Seminário internacional
Representações da Violência
19 de Setembro de 2008, 9:00, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Anfiteatro IV (5º piso)
Resumos
Gerry Kearns
(Geografia, School of Public and International Affairs, Virginia Polytechnic Institute, Blacksburg VA)
Violence, Globalization, and the Agency of Diaspora
Violence has had a complex relationship with the diasporic politics. Representations of violence are integral to many of the exile narratives around which diasporic movements often constitute themselves. Furthermore, spectacular violence is newsworthy in a way that enables events to travel. In this sense communication within the diaspora often takes the form of spectacular violence reported in third-party media. This has serious consequences for both the tactics and the utopian projects of disaporic movements. I will illustrate these points by considering the funerals of Jeremiah O'Donovan Rossa 1915 and its relations with the Fenian movement, the Irish Revolution of 1916, and the nature of the Irish Free State established in 1922.
José Manuel Pureza
(Relações Internacionais, Centro de Estudos Sociais)
A Turbulência das Zonas de Fronteira: Estereótipos, Representações e Violências Reais
As zonas de fronteira e o excedente de vida encarnam o mesmo tipo de desafio que se coloca aos componentes dominantes das formações sociais, em escalas diferentes. Ambos tendem a ser representados como realidades desviantes em que é necessário intervir para que regressem à normalidade. A "turbulência" é, assim, o elemento chave da sua representação e o "desenvolvimento" é, por isso, a política dominante posta em prática pelos actores dominantes como estratégia de inclusão/normalização. Nesta comunicação, tentarei fazer um mapa das violências presentes tanto na representação destas diferentes periferias (turbulência) como nas políticas públicas dominantes que pretendem lidar com o desafio por elas colocadas (desenvolvimento).
Maria José Canelo
(Estudos Literários e Culturais, Centro de Estudos Sociais)
Dominar o Medo e Controlar a Violência: A Segunda Guerra Mundial na Revista Norte-Americana ‘Common Ground’
Este trabalho examina representações da violência na revista Common Ground, publicada nos Estados Unidos no período da guerra, entre 1940 e 1949, com o apoio do Common Council for American Unity. Uma revista crítica de referência na sua época, Common Ground dedicou-se profundamente à causa da manutenção da unidade e da paz na frente civil. Na sua combinação original de literatura e crítica cultural e social, a revista desenvolveu debates bastantes progressistas acerca de questões como a raça, a imigração, a cidadania, o preconceito, a discriminação e os direitos civis. Mas a forma como Common Ground privilegiava o tema da integração social demonstra que o seu interesse em matérias de conflito visava, em última análise, a neutralização da violência e da desordem. Isto pode explicar por que é que Common Ground foi o primeiro comentador público do controverso programa de detenção da comunidade de origem japonesa nos EUA, mas, mais tarde, manteve um silêncio inquietante acerca de Hiroshima e Nagasaki. Esta análise propõe-se identificar algumas das estratégias de contenção e controlo da violência, ou como a ideia da ‘good war’ toma forma em Common Ground.
Adriana Bebiano
(Estudos Literários e Culturais, Centro de Estudos Sociais)
Cicatrizes e Feridas: a Ficção Contemporânea Perante o Passado
O revisionismo histórico assume muitas formas. A aproximação entre historiografia e literatura, a que presentemente se assiste, confere à representação literária autoridade e poder na figuração de verdades e na questionação do conhecimento consagrado sobre o passado. Este processo de revisão das narrativas herdadas, também ele marcado por apagamentos e reescritas, necessita de análise e reflexão. No caso de países com um passado colonial, como Portugal e a Irlanda – um, enquanto potência colonizadora, o outro enquanto colónia – as narrativas pós-coloniais merecem particular atenção.
Nesta comunicação procurarei identificar padrões de representação da violência nas ficções contemporâneas irlandesa e portuguesa, procurando identificar a persistência de velhos modos e formas retóricas – com particular incidência no heróico, seja na narrativa da conquista seja na narrativa da resistência ao poder colonial, fortemente marcado por políticas identitárias e tendendo a tornar atraente e mesmo erótica a violência – e à emergência de figurações que subvertem esta retórica, procurando ultrapassar binarismos redutores e a simples inversão de papéis entre carrascos e vítimas.
Isabel Capeloa Gil
(Estudos Literários e Culturais, Universidade Católica de Lisboa)
Odeia O Teu Próximo! O Inimigo Interior em In the Valley of Elah de Paul Haggis
Esta comunicação pretende discutir a representação do inimigo como premissa chave tanto na teoria como na representação da guerra e analisar o filme de Paul Haggis No vale de Elah como sintomático de um contra-discurso à noção clássica de inimizade. Partindo dos conceitos de inimigo como hostis (inimigo público) e inimicus (inimigo privado), a comunicação irá abordar as dialécticas da diferença que estão na base da colisão entre agrupamentos colectivos na guerra e discutir como esta estrutura de antagonismo se repercute na esfera privada, figurada na chamada frente interna ou no regresso do soldado a casa. Embora repetindo a tradição crítica de Hollywood na representação do regresso da guerra, considero que o filme de Paul Higgins apresenta uma re-visão visual da própria estrutura do antagonismo, da construção antropológica da inimizade e da sua dependência da diferença, ao mesmo tempo que revela a identidade como fonte de violência descontrolada. Neste ponto o filme ecoa propostas teóricas pós-estruturalistas como as de Slavoj Zizek e Samuel Weber, que, juntamente com Carl Schmitt, constituem o pilar teórico desta apresentação.
António Sousa Ribeiro
(Estudos Literários e Culturais, Centro de Estudos Sociais)
Uma Ética da Violência? Modos do Discurso Satírico na Modernidade
Um dos aspectos centrais da emancipação da dissonância que caracteriza a estética do modernismo está no recurso retórico a figuras da violência. Não se trata já do problema da representação da violência, mas sim da violência como modo de representação. Liberta da necessidade de uma justificação transcendente, a violência oferece ao artista um instrumento de afirmação vanguardista e justifica‑se a si própria como modo necessariamente agressivo de demarcação de fronteiras relativamente aos paradigmas estabelecidos. Neste contexto, a dimensão satírica adquire com muita frequência um relevo especial, já que permite combinar a legitimação estética com uma argumentação no plano da ética. Percorrendo alguns contextos da modernidade, a comunicação irá abordar os aspectos mais salientes desta peculiar ambivalência.
Catarina Martins
(Estudos Literários e Culturais, Centro de Estudos Sociais)
Para Lá da Representação? Repensar a Violência na Prosa Ensaística de Expressão Alemã do Início do Séc. XX
Na ficção narrativa de expressão alemã do início do séc. XX, o ensaísmo constitui um meio de desconstruir uma modernidade racional entendida como totalitária, reguladora e violenta, e de construir outras ordens epistemológicas possíveis bem como novas narrativas do real. Estas alternativas à modernidade, concretizadas no domínio estético, centram-se no sujeito e são motivadas, em grande parte, pela necessidade de salvar um “eu irremediavelmente perdido” (Hermann Bahr). Porém, implicam também uma reflexão sobre os respectivos meios, possibilidades e limites, i.e., sobre a questão da representação. Ao mesmo tempo, nestes textos, a presença da violência é recorrente, quer enquanto “representado”, quer enquanto modo de representação. Incidindo sobre o ensaísmo e a violência, a minha comunicação partirá da famosa Carta de Lorde Chandos (1902) de Hugo von Hofmannsthal, texto basilar do modernismo vienense, para problematizar a complexidade da relação com a modernidade patente nalguns exemplos de narrativa ensaística modernista.
Júlia Garraio
(Estudos Literários e Culturais, Centro de Estudos Sociais)
Uma História "Conveniente" de Violações em Tempo de Guerra: Por que razão a Alemanha de Adenauer rejeitou “Uma Mulher em Berlim” e enalteceu “Diário Prussiano”
Em 2003, o êxito do diário anónimo Uma Mulher em Berlim foi saudado pela crítica como o fim do tabu em torno da violência sexual sofrida pelas mulheres alemãs durante e após a invasão soviética do Terceiro Reich. Os insultos de que a autora fora vítima aquando da primeira edição alemã do texto (1959) pareciam confirmar a existência de um silêncio sobre o sofrimento das mulheres dos vencidos às mãos dos vencedores. No entanto, o bom acolhimento das memórias de Hans Graf von Lehndorff Diário Prussiano (1960), texto que dá grande destaque às violações, questiona a existência do tabu, pelo menos no que diz respeito à Alemanha de Adenauer. Modos diferentes de representar e de interpretar o fenómeno da violência sexual em tempo de guerra, bem como certas premissas ideológicas essenciais à construção da identidade nacional da República Federal da Alemanha durante a "guerra-fria", são os factores que melhor ajudam a compreender as tão divergentes reacções aos dois testemunhos. Este estudo de caso pretende também elucidar como frequentemente as respostas do público aos relatos de violação traduzem sobretudo preocupações sociais, "raciais", políticas e nacionais, e não necessariamente e/ou apenas indignação perante o sofrimento feminino.
Luís Quintais
(Antropologia, Universidade de Coimbra)
Bioarte e Iconoclash
O objectivo desta comunicação é mostrar as implicações de uma certa ideia de violência – iconoclasmo, iconoclash – em algumas produções de arte contemporânea chamadas bio-arte. Seguindo Bruno Latour, poderíamos dizer que iconoclasmo é uma acção de destruição à qual podemos atribuir intenções e motivações claramente definidas, em suma, sabemos com exactidão por que esta acção é feita. Iconoclash é uma acção (de destruição?) parcial ou totalmente desprovida de um significado claro e inequívoco, isto é, e usando as palavras de Latour, iconoclash representa uma acção "para a qual não há maneira de saber, sem uma inquirição complementar, se é destrutiva ou construtiva". Esta indecidibilidade será discutida através do exemplo da obra recente da bio-artista Marta de Menezes.
Sílvia Rodríguez Maeso
(Ciências Políticas e Sociologia, Centro de Estudos Sociais)
Quem São os Sujeitos / as Vítimas da Violência? Ciências Sociais e Direito na Comissão de Verdade e Reconciliação do Peru.
A Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) do Peru foi criada em 2000 durante o governo interino que surgiu após o colapso do regime de duas décadas de Alberto Fujimori. A CVR, uma instituição financiada pelo Estado, ficou encarregada de clarificar o processo e os factos ocorridos durante o período de violência política que afectara dramaticamente o país entre 1980 e 2000, bem como apurar a responsabilidade de grupos subversivos e de agências estatais. A Introdução do Relatório Final (RF), tornado público em Agosto de 2003, mostra como a CVR entendeu o conceito de verdade. A verdade é entendida como um relato fidedigno “eticamente articulado, apoiado cientificamente, avaliado inter-subjectivamente, construído como uma narrativa, carregado emocionalmente e aperfeiçoável”.
Nesta comunicação centrarei a minha atenção num destes significados: enquanto relato apoiado cientificamente, a CVR deu um papel central a cientistas sociais, historiadores e juristas, um papel que sempre foi significativo na representação e interpretação do conflito armado interno do Peru. Seguindo o trabalho de Luc Boltanski, considero a CVR como um processo político onde a representação da violência segue a lógica de um regime de justiça – Indignação, Denúncia e Acusação – indissociável do papel das Ciências Sociais e dos peritos em questões jurídicas. Irei abordar o modo como os peritos de ambas as disciplinas lidaram com uma persistente crise da representação da violência que tem impedido uma articulação bem sucedida entre a denúncia de violações dos direitos humanos – a identificação de vítimas/executores de violência – e a análise política e histórica – a construção de narrativas nacionais e locais para interpretar o passado.
A minha análise contempla três questões principais que afectaram o papel dos cientistas sociais e juristas e as suas representações da violência: (i) a localização do Sendero Luminoso como actor de violência no discurso dos direitos humanos; (ii) o fosso entre regimes nacionais e locais de justiça; e (iii) a tensão entre um papel central e um papel marginal do Estado no que diz respeito à administração da justiça.
Roberto Vecchi
(Estudos Literários e Culturais, Universidade de Bolonha)
Espaço e Violência no Tempo de Abandono
É bastante evidente que a excepção como um "tipo" de exclusão mais complexa opera geralmente com categorias espaciais, desenhando uma topografia que dá uma forma ao poder e à violência do seu exercício. Recorrendo ao conhecido paradigma de soberania Schmitt-Agamben, temos de ter em conta que o conflito no estado de emergência – a inclusão da excepção na ordem jurídica – consiste sobretudo numa disputa do locus baseada no tenso contraponto localização e deslocação.
As presentes reflexões abordam a possibilidade de encontrar um tempo residual – poderíamos defini-lo como "tempo de abandono" – que é sempre passível de ser detectado na situação de excepção, um modo de repensar a excepção não apenas como uma definição espacial, mas dentro de uma relação "cronotópica", como um instrumento decisivo e moderno de produção de violência.
O estudo de caso que analisarei será o espaço "heterotópico" da prisão enquanto observatório privilegiado das relações de violência institucional. De facto, a experiência prisional permite delinear um novo tipo de pensamento – "a sabedoria da cela", como é chamada por Carl Schmitt, e para cuja configuração Gramsci, na obra aberta dos Quaderni del Carcere, contribui decisivamente – de deconstrução dentro do complexo mecanismo dos instrumentos de violência e do trabalho de excepção.
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