IV Ciclo Anual Jovens Cientistas Sociais
2008-2009

18 de Março de 2009, 17:00, Sala de Seminários do CES (1º piso)
 
João Rodrigues (Univ. Manchester)

Onde pára o mercado? Movimento e contra-movimento em Karl Polanyi e Friedrich Hayek

Comentário: José Castro Caldas e Ana Raquel Matos

Resumo: O caminho para o mercado livre estava aberto e mantinha-se aberto através do incremento de um intervencionismo contínuo, controlado e organizado de forma centralizada. Tornar a ‘liberdade simples e natural’ de Adam Smith compatível com as necessidades de uma sociedade humana era tarefa assaz complicada. (...) [A] introdução dos mercados livres, longe de abolir a necessidade de controlo, regulamentação e intervenção, incrementou enormemente o seu alcance. (…) Enquanto que a economia laissez-faire foi o produto da acção deliberada do Estado as restrições subsequentes ao laissez-faire iniciaram-se de forma espontânea. O laissez-faire foi planeado; o planeamento não. (…) [O] conceito de um mercado auto-regulável era utópico e o seu progresso foi obstruído pela autoprotecção realista da sociedade.   

Karl Polanyi, 1944, The Great Transformation, Beacon Press, Boston, 2001, pp. 147-48

Nada há nos principais fundamentais do liberalismo que faça dele um credo estático, não há regras inflexíveis e imutáveis. (…) Há toda a diferença entre criar intencionalmente um sistema dentro do qual a competição será tão benéfica quanto possível, e aceitar passivamente as instituições tal como são. Nada prejudica tanto a causa liberal como a insistência rígida de alguns liberais em determinadas generalidades vagas. Em especial no princípio do laissez-faire. (…)

A tarefa de criar uma estrutura adequada para o funcionamento da concorrência não havia sido levada muito longe quando, por todo o lado, os Estados começaram a suplantar a concorrência por um outro princípio diferente, e irreconciliável.

Friedrich Hayek, 1944, O Caminho para a Servidão, Edições 70, Lisboa, 2009, p. 43 e p. 66.

Esta comunicação tem como ponto de partida a análise e comparação de algumas das principais teses e conceitos contidos em dois livros, publicados em 1944, e que viriam a adquirir o estatuto de clássicos na economia política e na filosofia social – A Grande Transformação de Karl Polanyi e O Caminho para a Servidão de Friedrich Hayek.

O título da comunicação – Onde pára o mercado? – remete para a análise da natureza e do lugar mutável desta instituição, para o que, usando os termos de Polanyi, se pode designar por “processo de institucionalização”, mas também para a análise dos seus limites socioeconómicos, políticos e morais. Estes dois autores oferecem perspectivas muito diferentes sobre estas recorrentes discussões. Importa revisitá-las em tempos de crise de hegemonia do neoliberalismo e de corrosão das suas fundações intelectuais.  

O subtítulo remete para a ideia, parcialmente partilhada por Hayek e Polanyi, de que é possível identificar e analisar padrões históricos contrastantes no que diz respeito à força do processo de institucionalização do mercado. Embora existam ideias e opções a evitar e evitáveis, o subtítulo indica igualmente que, por razões variadas, para estes dois autores nada está alguma vez fechado no campo dos arranjos institucionais da economia. É natural que as conclusões a que Polanyi e Hayek chegam divirjam também aqui, uma vez que estamos a discutir um dos progenitores intelectuais do neoliberalismo e um autor que tem inspirado algumas das suas críticas contemporâneas mais penetrantes. No entanto, creio que as divergências não se deixam encerrar nas dicotomias institucionais e comportamentais plano/mercado, relações comunitárias/relações contratuais ou egoísmo/altruísmo que por vezes são invocadas nos debates de economia política comparada e que marcam algumas das apropriações, críticas ou apologéticas, do seu trabalho.

Procurar-se-á argumentar que os dois planos de discussão teórica acima mencionados têm implicações não só para a compreensão da natureza, simultaneamente utópica e adaptável, intransigente e flexível, do projecto neoliberal, quer em termos intelectuais, quer em termos das soluções de política pública preconizadas, mas também para a compreensão das limitações e potencialidades do trabalho intelectual e político de reconstrução do projecto socialista que incorpora algumas das conclusões fundamentais do trabalho de Polanyi e algumas das críticas desenvolvidas por Hayek.


Nota biográfica
: (n. 1977, Coimbra). Licenciatura em Economia e mestrado em Economia Monetária e Financeira pelo ISEG-UTL. Membro do DINÂMIA-ISCTE (Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica) e doutorando em Economia Política na Universidade de Manchester com uma tese intitulada Onde Pára o Mercado? Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Karl Polanyi. Trabalho de investigação centrado na análise das relações entre as instituições económicas, o comportamento humano e a moralidade e no escrutínio dos principais contributos teóricos por detrás do chamado projecto neoliberal. Artigos publicados nestas áreas em revistas científicas internacionais como a Review of Social Economy, o Journal of Economic Issues e a New Political Economy.