituição. Percursos históricos que vão, num caso, da sociedade do miasma à sociedade trompe-nez e, noutro, das sonoridades tradicionais aos ambientes sonoros típicos da era industrial. Para trás foram ficando modos de identificação dos sujeitos com os odores do seu corpo e do corpo dos outros, como foram também desaparecendo as cadências sonoras por que se pautava a vida colectiva e se vinculavam os sujeitos a ritmos partilhados de trabalho e reunião. São paisagens que, como vimos, mobilizam capacidades cognitivas e sensoriais diversas. Mas, se o corpo deixou de ser natureza apenas e se tornou cultura, essas capacidades estão em fase de reeducação. Com elas estamos a reaprender novas formas de ordenamento social, novas modalidades de interacção social e ambiental, novas modalidades de individualização. A cultura urbana moderna, feita também de novos sons e de novos perfumes, quando vista à luz dos nossos sentidos é a mesma que fez definhar o corpo físico para, em seu lugar, ampliar a corporeidade. Fez diminuir o odor, para ampliar os perfumes. Fez desaparecer a individualidade dos sujeitos e dos espaços para formar a paisagem envolvente e descartável da personalidade. O mesmo se passa com o moderno ambiente sonoro da cidade. Matou o silêncio para socializar a bruma sonora e reduziu ao máximo o som da terra para, em seu lugar, ampliar o da tecnologia.

Tudo isto corre a par da possibilidade cultural da privatização destas paisagens. Com efeito, o perfume está para os odores sociais, como o walkman está para as sonoridades. Nómadas e miniaturizados, podem transportar-se e transportar-nos com eles, permitindo dissimular aquilo que somos, alimentando a esperança de sermos aquilo que imaginamos. Em síntese, estas modernas paisagens olfactivas e sonoras permitem prolongar esse acto criador de destruição da identidade. Sempre através da definição de distâncias e de fronteiras, mesmo se voláteis e indizíveis, entre um eu egoísta e auto-contemplativo e um outro que se marginaliza ou despreza. Sempre através de fragilíssimas distinções entre o espaço público e o espaço privado. Sempre através de expresões públicas da vida sensível.

Como se percebe, é sinuoso o traçado que esta colecção de ensaios convida a percorrer. É um traçado feito de imagens, de viagens e paragens singulares. Cada uma destas, à sua maneira, é um fragmento fortuito de uma realidade social e cultural mais ampla. Se o texto é um campo aberto perante o qual o leitor se comporta como um caçador, como diria Walter Benjamin, a decifração do sentido desta realidade mais ampla é uma possibilidade deixada à interpretação dos próprios leitores. Afinal, a leitura é, ela própria, um percurso que tem que ser percorrido para dele se tirar sentido.

Santiago do Cacém, Abril de 1999.

NOTAS

(1^) Os capítulos 1, 3, 4 e 6 foram inicialmente publicados na Revista Crítica de Ciências Sociais, do Centro de Estudos Sociais, respectivamente nos anos de 1991, 1995, 1992 e 1998. O capítulo 2 foi editado, em 1995, na Colecção Estudos e Investigações, do Instituto de Ciências Sociais (vol. 4, coordenado por Maria de Lourdes Lima dos Santos) e o capítulo 5 surgiu, originalmente, na revista Via Latina (1991), editada pela Associação Académica de Coimbra. Aos responsáveis por estas publicações, agradeço a colaboração que permite esta reedição.

(2^) Para uma análise sociológica das culturas de fronteiras, vejam-se os textos de Boaventura S. Santos (1994: cap. 6) e de João Arriscado Nunes (1996).

(3^) A noção de "imaginação do centro" é retirada de Boaventura S. Santos (1993: 49-53) que a utiliza para se referir ao processo simbólico de projecção do Estado semiperiférico (no caso vertente, o Estado português) na comunidade de Estados centrais (europeus). O uso que aqui se faz desta noção pretende assinalar que esse processo simbólico de "centramento" está também presente em múltiplas formas de actuação de indivíduos e grupos sociais. A referência a "centros" reais ou imaginários da vida social, política e cultural faz parte da estratégia de auto-posicionamento dos sujeitos, mesmo quando se manifesta pela sua negação e recusa.

(4^) Caracterizações dos indivíduos como as seguintes assinalam, para Lasch, o surgimento desta nova personalidade: "excessivamente auto-consciente"; "cronicamente preocupado com a saúde, com medo de envelhecer e de morrer"; "constantemente à procura de sintomas e sinais de decadência"; "desejoso de se dar com outros, mas incapaz de fazer verdadeiras amizades"; "ansioso por experiências emocionais"; "dominado por fantasias de omnipotência e de eterna juventude".

(5^) É no quadro desta personalidade expressiva que se integram também análises como as de Pierre Bourdieu (1984) sobre o gosto, a construção dos estilos de vida e as estratégias de distinção social, ou de René Girard (1987) acerca do mimetismo como expressão do desejo e da competição entre sujeitos.

(6^) Uma interpretação geral sobre o recente interesse da Sociologia pela questão do corpo encontra-se em Chris Shilling (1993: 29-40). A justificação daquele interesse ficará a dever-se, em primeiro lugar, aos estudos feministas e à análise sociológica das relações sociais de sexo, em segundo lugar, ao acentuado envelhecimento demográfico do Ocidente e, em terceiro lugar, às alterações económicas, sociais e culturais da sociedade do pós-guerra.

(7^) O Processo Civilizacional de Norbert Elias é um discurso sobre a perda do significado sociocultural da biologia imposta pela ascensão histórica dos símbolos e marcas culturais. O corpo humano civilizado é o resultado de um processo articulado de socialização (o corpo como expressão social conseguida pela gradual regulação e privatização das suas funções naturais), de racionalização (controle crescente sobre emoções e sentimentos) e de individualização (o corpo como fronteira entre indivíduos e entre estes e o mundo exterior). Para uma reflexão sobre o corpo na teoria civilizacional de Norbert Elias, veja-se Chris Shilling (1993: 151-174).

(8^) É nesse sentido apenas que se compreendem e frutificam as reflexões teóricas mais gerais de autores como Georg Simmel (1997), Richard Sennett (1986), Jean Baudrillard (1990) ou Erving Goffman (1993), em que a corporeidade surge de forma derivada a partir das relações de sociabilidade em espaço público, ou as análises socioantropológicas do corpo em que é a urbanidade que surge como variável dependente, como, por exemplo, nos trabalhos de David le Breton (1990), Pasi Falk (1994), Steve Pile (1996), Chris Shilling (1993) e Bryan Turner (1984).

 
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