Encontro Organização: Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra e Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa As experiências clínicas em hospitais tomam múltiplas formas; entre o regulamentar protocolo e o puro acaso/ eureka existe um contínuo de nuances onde a avaliação de custos e ganhos, ou de perigos vs. potenciais benefícios (imediatos, virtuais, para o objecto da experiência, para o autor da mesma, para outros, para a humanidade em geral) levam à negociação das fronteiras do eticamente aceitável. Nesta apresentação explorarei estas questões a partir de um relato de experiências clínicas levadas a cabo num hospital colonial em meados do século XIX. Argumentar-se-á nesta apresentação que as aparições marianas de La Salette e de Lourdes e o surgimento coevo do espiritismo norte-americano e da sua versão kardecista francesa podem ser compreendidos como respostas religiosas à hegemonia das ciências experimentais e do seu regime da prova enquanto fundamento da verdade em meados do século XIX. Questionar-se-á também se sucessivas teorizações académicas dos últimos cem anos acerca de uma linguagem ou de uma experiência religiosas com características próprias (W. James, M. Weber, W. Cantwell Smith, P. Stromberg, B. Latour) descreverão realmente a essência da religião em todos os tempos ou circunscreverão antes as condições de felicidade do discurso religioso na modernidade. A comunicação apresenta uma pesquisa etnográfica que tentou perceber um "mistério": a morte regular de alguns bivalves cultivados no Parque Natural da Ria Formosa, Algarve. Este mistério, que tem sido construído como problema ambiental, enigma científico, dilema administrativo e pequeno drama social, parece ser foco de controvérsia entre autoridades técnicas locais, órgãos de gestão dos recursos naturais, investigadores, e profissionais do sector e populações leigas. O sentido desta etnografia, porém, é outro. Questiona-se então o interesse de tratar esta incerteza como disputa de conhecimentos diferenciados, em que os profissionais leigos teriam um défice de conhecimento científico, ou as autoridades técnicas um défice de conhecimento local. Em vez de apontar as identidades sociais envolvidas na controvérsia – e pô-las a explicar a controvérsia –, a ideia é descrever especificamente quando e como essas identidades são preferidas, activadas e demonstradas; e como a própria controvérsia é criada e afirmada enquanto tal nestes processos. Nos estudos sobre a ciência, os temas da escrita, da retórica e das inscrições científicas têm constituído um dos focos de interesse mais produtivos. Esta comunicação revisita este enfoque. O propósito é reconsiderar a materialidade das relações entre crânios, inscrições e categorias raciais tomando como ponto de partida as colecções científicas de restos humanos, obtidas para fins antropológicos na transição do século XIX para o século XX. Com base em observação documental e em trabalho de terreno em museus contemporâneos, proponho investigar as ‘paisagens de traços’ formadas pelas ligações entre crânios e palavras nas organizações museológicas. Nestas paisagens, múltiplas modalidades destas ligações são visíveis: etiquetas, ficheiros de registo, bases de dados, anotações manuscritas, etc. Prestarei particular atenção a uma destas modalidades: inscrições de identidades raciais efectuadas a tinta-da-china sobre a própria superfície das ossadas. A comunicação explora o papel dos cientistas na construção dos regimes fascistas italiano e português. Para tal, analisam-se as relações entre práticas científicas e políticas de autarcia promovidas pelas juntas e federações que formavam a estrutura institucional dos Estados Novos corporativos em ambos casos. A narrativa da transformação do trigo em objecto destacado dos trabalhos dos geneticistas italianos e portugueses permite discutir a relevância do trabalho levado a cabo no interior dos laboratórios para as grandes transformações de paisagem promovidas pela Battaglia del Grano e pela Campanha do Trigo. A comunicação segue as trajectórias das novas sementes de trigo, desde os espaços controlados das Estações Agronómicas até aos campos de cultivo dos agricultores alentejanos ou do Vale do Pó. Além disso, não se limita a uma comparação estática entre os casos italiano e português, preferindo antes destacar a circulação de artefactos tecnocientíficos, neste caso sementes, entre ambos países. Trata-se assim de colocar as novas formas de trigo desenvolvidas pelos geneticistas em lugar destacado no processo histórico de institucionalização do fascismo. A Bimby é um robot de cozinha que promete revolucionar o modo como cozinhamos e aprendemos a cozinhar. Trata-se de um processador de alimentos multifuncional que, apesar do seu custo avultado, tem ganho grande entusiasmo. Estimativas apontam para a existência em Portugal de 80.000 pessoas que já adquiriram esta máquina (Diário de Notícias, 11 de Janeiro de 2009). Só em 2008, 28500 novos clientes juntaram-se ao grupo de entusiastas da Bimby (auto-denominados ‘bimbólicos’). Numa época em que aumentam as preocupações com o declínio das técnicas culinárias é surpreendente o entusiasmo em torno dos usos desta tecnologia, que transforma cozinheiros desastrados e inexperientes em notáveis chefes de cozinha. As práticas divinatórias e curativas moçambicanas são, tal como aquelas que se lhes assemelham, habitualmente vistas como actividades com princípios e visões do mundo deterministas. Defendo que, de facto, não o são. A sua lógica segue, antes, os princípios do caos determinístico, segundo os quais os resultados dessas práticas são incertos devido à complexidade, mutabilidade e agência dos factores sociais envolvidos: as conclusões ‘exactas’ de uma sessão de adivinhação não são o futuro, mas as condições mutáveis que, no presente, condicionam os acontecimentos futuros; e o tratamento ‘correcto’ não implica automaticamente a cura, pois também esta depende de negociações sociais. Por essa razão, embora os seus clientes costumem esperar deles que controlem a incerteza, é um dever ético dos adivinhos-curandeiros clarificar as limitações práticas do seu tipo de conhecimento, enquanto guia da acção sobre a realidade. A natureza dessas limitações é, de facto, semelhante às que são enfrentadas pela gestão de sistemas tecnológicos hiper-complexos, ou pela análise probabilística de riscos. Contudo, estas últimas actividades permitem ou estimulam uma imagem pública que as apresenta como se fossem deterministas e tivessem um controlo eficaz sobre a incerteza – provocando efeitos negativos em termos cognitivos, políticos e de segurança. Sustento que esta situação é perigosa e irracional. Sugiro que os especialistas de risco e os gestores de tecnologia deveriam aprender algo com a posição epistemológica humilde dos arrogantes adivinhos moçambicanos – e partilhá-la. Esta comunicação explora a noção da mobilidade internacional dos cientistas como pretexto para estudar a intersecção entre diferentes níveis de análise em sociologia da ciência: os sistemas científicos, as carreiras científicas, a prática científica. |