Editorial
No momento da edição do número 1 da revista Oficina
de Poesia somos levados a olhar para o trabalho
que temos vindo a desenvolver e a reconhecer que este
teima, agora, em ganhar um pendor mais sério, como se nos
fugisse para a frente. Já lá vai algum tempo desde as
caras conhecidas que corriam para se juntar, à tardinha,
para falar sobre poesia até ser já quase dia. Passaram os
pretextos, é tarde, e os braços cresceram juntos e as
conversas entrelaçaram mais vozes e trouxeram outros
braços. As histórias fizeram-se palavras e silêncios e
imagens embora poemas. Foi quase sempre muito assim.
Noites e noites entre vozes. E redobrávamos os sentidos
para esgravatar, ainda mais, com a nossa cobiça,
linguagens, nas quais o acto criativo se revelava
constantemente familiar. Encolhidos os medos, mais
lúcidos, tudo se alargou em gestos um tanto à força, um
tanto empurrados e arriscámos abrir intimidades de muito
longe, porque já não se bastam em si, pela existência,
pela poesia. É sabido que gostamos de mudar, abrir
sentidos, às vezes, como se empolgados por um tal
desassossego que sem ver contornos, nos intriga e envolve.
E se, como alguém disse, a loucura é o que nos move,
então, esta, nossa, é feita de caras muito sérias, e
sopra-nos das mãos pela procura sempre da entrega às
palavras que melhor digam.
Neste novo número continuamos, "(des)coordenados", a
estender o mesmo ritual, cada vez mais forte, aspirando à
divulgação do trabalho de todos os poetas que se encontram
na "Oficina de Poesia", mas, também, daqueles outros que
se quiseram juntar, para grande entusiasmo nosso, e que
completam a imagem.
No meio de tudo isto, resguardamos, ainda, a continuidade
da nossa participação nos ateliers do Centro de
Estudos para as Artes de Belgais e celebramos a edição de
mais um livro de uma das nossas poetas da Oficina,
Emiliana Cruz, uma vez mais pelas mãos da editora Palimage
que, apesar de tudo, continua a espalhar a produção desta,
ainda pequena, comunidade de poetas. Assim, renovamos a
palavra de apreço ao nosso editor, que muitas noites tem
dobrado, sobre si próprio, alinhavando escritas e gerindo
as aflições vividas inteiramente contra o tempo.
Em nota final, há que imaginar bem os vários momentos,
somente iniciados, guardados devagar, que batem em cheio,
altos, breves, como se todos fossem entrando com a
sabedoria de quem quer vir a si. Ou porque ressaltam
meramente e nos ligam a sentidos impenetráveis. E o resto,
é uma vontade enorme de ressurgir. Começa o tempo onde o
poema começa.
Cristina Néry
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