Outras
publicações |
< Anterior Seguinte > |
Cidade, cultura e
globalização Carlos Fortuna |
|
|
Introdução | |
Os hábitos de leitura em Portugal têm recebido recentemente uma crescente atenção por parte de grupos de investigadores das diferentes áreas do saber, nomeadamente no campo da Sociologia. A par destes estudos são conhecidas, também, as preocupações de várias instituições, quer públicas quer privadas, com responsabilidades no plano da educação e da cultura em Portugal. O desenvolvimento das sociedades modernas transformou a capacidade de leitura numa competência técnica e num direito cívico dos indivíduos. Neste domínio - no domínio das práticas de leitura -, como de resto noutros domínios, a competência técnica e a condição de cidadania encontram-se profundamente entrecruzadas. Pode dizer-se mesmo que um défice de competência técnica equivale a um défice de cidadania. Por isso, o acesso e a prática de leitura são problemas de primeiro plano nas modernas sociedades democráticas. São conhecidas as disparidades sociais e as realidades sociológicas subjacentes à questão da leitura nos nossos dias. Elas dizem respeito, desde logo, a uma série de factores de natureza mais objectiva, como sejam, por exemplo, os desiguais recursos económicos, os factores de limitação geográfica da residência, os próprios níveis de escolaridade dos leitores ou potenciais leitores. A própria natureza do mercado livreiro, a oferta não comercial do livro e os desafios impostos pela recente implantação da nova cultura da comunicação/informação contam-se entre outros tantos aspectos objectivos que interferem com o exercício da leitura. Mas há também que contar com aspectos menos objectivados que interferem com a competência técnica da leitura e o correspondente exercício de cidadania. Entre estes factores, contam-se, por exemplo, uma complexa rede de influências e heranças familiares e de sociabilidades dos leitores, que se exprime, nomeadamente, ao nível da sua divisão por sexos, por idades e também ao nível das suas preferências nos usos de tempos livres. Um leitor, como aliás um cidadão, é sempre um sujeito em construção. Por isso, aquilo que se diz sobre a leitura ou sobre a cidadania deve ser sempre visto à luz de um processo de geração de competências técnicas e capacidades políticas. É aqui que importa, portanto, conhecer a situação dos jovens enquanto leitores e cidadãos em formação. Nas sociedades modernas, no que diz respeito à qualidade da cidadania, a escola continua a desempenhar um papel fulcral na formação dos indivíduos. Mas a escola e as suas funções são elas próprias terrenos fragmentados no que diz respeito à sua maior ou menor centralidade na acção de formação cívica. Por isso, a escola e o conjunto das políticas educativas em geral não poderão passar ao lado de uma avaliação dos hábitos e das práticas dos jovens leitores de hoje e dos cidadãos do futuro. Este estudo, realizado por proposta conjunta do Observatório das Actividades Culturais (OAC) e do Instituto Português da Biblioteca e do Livro (IPLB), ao abordar de modo particular uma população escolar não pretende senão oferecer uma caracterização do estado actual dos hábitos e práticas de leitura de um segmento muito particular de jovens portugueses (14-18 anos), residentes em alguns concelhos seleccionados do distrito de Coimbra. Neste quadro, delimitado por variáveis geográficas e etárias muito concretas, deve fazer-se sobressair o facto de a população juvenil que é objecto deste estudo ser um segmento da população particularmente sensível. Se um leitor e um cidadão são actores sociais em contínuo processo de formação, como antes afirmámos, as condições em que esta última se processa entre a população juvenil são, por sua vez, reveladoras do próprio estado actual da leitura em Portugal. Mais do que isso, como o demonstraria qualquer estudo de Psicologia do desenvolvimento ou de Sociologia da juventude e da educação, é aqui que se podem estar a desenhar, em termos culturais, tendências estruturantes do futuro pessoal e colectivo que importa detectar para saber e poder actuar adequadamente sobre elas, seja no sentido da sua correcção, seja no sentido do seu reforço. Outras considerações à parte, resta sublinhar que a importância da análise das práticas juvenis de leitura releva do facto de ser nesta fase da vida que os sujeitos se deixam ou não cativar pela leitura, se fidelizam ou afastam dela. Normalmente, sem retorno. A caracterização a que aqui se procede há-de apontar para deficiências e distorções de natureza diversa, cuja solução não nos compete a nós, enquanto responsáveis por este estudo, definir. Os objectivos deste estudo são, portanto, muito limitados. Trata-se de uma contribuição parcelar para uma avaliação geral do estado da leitura em Portugal, tarefa monumental que só poderá ser levada a efeito pela junção de numerosas outras avaliações fragmentárias. Não podemos deixar de expressar o nosso agradecimento às pessoas e às instituições que, de uma ou outra forma, prestaram colaboração ao desenrolar deste trabalho. Assim, agradecemos à Dr.ª Maria Paula Abreu pelo tempo despendido com a sua preciosa ajuda na configuração geral da informação estatística. À Direcção Regional de Educação do Centro bem como aos Conselhos Directivos das diversas escolas em que o questionário foi aplicado expressamos igualmente o nosso mais vivo agradecimento. Coimbra, Janeiro de 1999 |
|
|