Opinião | |||
Vítor Neves |
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O Nobel e a economia das instituições não-mercantis Por Ana C. Santos, João Tolda, José Castro Caldas, José Reis, Laura Centemeri, Tiago Santos Pereira, Vitor Neves “Elinor Ostrom, tal como Williamson, deu um importante contributo para uma Economia com os pés assentes na terra” O prémio do Riksbank Sveriges (Banco Central da Suécia) em Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel (normalmente designado como Prémio Nobel da Economia) foi este ano atribuído a Elinor Ostrom, uma cientista política da Universidade do Indiana, e a Oliver E. Williamson, da Universidade da Califórnia, Berkeley. O comité atribuiu o prémio "pela[s] sua[s] análise[s] da governação económica, em especial dos bens comuns", no caso de Ostrom, e "das fronteiras da empresa", no caso de Williamson. O prémio deste ano destaca a importância da análise das instituições na economia. Ostrom estudou ao longo de toda a sua vida a cooperação humana. Estudou, em particular, as condições institucionais que são requeridas para que grupos humanos possam, de forma associativa, resolver os "dilemas sociais" que têm de enfrentar. O trabalho de Ostrom desafia a tese da "tragédia dos comuns" segundo a qual os recursos em regime de propriedade comum serão inevitavelmente sobre-explorados, se não houver a imposição de regras por agentes externos, tipicamente através da acção do Estado, ou se não se proceder à privatização individual de bens outrora comuns. Pelo contrário, com base em múltiplos estudos de caso de recursos partilhados como a água, a floresta, a pesca ou a vida selvagem, Ostrom conclui que a gestão comum destes recursos não só é possível como pode ser superior às formas alternativas de gestão, privadas ou públicas, anteriormente preconizadas pela teoria. Existem, obviamente, condições necessárias para que essa sobre-exploração dos recursos não ocorra, destacando-se entre estas a importância da participação da própria comunidade na definição das suas próprias regras de governação, na monitorização dos comportamentos dos seus membros e na aplicação de sanções. Williamson, por outro lado, interessou-se toda a vida por aquilo que para a economia neoclássica era uma "caixa negra" - a empresa. Na tradição da teoria da empresa de Ronald Coase (um outro Prémio Nobel), Williamson encara a organização empresarial como uma instituição concebida para reduzir os "custos de transacção". Por isso mesmo a sua abordagem, não isenta de pontos discutíveis, é muitas vezes designada como economia dos custos de transacção. Em situações onde é difícil estabelecer contratos que prevejam soluções para todas as contingências futuras, e onde há activos, como o conhecimento, que só são valiosos no contexto específico, a organização hierárquica emerge como solução. Ou seja, tal como o sucesso da gestão de recursos comuns assenta na definição de instituições próprias que sustentam o comportamento cooperativo, as regras e normas que determinam a forma de cada transacção variam consoante o contexto. O Prémio Nobel da Economia de 2009 é importante por quatro razões principais. Em primeiro lugar, o reconhecimento do trabalho de Ostrom e de Williamson é também o reconhecimento da pluralidade teórica na Economia. Apesar de diferenças significativas, quer Ostrom, quer Williamson representam correntes teóricas, enquadradas na economia institucionalista, que têm sido relativamente marginalizadas, ou mesmo deliberadamente abafadas, no ensino de uma disciplina que ainda se encontra fortemente hegemonizada por uma corrente neoclássica em crise. Em segundo lugar, ao destacar a importância das instituições, o comité destaca também a diversidade institucional que existe em todas as economias. Rompendo com velhas e infundadas dicotomias que opõem formas puras de coordenação, nomeadamente o mercado e o Estado, e visões redutoras do ser humano, Ostrom e Williamson interessam-se e são distinguidos exactamente por "terem expandido o nosso entendimento das instituições não-mercantis". Em terceiro lugar, o prémio é também importante porque reafirma a necessidade de mobilizar conhecimento proveniente de outros domínios disciplinares para o estudo das instituições e do comportamento económico. Depois de Herbert Simon (Psicologia e Inteligência Artificial, 1978), de Douglass North (História Económica, 1993) ou mais recentemente Daniel Kahneman (Psicologia, 2002), a escolha de Ostrom (Ciência Política) é mais um sinal do reconhecimento da importância da transdisciplinaridade. Notoriamente, afirmou-se com este prémio que a Economia só se engrandece se for uma disciplina aberta, interna e externamente, envolvendo-se criativamente com as demais ciências sociais. O prémio deste ano é ainda de grande importância por uma última razão. Pela primeira vez, após a atribuição de 40 prémios, a 62 laureados, o Prémio Nobel da Economia é finalmente atribuído a uma mulher. As economistas feministas têm insistido que a economia convencional tem género, que esse género, sendo masculino, pode explicar o predomínio da abstracção e do formalismo. Pela ênfase na observação da realidade, através de estudos de caso, Elinor Ostrom, tal como Williamson, deu um importante contributo para uma Economia com os pés assentes na terra. Esta consagração lança definitivamente um desafio: as entidades que lidam com o ensino da Economia ou com política científica não podem insistir na reprodução de formas de conhecimento em que falta o pluralismo e a sensibilidade à complexidade e onde impera uma visão fechada da vida económica. Investigadores do Núcleo de Estudos sobre Governação e Instituições da Economia, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. |