Resumo:
Novas relações entre a
genética e a sociedade, proporcionadas pelos crescentes usos da
genética em contextos forenses, têm servido de mote a um debate
científico, político, académico e social, em torno dos potenciais
benefícios, mas também das inquietudes suscitadas pela criação de bases
de dados genéticos.
Na retórica política dominante, os riscos e as incertezas associados à
aplicação da biotecnologia em contexto forense surgem suavizados ou
apagados. Este processo ancora-se numa teia complexa de agendas e de
actores diferenciados, que sustentam a acção em recursos simbólicos
diversos, que passam tanto pela celebrização da ‘infalibilidade’ da
identificação de indivíduos pela tecnologia dos perfis de ADN como
suporte moderno à investigação criminal e à administração da justiça;
como pela ênfase num projecto de ‘nova cidadania’. Algumas formas de
promoção política e institucional dessa ‘biocidadania’, enquanto
conjunto de direitos e deveres no contexto dos usos das bases de dados
de perfis de ADN, apoia-se em argumentos em torno de conceitos como o
consentimento informado e livre dos cidadãos, a responsabilidade
individual para o bem comum, a dádiva e do altruísmo dos voluntários
que facultam amostras biológicas e a necessidade da existência de
modalidades de responsabilidade social coadjuvadas pela biotecnologia.
Considerando a construção social dos riscos e das incertezas inerente
às práticas de aplicação forense da informação genética em vários
países europeus, pretende-se discutir o projecto técnico-genético mais
amplo que sustenta a proposta de lei de constituição de uma base de
dados deste tipo. Considerando o caso de Portugal, apontam-se ainda
rumos possíveis para uma governança possível desta forma de
biovigilância, que integre modalidades de participação do público
leigo, de escrutínio independente das práticas policiais, científicas e
judiciárias e de promoção da confiança pública alargada e esclarecida
relativa aos potenciais usos e impactos sociais e éticos deste tipo de
tecnologias.
Nota biográfica:
Professora Auxiliar do
Departamento de Sociologia da Universidade do Minho e Directora-Adjunta
do Centro de Investigação em Ciências Sociais da mesma instituição.
Licenciada em Sociologia (Universidade de Coimbra, 1993), mestre em
História das Populações (Universidade do Minho, 1997) e doutorada em
Sociologia (Universidade do Minho, 2003). A sua dissertação de
Doutoramento, intitulada Tribunais, género, ciência e cidadania - uma
abordagem sociológica da investigação judicial de paternidade (2003),
foi galardoada com uma Menção Honrosa da 4.ª Edição do Prémio CES para
Jovens Cientistas Sociais de Língua Oficial Portuguesa (2005).
É delegada portuguesa do projecto europeu de cooperação designado
Género e bem-estar: interacções entre o trabalho, a família e as
políticas públicas (European Science Foundation). Actualmente está a
desenvolver um estudo de pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra (em parceria com a Universidade de Durham,
Reino Unido) sobre os impactos sociais, éticos e políticos das bases de
dados de perfis de ADN. Tem coordenado diversos projectos de
investigação científica sobre as relações entre a Justiça, as novas
tecnologias de comunicação e informação, a genética forense e os meios
de comunicação social, com o apoio da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.
Tem diversas publicações na área das interacções entre o direito e a
genética forense, destacando-se o seu trabalho mais recente sobre as
implicações éticas, sociais e jurídicas das bases de dados de perfis de
ADN, produzida em resposta a um convite dirigido pela comissão
editorial da revista inglesa Biosocieties: comentário ao Nuffield
Council of Bioethics report "The forensic use of bioinformation:
ethical issues" (publicação em Março de 2008, em co-autoria com Susana
Silva).
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