Editorial
Cerca de seis anos já passados depois daquele primeiro
pequeno grupo de alunos me desafiar, parece-me quase
impossível que aquelas duas horas semanais de fim do dia,
em que aceitei (des)coordenar uma reflexão conjunta sobre
a poesia, tenham sido capazes de produzir um Curso Livre
(que se divide já em dois, Oficina de Poesia I e Oficina
de Poesia II), uma cadeira de Opção (Poética e Escrita
Criativa), uma revista anual de poesia, tantas leituras
públicas, ateliers em escolas secundárias, performances
com actores como João Grosso (como no último
Encontro Internacional de Poetas de Coimbra), colaboração
em projectos como o de Belgais (o Centro para o Estudo das
Artes dirigido pela pianista Maria João Pires, de que
resultou a assinatura recente de um protocolo com a
Faculdade de Letras), acções de rua (entregando poemas a
quem nunca os procura), a presença de inúmeros convidados
(poetas e outros artistas, bem como professores e
especialistas de várias linguagens e saberes que connosco
quiseram dialogar), alunos de doutoramento no Programa de
Poética da State University of New York ou a
fazer estágios de curta duração em Centros Literários como
o JUSTBuflalo Literary Center (acompanhando
poetas a escolas secundárias onde a escrita criativa
existe, deste modo, há mais de 30 anos, como parte dos
programas de língua inglesa), criação de homepages, alguns
pequenos prémios literários (um em Itália), ligações a
novas pequenas editoras, e muita, muita poesia publicada -
em revistas de poesia (em Portugal, nos EUA e no Brasil),
mas também em alguns livros recentes.
Havia que enumerar todo o trabalho realizado - porque nos
sentimos orgulhosos, é claro - mas sobretudo para afirmar
que sim, que é possível haver uma comunidade de poetas.
Que a escrita da poesia não tem que ser apenas esse acto
iluminado a exigir o isolamento e a marginalidade do
social que, simultanea e paradoxalmente, nos olha de
soslaio e nos coloca no pedestal idolatrado a que alguns
tanto aspiram.
Criou-se uma pequena comunidade de poetas em Coimbra
(alguns já fora da cidade, dos mais de cinquenta que já
participaram, continuam a manter o contacto). Uma pequena
comunidade que procura levar o seu trabalho à comunidade
mais vasta - levar a poesia a quem nunca foi exposto à
poesia: levá-la às ruas, aos bares, aos colegas da
universidade ou do emprego, em brochuras, em fotocópias,
no acto simples da voz e, naquele que me parece o trabalho
mais importante de todos, levá-la até às escolas, às
crianças.
Criou-se uma pequena comunidade de poetas em Coimbra que é
capaz do acto generoso e gratuito na origem de tudo o que
se foi produzindo ao longo destes anos. Uma comunidade
capaz de partilhar ideias, de respeitar vozes diferentes,
de estar aberta à diversidade, ouvindo os outros,
experimentando outras técnicas, dialogando com outros
instrumentos de trabalho, sem por isso deixar de ser capaz
do acto iluminado da criação - agora, decerto, mais rico e
menos narcísico.
Esta revista, tal como aconteceu com a primeira série,
continuará a divulgar o trabalho dos poetas do curso livre
Oficina de Poesia e, agora também, da cadeira de opção,
Poética e Escrita Criativa, mas alargar-se-á a contributos
de outros poetas e artistas plásticos, bem como a
professores e/ou especialistas de Poética, no sentido mais
vasto do termo. Passará a incluir imagem, bem como
rubricas de ensaio, recensão, tradução e, pretendendo
abrir-se a alguma internacionalização, poderá
eventualmente incluir textos noutras línguas, o que
decerto também irá contribuir para a divulgação de alguma
da poesia mais inovadora (e menos canónica) que
dificilmente tem repercussão em Portugal. O interesse de
muitos autores que têm estado presentes nos Encontros
Internacionais de Poetas (não só portugueses, mas também
estrangeiros) e que querem colaborar connosco está bem
patente neste número 0, com a presença de nomes como os de
Fernando Lemos, António Ramos Rosa, valter hugo mãe,
Leonard Schwartz ou Christopher W. Alexander, entre
outros.
Deixaremos de ter uma publicação anual (e artesanal) e
passaremos a publicar três números por ano, com
distribuição nacional, mantendo o apoio do Conselho
Directivo da Faculdade de Letras, do Centro de Estudos
Sociais e, agora, recebendo também o apoio da Reitoria da
Universidade de Coimbra, três instituições a quem queremos
deixar aqui o nosso reconhecido agradecimento.
A editora Palimage terá agora que aturar a nossa
insubmissão à ditadura da página, da pontuação, da grafia,
do espaço. E ainda, os atrasos, o "à última da hora", as diskettes
por formatar, os esquecimentos, os lançamentos
atrasados, etc., etc. Tudo aquilo que o profissionalismo
da Secção de Textos da FLUC nos aturou durante os cinco
números da primeira série, pelo que lhes estamos também
muitíssimo gratos.
Quero terminar, agradecendo a todos os poetas,
especialistas e artistas que contribuiram com o seu
trabalho para este número, especialmente aos meus
colaboradores - aos poetas da Oficina de Poesia - pelo
esforço e pelo empenho, por todo o entusiasmo com que têm
levado este projecto para a frente e, sobretudo, pela
forma generosa com que nos oferecem a sua criação.
Graça Capinha
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