Editorial
De quando em vez há o espanto nos olhos dos nossos
alunos. De quando em vez alguns poemas que nos entram por
debaixo da porta dos gabinetes. De quando em vez, exames
que se escrevem poemas. De quando em vez algum que se
confessa atacado pelo sortilégio da criação, só,
incomunicável.
Ensinar literatura é toda uma lição. Ensinar poesia, toda
uma nova literatura: um processo permanente de
re-aprendizagem de leitura que todos os anos cada aluno
nos traz.
Quando comecei o curso de Literatura Inglesa I ("Vozes da
Poesia Contemporânea"), há já alguns anos, os pedidos
repetiam-se: "podia ler-me estes textos?", "podiamos criar
um grupo?", "então não disse que era depois da Páscoa?". E
acabou por ser depois da Páscoa: um grupo de nove, das
seis às oito, uma vez por semana, perguntando-se "Que é a
Poesia?", "Que trabalho é este que se me impõe?",
"Materialidade e/ou inspiração?", "Cânone ou
experimentalismo?", "Que função social?", "Que tradições
poéticas?", etc., etc.; depois partiu-se para os
exercícios, com temas, com determinadas técnicas,
derivando, estabelecendo variações; e sempre, a leitura
pública do trabalho original e novo - semanalmente, no
grupo, mas também, ocasionalmente, noutros espaços, para
um outro público. Finalmente, no ano lectivo de 1997-98, a
minha proposta e a aprovação pelo Grupo de Estudos
Anglo-Americanos e pela Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra de um Curso Livre, anual, a que
chamei "Oficina de Poesia".
Cursos de Escrita Criativa? Ou, como eu própria diria há
alguns anos atrás, "modas americanas"? Continuo convencida
de que não é possível ensinar alguém a ser poeta. Mas o
meu cepticismo acerca da Escrita Criativa teve por força
que ser revisto quando entrei pela primeira vez no
Programa de Poética da Universidade de Nova Iorque, em
Buffalo, e quando pude participar nos seminários de
Pós-Graduação dos poetas/professores Charles Bernstein,
Robert Creeley e Susan Howe. Porque aprendi, rigorosamente,
que a Poética é também, e sobretudo, uma prática. Porque a
escrita é também uma actividade que exige técnica e
domínio sobre a matéria a que se dá forma. E hoje, agora
já no fim de mais um ano, porque o confirmo nas vozes
destes jovens poetas que, entusiasticamente, me
acompanharam em sessões semanais que de três horas
passavam muitas vezes a quatro ou cinco: "não sei que é
que me aconteceu, que já não gosto do que escrevia antes"
ou "agora dou por mim a limpar os meus poemas!
A eliminar adjectivos, a acrescentar silêncios!...", ou
outra mudança qualquer.
O curso não foi mais do que um desafio à reflexão, um
encontro com a escrita dos outros (também dos colegas), um
convite ao jogo e à queda na matéria do texto, para um
encontro com a sua própria escrita. De facto, não os
ensinei a ser poetas. Essa continuará a ser uma tarefa
impossível. Procurei apenas oferecer-lhes uma oportunidade
de fazerem uma aprendizagem consigo próprios. Os poetas
foram os docentes. Eu, mera coordenadora, a quem foi dado
o privilégio de poder observar os momentos mágicos em que
o campo fértil da poesia se lhes abriu, como diria um dos
meus poetas preferidos:
Often I am permitted to return to a meadow
as if it were a scene made-up by the mind,
that is not mine, but is a made place,
that is mine, it is so near to the heart,
an eternal pasture folded in all thought ( ... )
Robert Duncan, The Opening the Field
Graça Capinha
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