English |
|
|
Luis Carlos Arenas A luta contra a exploração petrolífera no território U’wa: estudo de caso de uma luta local que se globalizou
Introdução «Eu pensava que estávamos sós, mas não é assim. Tenho ido a vários países onde já estava escrito o nome dos U’wa» (Berito Kubaru’wa, líder U’wa). Desde 1993 que a pequena comunidade indígena U’wa da Colômbia se tem oposto, com sucesso, a que a multinacional norte-americana Occidental Petroleum Corporation proceda à exploração petrolífera no seu território ancestral. O conflito em torno da questão do petróleo teve início em finais de 1991 quando a Occidental e outras companhias associadas obtiveram, por parte do Estado colombiano, os direitos de prospecção e exploração do chamado «Bloque Samoré», uma ampla faixa de terreno que atravessa parte do território ancestral destes indígenas nas serras secundárias da Cordilheira Oriental da Colômbia, habitada desde tempos imemoriais pelo povo U’wa. As companhias petrolíferas começaram a invadir o território deste povo em 1992 e os primeiros protestos públicos dos U’wa ocorreram em inícios de 1993; porém, a sua oposição à exploração petrolífera apenas alcançou notoriedade a nível nacional em 1995, quando a então recentemente criada Defensoría del Pueblo levou a queixa dos U’wa contra as companhias petrolíferas perante as mais altas magistraturas nacionais. A partir de então, a publicidade sobre o caso tem vindo a manter-se e, inclusivamente, já ultrapassou as fronteiras nacionais com uma força inusitada. Com efeito, por várias razões que analisaremos adiante, desde 1997 o caso U’wa não tem deixado de estar presente em distintos encontros internacionais, revelando-nos de forma insuspeita muitas das actuais dimensões, potencialidades e limites dos processos contemporâneos de globalização. Um aspecto importante que atravessa este conflito entre as empresas petrolíferas, o Governo colombiano e a comunidade U’wa tem a ver com as mudanças legais a nível internacional e nacional referentes aos direitos dos povos indígenas: 1) o Convénio 169 da Organização Internacional do Trabalho que estabeleceu um novo quadro internacional e nacional de regulamentação para os povos indígenas; 2) em 1991 assistiu-se na Colômbia a uma profunda mudança constitucional que, entre muitas outras alterações, consagrou uma ampla protecção aos direitos dos povos indígenas. Como veremos posteriormente, o conflito sobre a exploração petrolífera em território dos U’wa fará uma permanente referência a estes dois importantes instrumentos legais. O «caso U’wa» transformou-se num símbolo de um vasto grupo de lutas contemporâneas na Colômbia e além fronteiras. Actualmente, a luta dos U’wa é um símbolo plural, quer para os movimentos indígena, ambiental e dos direitos humanos, quer para o movimento contra as empresas multinacionais. Como é que uma comunidade indígena que havia permanecido isolada e esquecida durante tantos anos conseguiu chegar a ser o centro da atenção mundial? Porque é que o caso U’wa terá sido tão atractivo para activistas tão diversos e para os meios de comunicação de massas? Que podemos aprender com esta luta local que conseguiu globalizar-se? Como se terá transformado num símbolo na luta contra a globalização hegemónica? São estas algumas das interrogações que trataremos de abordar neste capítulo.
1. As lutas sociais além das fronteiras nacionais Muito embora o estudo sobre formas de acção colectiva além das fronteiras nacionais seja uma área académica nova, nos últimos cinco anos foram publicados vários trabalhos centrais sobre o tema. Porém, é comum encontrarmos na referida bibliografia uma permanente confusão em relação ao papel e a interacção dos movimentos de base e as redes de organizações não governamentais (ONGs) no processo de construção dessas formas colectivas de lutas transnacionais. Não restam dúvidas de que as ONGs têm sido os actores mais visíveis, com um papel muito importante no processo de globalização das lutas sociais. Contudo, não são os únicos actores e muitas vezes nem são sequer os mais importantes. Antes pelo contrário, existem experiências ricas e diversificadas de lutas locais que, por múltiplas razões, conseguiram estabelecer vínculos internacionais que contribuíram para modificar o jogo de poder através das suas lutas concretas. Para avaliarmos, na sua totalidade, as referidas lutas locais precisamos centrar a nossa atenção para além das ONGs internacionais. Não estamos a insinuar que exista uma contraposição entre as duas; pelo contrário, o que os casos de sucesso das lutas sociais onde existe um vínculo local-nacional-global demonstram é a presença de uma interacção dinâmica entre elas; nesse sentido, o caso U’wa é paradigmático, como Boaventura de Sousa Santos defende (Santos, 2001: 201). A existência de ONGs internacionais - o que Keck e Sikking (1998) denominam «redes de promoção» e Smith et al (1997) «movimentos sociais transnacionais» - facilita o processo de transnacionalização das lutas sociais, mas nem todas ficam abrangidas, nem, muito menos, são substituídas (Evans, 2000). Porém, o êxito e o potencial emancipatório das lutas sociais transnacionalizadas depende em boa parte do trabalho de organizações locais que tecem e recriam diariamente a «ligação à terra» de uma luta social concreta, como veremos neste capítulo sobre os U’wa. Um dos paradoxos com que se defronta qualquer luta social que ultrapassa as fronteiras nacionais é a permanente tentação em que vivem as ONGs internacionais de substituírem os grupos locais e a permanente tentação de muitos analistas em tornarem invisíveis as referidas lutas locais. Uma perspectiva solidária-emancipatória deve sempre procurar elevar o potencial de êxito das lutas locais com acções a nível transnacional, garantindo sempre que o poder decisório sobre o rumo da luta se mantenha nas mãos das organizações locais. Uma vez mais, o potencial emancipatório destas lutas manifesta-se também na criação de relações de solidariedade horizontais Norte-Sul ou Sul-Sul, procurando que não sejam reproduzidos condicionalismos, subordinações ou relações verticais. De outra forma, o seu potencial emancipatório seria extraordinariamente reduzido. Como veremos, o caso U’wa é um bom exemplo do sucesso que pode ser obtido quando existe um alto grau de interacção entre ONGs internacionais, organizações sociais e, neste caso, autoridades tradicionais da comunidade U’wa que, sem dúvida, continuam a manter o poder de decisão sobre o rumo da sua luta apesar do alto grau de transnacionalização atingido. Um argumento adicional acerca da importância de analisarmos com mais detalhe a evolução local dos conflitos sociais que estabelecem relações transnacionais refere-se ao facto de que o actual processo de globalização hegemónica está a produzir importantes transformações a nível global e nacional. Dessas mudanças derivou a criação de novas instituições ou a transformação das já existentes, como é o caso das actuais reformas nos sistemas de justiça, a tendência para serem criados gabinetes de «Defensores do Povo» e a adopção do «constitucionalismo multicultural» na América Latina (Van Cott, 2000) ou a adopção do Convénio 169 da Organização Internacional do Trabalho. No quadro dos processos de globalização contemporâneos, qualquer luta social apresenta o potencial de ultrapassar os limites das fronteiras nacionais. O caso U’wa mostrar-nos-á uma das formas específicas que a luta adopta. Porém, gostaria de centrar a atenção em situações distintas que permitiriam a criação de acções colectivas fora das fronteiras nacionais. As lutas sociais, em geral, procuram exercer influência sobre os poderes de decisão (sobre o todo ou sobre uma parte) para modificar condições sociais que se consideram injustas ou prejudiciais (ou potencialmente injustas ou prejudiciais) por parte de quem lhes está sujeito ou de quem se mostra preocupado com a possibilidade de lhes vir a estar sujeito. Identifico pelo menos duas situações distintas em que as lutas sociais têm o potencial emancipatório de gerar acções colectivas transnacionais. A primeira situação surge quando o poder de decisão sobre um assunto concreto está nas mãos de um governo nacional ou de uma instituição estatal. Quando a mobilização social ou as acções a nível nacional não conseguem modificar a referida situação ou as instituições estatais não funcionam (por exemplo, as instituições judiciais), abre-se um leque de possibilidades para acções colectivas que ultrapassam as fronteiras nacionais por alguma das seguintes razões: (a) porque os países são signatários de convenções internacionais. Há algumas instituições internacionais na área dos direitos humanos que foram criadas para fazerem cumprir as convenções quando as instituições nacionais não funcionam. Por exemplo, as acções perante o Sistema de Direitos Humanos das Nações Unidas, ou perante os sistemas regionais de direitos humanos, como, por exemplo, o Sistema Inter-americano de Direitos Humanos. (b) porque os países têm um esquema de relações internacionais (comerciais, políticas, etc.) com outros países. Alguns países reagem quando sabem que outros estão a preocupar-se acerca de temas específicos. A segunda situação tem lugar quando o poder de decisão sobre um assunto concreto está em boa medida fora do alcance do Governo nacional. Este tipo de situação pode ser gerado pelo menos por três razões principais: (a) porque o poder de decisão se encontra nas mãos de uma instituição internacional (as instituições financeiras internacionais são em muitos casos instituições que detêm esse poder, como é o caso do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, dos bancos regionais de desenvolvimento, etc.); um dos exemplos clássicos é o estudo prático que Margaret Keck efectuou (Keck, 1998) sobre o projecto Planafloro, financiado pelo Banco Mundial no Brasil. (b) porque o poder de decisão está nas mãos de uma empresa multinacional. O caso U’wa é um bom exemplo deste tipo de situação. (c) porque o poder de decisão se encontra nas mãos de um país hegemónico, como os Estados Unidos da América. Por exemplo, as decisões acerca de manter ou não a erradicação de culturas ilícitas na Colômbia ou na Bolívia. A mudança do poder de decisão acerca de matérias mais gerais é uma das principais características do actual processo de globalização hegemónica. Neste sentido, pode-se dizer que a soberania nacional se transforma, não se dilui. O poder de decisão que os Estados nacionais têm vindo a perder deslocou-se para as instituições financeiras internacionais, para as empresas multinacionais e para os poderes hegemónicos. As lutas sociais transnacionais contribuem sem dúvida para travar ou reverter tal processo.
2. Uma abordagem ao povo U’wa Actualmente os U’wa habitam a região nordeste da Colômbia, próxima da fronteira com a Venezuela. Porém, o seu território ancestral estendia-se desde as proximidades da Serra Nevada do Cocuy, no distrito de Boyacá (Colômbia), até à Serra de Mérida na Venezuela (Osborn, 1985). Tradicionalmente os U’wa viveram e movimentaram-se dentro do seu território em três espaços diferentes em altitude: nas áreas baixas, no sopé e nas montanhas da Cordilheira Oriental dos Andes colombianos (Osborn, 1995). Durante mais de três séculos foram conhecidos pela designação Tunebos, um nome introduzido pelos conquistadores espanhóis, do qual conseguiram libertar-se há apenas uma década. A partir desse momento, num processo de crescente afirmação cultural, voltaram a usar o seu verdadeiro nome - U’wa -, que significa «as pessoas que pensam, as pessoas que sabem falar». Os U’wa são um povo muito cerimonioso que, através das canções, relatam e recriam o seu próprio sistema de pensamento. As canções complementam-se com os seus rituais e estrutura de relações sociais. Os U’wa são uma sociedade «muito flexível e descentralizada» (Osborn, 1985: 27) que, segundo os seus textos míticos, estava formalmente dividida em oito grupos. Alguns desses grupos já desapareceram. O grupo mais tradicional é o dos Kubaru’wa. Todos os grupos falam a mesma língua, Uw’aka, que significa «a alma das pessoas» (Osborn, 1985: 26). A sua linguagem é muito flexível e cada grupo tem as suas próprias variações, existindo variações adicionais em cada grupo entre a linguagem falada e a linguagem cerimonial. 2.1. O processo moderno de organização social entre os U’wa O processo moderno de organização social entre os U’wa seguiu um caminho paralelo ao do moderno movimento indígena colombiano, isto é, desde princípios dos anos 70 os U’wa começaram a criar organizações sociais para lutar pelos seus direitos. Em 1974, criaram o «Comité Pró-Indígena da Colômbia - Sarare» (Mesa Cuadros, 1996: 171). Em 1976, num trabalho conjunto com os camponeses da região, os líderes U’wa criaram a primeira associação U’wa, a Asociación Tunebo (ASOCTUNEBO). Os líderes da ASOCTUNEBO, como muitas comunidades indígenas em processo de organização nessa época, foram acusados de esquerdismo e perseguidos por latifundiários, políticos locais pertencentes aos partidos tradicionais e Exército. Ao mesmo tempo, alguns sacerdotes católicos promoveram uma organização U’wa paralela, denominada Organización Tunebo (OTUN), que alguns U’wa consideraram como uma forma de serem enganados pelos sacerdotes católicos (Mesa Cuadros, 1996: 172) e que apenas conseguiu sobreviver durante dois anos porque os seus membros foram também perseguidos e afastados (Berichá, 1992: 28). No início da década de 80, alguns líderes U’wa decidiram criar conselhos, uma forma de organização indígena promovida pelo Conselho Regional Indígena do Cauca (CRIC), a mais importante organização indígena da altura. Em 1984, os representantes da maior parte das comunidades U’wa formaram o Conselho Tunebo. Em 1986, os U’wa participaram pela primeira vez num congresso indígena nacional, o segundo Congresso da Organização Nacional Indígena de Colômbia (ONIC) (Mesa Cuadros, 1996: 172). Entre 1987 e 1989, com o apoio e orientação da ONIC, os U’wa criaram a Organización Tunebo del Oriente Colombiano (OITOC). Até esse momento as autoridades tradicionais não tinham estado representadas nas organizações criadas a partir de finais da década de 70; foi por essa razão que a comunidade U’wa iniciou um processo interno de diálogo com as suas autoridades tradicionais acerca da melhor designação para representar toda a comunidade indígena. Em 1990, após um intenso debate interno, chegou-se finalmente a um consenso para se identificarem como U’was e mudar novamente o nome da organização. Assim, o nome de OITOC foi mudado para ORIWOC, Organización Regional Indígena U’wa del Oriente Colombiano. O acordo final sobre o nome da organização, mudado legalmente em 1994, foi Asociación de Cabildos y Autoridades Tradicionales U’wa ou Cabildo Mayor U’wa. 2.2. A luta dos U’wa pela terra Por volta de 1940, os U’wa começaram a perder as suas terras para as mãos de camponeses que procuravam colonizar a região do Sarare, que se tinha convertido na última fronteira do seu território ancestral. Como é evidente, o processo de colonização foi reduzindo lentamente o tamanho do território. Contudo, as relações entre os U’wa e os camponeses nunca foram problemáticas (Rucinque, 1972: 46). A partir de 1970, os U’wa começaram a reclamar as suas terras e a criação de uma reserva (Osborn, 1982: 8); alguns Kubaru’wa viajaram até Bogotá para discutirem o assunto com funcionários governamentais (Osborn, 1982: 8-9). Em 1974, o Instituto Colombiano da Reforma Agrária (INCORA) criou uma reserva especial de 45.440 hectares para os U’wa, dentro da jurisdição do município de Cubará (Boyacá), em território dos clãs Kubaru’wa, Kaibaká e Tagrinu’wa. Em 1979, o INCORA criou a reserva especial Tauretes-Aguablanca com 8.000 hectares. Finalmente, em 1987, o INCORA criou o primeiro resguardo U’wa, denominado Resguardo Cobaria-Tegria-Bokota-Rinconada, com uma extensão total de 61.115 hectares (incluindo as terras da reserva anterior e 15.675 hectares adicionais). Em 1992, a ONIC e os U’wa organizaram uma equipa de reorganização territorial com a tarefa de reconstruir os limites históricos do território U’wa e com a intenção de criar no futuro uma entidade territorial como tinha ficado estabelecido na Constituição Política colombiana de 1991. Daqui nasceu a ideia de construir o Resguardo Único U’wa (IDEADE et al, 1996: 8). Em 1993, os U’wa solicitaram ao INCORA que autorizasse a criação do Resguardo Único U’wa que uniria as comunidades U’wa que habitam nos distritos de Boyacá, Santander e Norte de Santander. O pedido coincidia com o início da prospecção de petróleo por parte da Occidental Petroleum através de empresas subsidiárias. À medida que o tempo foi passando, a comunidade U’wa foi-se apercebendo de que o petróleo poderia vir a constituir um obstáculo para o sucesso das suas aspirações territoriais. Entre os meses de Agosto de 1995 e Outubro de 1996, o Instituto de Estudos Ambientais para o Desenvolvimento (IDEADE) da Pontifícia Universidade Xavierana liderou um grupo de instituições que concluiu os estudos necessários para identificar o território U’wa e para estudar a viabilidade social e ambiental da proposta. A Asociación de Cabildos y Autoridades Tradicionales U’wa participou activamente na elaboração desse estudo.
3. A oposição dos U’WA à exploração petrolífera: o cenário nacional 3.1. O contrato petrolífero e os primeiros contactos da Occidental Petroleum com os U’wa A partir do final de 1991, a empresa estatal colombiana de petróleo - ECOPETROL - celebrou «contratos de associação» (50-50) com diversas companhias petrolíferas para perfurar e explorar o denominado Bloque Samoré. Entre 1992 e 1993, a Occidental Petroleum e a Shell adquiriram parte das acções sobre o Bloque Samoré. A partir desse momento, possuíam cada uma 25% dos direitos do contrato e a ECOPETROL os restantes 50%. A 14 de Maio de 1992, a Occidental Petroleum solicitou uma licença ambiental ao Instituto Nacional de Recursos Naturais Renováveis (INDERENA) para dar início às actividades de exploração petrolífera na zona do Bloque Samoré. Ao mesmo tempo, esta companhia, através de uma das suas empreiteiras, iniciou actividades geológicas dentro do território U’wa (Project Underground, 1998: 27). É possível que a primeira denúncia pública feita pelos U’wa contra actividades relacionadas com o petróleo dentro do seu território tenha sido a denúncia apresentada contra a companhia Grand Tensor, a 31 de Março de 1993, por ter iniciado actividades de análise sísmica sem a devida autorização (Mesa Cuadros, 1996: 174). Naquela data os U’wa afirmaram o seguinte: A companhia Grand Tensor iniciou as explorações no Território Tradicional U’wa e, embora no mês de Janeiro de 1993 tivesse celebrado uma reunião connosco na qual se comprometeu a respeitar os limites do Resguardo e da Reserva indígenas constituídos, nós, as comunidades U’wa, reafirmamos a nossa rejeição relativamente a qualquer tipo de estudo ou intervenção nos recursos naturais da nossa terra. [...] Estamos contra a exploração porque: 1. A terra tem cabeça, braços e pernas e o território U’wa é o seu coração, é a asa que sustém o Universo; se perder o seu sangue não poderá continuar a dar vida ao resto do corpo. O petróleo e os restantes recursos naturais são o seu sangue, por isso temos de cuidar deles (Comunicado U’wa, 31 de Março de 1993). Entre 1993 e 1995, a Occidental Petroleum desenvolveu programas de abordagem à comunidade U’wa, enfatizando os benefícios provenientes dos investimentos da multinacional naquela área, tais como programas de saúde, educação, vias de comunicação, etc. (Project Underground, 1998: 27). Aproveitando o facto de nenhuma entidade governamental estar presente, a Occidental Petroleum tentou de muitas formas que os membros da comunidade U’wa assinassem documentos aprovando e aceitando o projecto petrolífero no seu território. Ao mesmo tempo, a multinacional realizou diversas acções que acabaram por dividir a comunidade entre alguns membros a favor, de um lado, e, do outro, as autoridades U’wa e a maior parte da comunidade que desde o início se lhe opôs. 3.2. O conflito relativo ao processo de consulta prévia nas instâncias administrativas A 1 de Novembro de 1994, o Cabildo Mayor U’wa enviou uma carta à Direcção Geral de Assuntos Indígenas (DGAI) expressando a sua oposição ao projecto petrolífero e solicitando a realização de uma reunião com esta entidade para discutir o assunto (Jimeno Santoyo, 1995: 8). A DGAI elaborou um documento com critérios gerais para o processo de diálogo com os U’wa, que foi tornado público no dia 22 de Dezembro de 1994, após uma reunião com os Ministros do Meio Ambiente e das Minas e a ECOPETROL (Jimeno Santoyo, 1995: 7), tendo-se ainda marcado uma reunião a realizar nos primeiros dias de Janeiro de 1995 na cidade de Arauca, distrito de Arauca. Neste documento, a DGAI ressaltava que era necessário que a Occidental Petroleum e o Governo colombiano tentassem proporcionar aos U’wa «uma ampla informação e uma efectiva comunicação intercultural». Adicionalmente, a DGAI defendeu que o povo U’wa terá de considerar autonomamente os diferentes aspectos do projecto proposto e expor a suas conclusões ao Governo nacional através das entidades competentes (Ministério da Administração Interna - DGAI) que emitirão opinião sobre a consulta e farão as recomendações pertinentes (Jimeno Santoyo, 1995). A DGAI realçou duas preocupações fundamentais em relação ao projecto: a primeira referia-se à inexistência de um estudo sobre os possíveis impactos ambientais e culturais do projecto; e a segunda, relacionava-se com o severo impacto que anteriores projectos nacionais tinham tido na vida dos U’wa (Jimeno Santoyo, 1995). Alguns dias antes da reunião de Arauca, os U’wa realizaram o Terceiro Congresso U’wa no Chuscal, Boyacá. Nesse Congresso, os U’wa afirmaram que a Occidental Petroleum nunca tinha estado presente nas suas assembleias colectivas ou congressos e em relação ao estudo sísmico concluíram que «nós, as comunidades indígenas da etnia U’wa, não tínhamos conhecimento de que existia esse projecto». A assembleia acrescentou, «no nosso território tiveram lugar reuniões de Assembleias e Congressos e a Oxy nunca esteve presente. Falam apenas com alguns membros U’wa e a maior parte da população nem os conhece» (Centro de Bienestar Indígena, 1995). A reunião de Arauca realizou-se com a participação dos Ministros de Minas e Energia, do Meio Ambiente, a DGAI, a Occidental Petroleum e os U’wa. Na acta da reunião registou-se: «Há unanimidade para começar a estudar, com a participação das autoridades U’wa, as modificações ao projecto sísmico de Samoré». A reunião concluiu que se criaria uma comissão intercultural, integrada pelo Cabildo Mayor U’wa, a DGAI e a Occidental Petroleum, com a finalidade de reconhecer os terrenos onde o projecto teria lugar e os terrenos onde estão localizados os resguardos e as reservas indígenas (DGAI, 1995). Porém, no dia 3 de Fevereiro de 1995, o Ministro do Meio Ambiente (através da resolução n.º 110) concedeu à Occidental Petroleum a licença ambiental. A decisão surpreendeu a todos. A segunda reunião, marcada para continuar as discussões da primeira, teve lugar a 21 de Fevereiro de 1995, tal como previsto. Os representantes U’wa presentes na reunião protestaram porque a licença havia sido concedida sem o respectivo processo de consulta (Tribunal Constitucional, 1997). Nessa reunião, «alguns representantes das comunidades indígenas expressaram a necessidade de não se comprometerem com nenhum acordo sem serem previamente consultadas as suas respectivas comunidades» (Ministerio de Medio Ambiente, 2000). Após as consultas, os U’wa tornaram público um comunicado que teria um impacto inusitado a nível nacional e internacional. Nós, o povo indígena U’wa, perante a morte certa, pelo facto de perdermos as nossas terras, pelo extermínio dos nossos recursos naturais, pela invasão dos nossos lugares sagrados, pela desintegração das nossas famílias e comunidades, pela imposição do silêncio aos nossos cantos e pelo desconhecimento da nossa história, preferimos uma morte digna, própria do orgulho dos nossos antepassados que desafiaram o domínio dos conquistadores e missionários: o suicídio colectivo das comunidades U’Wa [ênfase nossa] (Comunicado U’wa, 1995). A DGAI levou muito a sério a ameaça de suicídio colectivo e, através de um comunicado de imprensa, datado de 4 de Maio de 1995, indicou: É certo que as características de vida e cultura, e as condições sociais actuais do povo U’wa são especiais, no que se refere às suas diferenças face à sociedade nacional e regional e aos riscos para a sua sobrevivência como grupo étnico que qualquer contacto com agentes da sociedade nacional implica (DGAI, 1995). Finalmente, a DGAI realçou que as condições estabelecidas na reunião de Arauca ainda não se tinham cumprido, e que, «portanto, a Direcção Geral dos Assuntos Indígenas considera que actualmente não há base legal actual para actuar no território U’wa» (DGAI, 1995). 3.3. O conflito relativo ao processo de consulta prévia nas instâncias legais: a primeira ronda (Agosto de 1995 a Março de 1997) A 22 de Agosto de 1995 a «Defensoría del Pueblo», em apoio aos U’wa, apresentou duas acções distintas contra a licença ambiental outorgada pelo Ministério do Meio Ambiente. Uma vez que a decisão que expediu a licença ambiental foi uma decisão administrativa, a Defensoría del Pueblo apresentou uma acção de nulidade perante o Conselho de Estado, a instância mais elevada dos tribunais administrativos na Colômbia. Contudo, como o principal objectivo das acções legais era evitar um dano irreparável ao povo U’wa, a Defensoría del Pueblo também recorreu a uma acção extraordinária, a de tutela, como um mecanismo de protecção rápido e transitório. Desta forma, a disputa legal do caso U’wa começava o seu percurso por duas vias legais distintas. A acção de tutela foi apresentada perante o Tribunal Superior de Bogotá. Após vinte dias, o Tribunal decidiu em favor do demandante. O Tribunal defendeu que cada grupo indígena deveria ser o reitor autónomo do seu próprio destino e que um tribunal não podia decidir em vez dos indígenas e a comunidade U’wa exprimiu «a sua radical oposição» ao projecto, «inclusivamente com o anúncio da sua decisão de se autoeliminarem colectivamente» se as actividades de prospecção sísmica se desenvolvessem dentro dos seus territórios. Como resultado, o Tribunal concordou com o argumento do demandante de que «uma das causas que o moveu a exercer a acção de tutela em defesa do povo indígena U’wa foi o direito deste à vida» (Tribunal Superior de Bogotá, 1995). Finalmente, o Tribunal concluiu que a decisão administrativa do Ministério do Meio Ambiente atentou contra o direito à vida dos U’wa, porque «não tem em conta a vontade do mesmo» e foi «precipitado», porque apanhou de surpresa inclusivamente os próprios funcionários da DGAI. Para reforçar a sua argumentação, o Tribunal lembrou que a consulta às comunidades indígenas está regulamentada por um tratado internacional adoptado pela Colômbia como lei interna. O Tribunal concluiu que a «suposta ‘consulta’» que o Ministério do Meio Ambiente havia feito não se ajustava aos propósitos da referida regulamentação. Portanto, o Tribunal decidiu declarar inaplicável a decisão administrativa do Ministério do Meio Ambiente até à «culminação desse processo de consulta na sua devida forma legal» (Tribunal Superior de Bogotá, 1995). O resultado concreto da decisão do Tribunal Superior de Bogotá foi a ordem de suspensão das actividades sísmicas dentro do território U’wa até ser realizado um verdadeiro processo de consulta. Porém, dois dias depois, a 14 de Setembro de 1995, a acção apresentada perante a jurisdição administrativa também era notícia. Com efeito, o Conselho de Estado emitiu a sua primeira decisão: aceitava a acção de tutela apresentada pela Defensoría del Pueblo e, ao mesmo tempo, rejeitava a possibilidade de serem suspensas as actividades sísmicas durante o tempo em que o caso estivesse a ser estudado, bloqueando desta forma a principal consequência legal da decisão do Tribunal Superior de Bogotá. A Occidental Petroleum e a Ecopetrol impugnaram a decisão do Tribunal Superior de Bogotá porque lhes era desfavorável. Desta forma, o processo de tutela passou em segunda instância para o Supremo Tribunal de Justiça. A 19 de Outubro de 1995, o Supremo Tribunal concluiu que a autoridade judicial competente para decidir sobre o caso era o Conselho de Estado. O Supremo Tribunal de Justiça revogou a decisão do Tribunal Superior de Bogotá sem analisar a fundo o caso. Segundo o Supremo Tribunal, as diferenças na interpretação acerca do caminho a seguir no processo de consulta prévia não constituem violação alguma em direito constitucional (Tribunal Supremo de Justiça, 1995). Em inícios de 1996, o Tribunal Constitucional, no exercício do seu poder discricionário de revisão das tutelas, decidiu seleccionar o caso U’wa para revisão. Como consequência desta decisão, dois dos mais altos tribunais colombianos estudaram simultaneamente o caso U’wa em diferentes jurisdições. Finalmente, no dia 3 de Fevereiro de 1997, um ano após o início de estudo do processo, o Tribunal Constitucional adoptou uma decisão. Como veremos, o Conselho de Estado decidiu imediatamente depois, com apenas um mês de intervalo. O Tribunal Constitucional enquadrou a discussão constitucional do caso como um conflito motivado pela exploração de recursos naturais em territórios indígenas, e a especial protecção que o Estado deve dispensar às comunidades indígenas para que estas conservem a sua identidade e integridade étnica, cultural, social e económica (Tribunal Constitucional, 1997). No que se refere à exploração de recursos naturais dentro dos territórios indígenas, o Tribunal considerou necessário buscar um equilíbrio entre o desenvolvimento económico do país, que requer a exploração dos recursos, e a preservação da integridade étnica, cultural, social e económica das comunidades indígenas, que é condição indispensável para a subsistência dos indígenas como grupo humano (Tribunal Constitucional, 1997). Assim, o Tribunal Constitucional concluiu que o direito das comunidades indígenas a preservarem a sua integridade é um direito fundamental, assim como também o é o direito a participarem nas decisões que lhes afectam, «através do mecanismo da consulta». Esta última é a via para assegurarem e tornarem efectiva a participação neste tipo de decisões. Para o Tribunal Constitucional, o direito de participação estipulado no artigo 40 (2) da Constituição Colombiana e o Convénio 169 da OIT (aprovado pela Colômbia através da Lei 21 de 1991) representam um conjunto de normas que «tendem a assegurar e a tornar efectiva dita participação» (Tribunal Constitucional, 1997). Em relação a este caso em concreto, o Tribunal Constitucional considerou que a reunião dos dias 10 e 11 de Janeiro de 1995 não configurava a consulta requerida. Em conclusão, o Tribunal estimou que o processo de expedição da licença ambiental foi realizado de forma irregular e determinou a realização de um novo processo de consulta no decurso dos trinta dias seguintes. Após terem esperado mais de um ano pela decisão, os U’wa foram muito críticos relativamente à decisão do Tribunal Constitucional: Nós, os U’wa, tivemos conhecimento, através dos meios de comunicação, do acórdão do Tribunal Constitucional. [...] Dizem que o acórdão nos é favorável, que reconhece que o Governo não nos consultou sobre o seu Projecto e que agora terá de o fazer no prazo de um mês. [...] Mas também nos dizem que este acórdão autoriza o Governo a tomar a decisão final, embora seja contra a nossa forma de pensar e contra a nossa vida. Se isto for assim, lamentamos que os senhores magistrados não tenham conseguido defender os direitos fundamentais para a integridade do nosso território, da nossa cultura e, em geral, da nossa vida, direitos que, além de estarem reconhecidos na Constituição e em normas nacionais e internacionais vigentes, são direitos ancestrais. [...] Não entendemos porque é que vamos ser consultados, se já se sabe o que é que vamos responder, que será o mesmo que temos vindo a dizer desde o princípio (Comunicado U’wa, 10 de Fevereiro de 1997). A reacção da ONIC face à decisão do Tribunal Constitucional também não mostrou muita emoção. A ONIC afirmou: «O Tribunal não é claro no fundamental: a defesa do direito à vida e à integridade cultural e à decisão do povo U’wa de não permitir a entrada das companhias petrolíferas no seu território» (ONIC, 1997: 13). E acrescentou: «Os U’wa consideram que não faz sentido ir a uma nova consulta porque, como é do conhecimento de todo o país, o seu pensamento está contra o projecto petrolífero» (ONIC, 1997: 13). As suspeitas da organização indígena foram mais além: «O Governo e a Occidental da Colômbia Inc (Oxy) acolheram o acórdão com optimismo, porque têm as suas esperanças colocadas no Conselho de Estado» (ONIC, 1997: 14). E, como referimos anteriormente, o Conselho de Estado decidiu sobre o caso um mês depois do Tribunal Constitucional. O Conselho de Estado concluiu que a licença tinha sido outorgada em cumprimento dos requisitos legais e que não era necessário um novo processo de consulta. O Conselho de Estado ressaltou que a sua decisão era a decisão final em relação a este caso. O tema principal que o Conselho de Estado analisou para chegar à sua conclusão foi o direito de participação que as comunidades indígenas têm através do processo de consulta. O que concluíram foi que o processo de consulta era um ideal que o Estado se propunha alcançar; mas que não era obrigatório. A decisão é competência do Ministério do Meio Ambiente e não da comunidade indígena. O Conselho de Estado acrescentou que as normas que regulam o processo de consulta não especificam a forma de o fazer. Assim, segundo este Tribunal, não é possível requerer da autoridade ambiental qualquer procedimento específico; é apenas necessário que um representante do Estado e um da companhia multinacional façam uma apresentação do projecto à comunidade indígena e que estes exprimam as suas opiniões sobre o assunto. Desta forma, a reunião de Arauca em Janeiro de 1995 era considerada uma «consulta» válida (Consejo de Estado, 1997).
4. O conflito U’WA-Oxy chega aos cenários internacionais Durante o primeiro semestre de 1997 o conflito U’wa-Oxy entrava simultaneamente na cena internacional através de dois caminhos diferentes. Em Maio de 1997, porta-vozes dos U’wa saíram pela primeira vez do país para apresentarem o caso a nível internacional. Ao mesmo tempo, o Governo colombiano solicitou oficialmente à Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington D. C., que interviesse no caso (Arenas, 2001). 4.1. As primeiras viagens dos U’wa aos Estados Unidos da América Em Maio de 1997, o líder U’wa Berito Kubaru’wa e alguns membros da ONIC foram convidados pelo grupo ambientalista Amazon Coalition a viajarem até aos Estados Unidos da América. Berito e os outros líderes indígenas visitaram inicialmente as cidades de Washington, Nova Iorque, Los Angeles e São Francisco. A viagem foi considerada um grande sucesso, apenas comparável ao sucesso que teve a nível nacional a «audiência U’wa pela vida». As reuniões com Berito Kubaru’wa produziram um grande impacto em organizações ambientalistas e de direitos humanos, e nas organizações indígenas dos EUA. Em Washington, Berito Kubaru’wa, juntamente com o presidente da ONIC, apresentou o caso U’wa perante a Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos (CIADH), com o apoio legal do Earth Justice Legal Defense Fund, CEJIL e da Comissão Colombiana de Juristas. Depois, Berito foi a Nova Iorque, Los Angeles e São Francisco. O sucesso da primeira visita aos Estados Unidos da América resultou num novo convite a Berito cinco meses mais tarde, em Outubro de 1997. Nessa segunda visita, Berito Kubaru’wa foi a Washington D.C., Nova Iorque, Cambridge, Los Angeles, São Francisco e Berkeley. Durante esta visita, Berito Kubaru’wa enviou uma carta aberta aos presidentes da Occidental e da Shell, onde referiu: Estou a escrever para pedir a Vossa Excelência que escute o pedido do meu povo e suspenda o seu projecto na ancestral terra U’wa. Nós temos a esperança de que Vossa Excelência irá cumprir o pedido que os U’wa lhe fazem nesta carta; não há outra coisa que Vossa Excelência possa fazer. [...] Vossa Excelência fala de negociações e consultas com os U’wa. O meu povo diz que não vai negociar. O nosso pai não nos deu autorização. Nós não podemos vender o petróleo, o sangue da nossa Mãe Terra. A Mãe Terra é sagrada. Não há nada para negociarmos, assim, por favor, não trate de nos confundir e de confundir os outros com seus oferecimentos. Por favor, escute o nosso pedido, um pedido que vem do direito ancestral em virtude de termos nascido no nosso território. Suspenda o seu projecto na terra ancestral dos U’wa. Nós, os U’wa, necessitamos de um sinal de respeito da Vossa parte (Comunicado U’wa, 20 de Outubro de 1997). 4.2. O Governo colombiano procura a mediação da OEA: o projecto ad-hoc OEA/Universidade de Harvard Em meados de 1996, o ex-Ministro da Defesa colombiano, Rafael Pardo, na época vinculado à Universidade de Harvard, entrou em contacto com um grupo de especialistas em resolução de conflitos dessa Universidade (o grupo PONSACS) e sugeriu a possibilidade de organizarem algum tipo de mediação no conflito com os U’wa (Macdonald, 1998). Um ano depois, em Maio de 1997, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Colômbia solicitou formalmente ao ex-Presidente colombiano César Gaviria, Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que fosse realizado um projecto de investigação acerca da disputa entre os U’wa e a Occidental Petroleum, tendo em conta que os U’wa tinham apresentado uma acção judicial perante a CIADH. Rafael Pardo, naquele momento funcionário da OEA, sugeriu a participação do grupo PONSACS na mediação do processo (Arenas, 2001). Como resultado, a Secretaria Geral da OEA, numa decisão sem precedentes, criou o projecto ad-hoc OEA/Harvard, sob a responsabilidade da Unidade para a Promoção da Democracia, com financiamento indirecto da Occidental Petroleum através do patrocínio que a companhia petrolífera outorga ao referido grupo da Universidade de Harvard. O grupo OEA/Harvard visitou a Colômbia em duas ocasiões e elaborou um documento com recomendações que foi apresentado perante o Governo colombiano em Setembro de 1997 (Arenas, 2001). A equipa OEA/Harvard fez oito recomendações: (1) Que a Oxy e a Shell façam uma declaração pública imediata e incondicional «comprometendo-se a suspender a execução dos seus planos para a prospecção e exploração de petróleo dentro do Bloque Samoré, como um primeiro passo no sentido de serem criadas melhores condições para qualquer eventual recomeço das actividades petrolíferas» (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). (2) A «normalização do processo para a ampliação do Resguardo U’wa», como uma maneira de eliminar a ideia de que aquele ficou detido «como uma forma de pressão sobre os U’wa» (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). (3) «Uma moderação na retórica pública», especialmente, «em qualquer menção a uma ligação entre os que se opuseram às companhias petrolíferas e a guerrilha ou o narcotráfico» (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). (4) «Reconhecimento e respeito pelo o sistema de autoridade e liderança dos U’wa». Consequentemente, se houver diferenças internas entre os U’wa «deverá ser permitido que os próprios as solucionem dentro do seu sistema de autoridade» (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). (5) «Concretização de um processo de consulta sob a responsabilidade do Governo colombiano» que deveria dividir-se em duas fases. A primeira fase num futuro próximo, e a segunda mais tardiamente. O propósito da primeira seria «chegar a um acordo com os U’wa acerca da extensão e limites geográficos do seu território; tal acordo identificaria simultaneamente a área fora da qual poder-se-ia levantar a suspensão de actividades petrolíferas». O alvo da segunda fase seria «a elaboração de medidas para evitar prejuízos aos U’wa que possam advir das actividades petrolíferas reiniciadas no Bloque Samoré» (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). (6) O Governo colombiano deveria treinar e oferecer assistência técnica aos U’wa para assegurar-se de que estes «dispõem de preparação suficiente para avaliar e decidir sobre o assunto da consulta» (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). (7) «A criação de um programa para promover uma maior compreensão mútua entre as partes» (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). (8) «A criação de um programa para a prevenção e/ou resolução de conflitos» com o apoio do projecto OEA/Harvard (Macdonald, Anaya e Soto, 1998). As conclusões e recomendações da equipa OEA/Harvard foram amplamente difundidas pelos meios de comunicação na Colômbia e foram apresentadas como um grande êxito para as pretensões dos U’wa. O Governo colombiano e as companhias petrolíferas enviaram cartas à OEA aceitando as recomendações e mostrando todo o interesse em continuar o processo (Ávila, 2000). Porém, os U’wa e a ONIC reagiram com precaução; ambos estavam preocupados com a possibilidade de que as recomendações pudessem abrir a porta a uma futura exploração petrolífera dentro do território U’wa. A ONIC respondeu através de um comunicado onde afirmou estar de acordo com algumas das conclusões, mas foi muito crítica em relação ao enfoque global do projecto ad-hoc. A ONIC afirmou: um diálogo em que apenas se prevê que uma das partes possa vir a convencer a outra não é um diálogo; é, antes pelo contrário, uma imposição. [...] Estas recomendações dão a impressão de antecipar um resultado e não dão espaço para a deliberação, de modo que o procedimento recomendado e a suspensão temporária correrá em benefício das companhias petrolíferas e do Governo, mantendo em prolongado estado de desassossego o povo U’wa (Comunicado ONIC, Outubro, 1997). A continuação do projecto OEA/Harvard ficou condicionada por uma resposta escrita por parte dos U’wa onde exprimissem o seu interesse em continuar o processo. Os U’wa manifestaram verbalmente estar interessados, mas acabaram por nunca enviar a respectiva carta (Ávila, 2000). Consequentemente, uma segunda fase do trabalho da equipa OEA/Harvard ainda não se concretizou.
5. A nova dinâmica dos cenários nacionais e internacionais De qualquer modo, o conflito U’wa-Oxy nunca mais foi o mesmo a partir do momento em que foi dado a conhecer nas instâncias internacionais. Agora, que se tornou público, é mais complexo. Talvez seja essa a razão pela qual a luta dos U’wa se apresenta como uma excepção no caso colombiano onde todas as lutas sociais, inclusivamente as de outras organizações indígenas, têm vindo a ser duramente reprimidas e afogadas em sangue por parte dos grupos paramilitares, com alguma colaboração do Exército, em representação dos interesses dos latifundiários, dos narcotraficantes e dos políticos locais e nacionais. A Occidental Petroleum tem procurado centrar no cenário nacional as principais decisões relacionadas com o conflito; é esta a razão pela qual não se tem mostrado muito activa na promoção de uma segunda etapa do projecto OEA/Harvard. A publicidade dada ao caso tinha alterado as linhas de força e de poder entre a companhia petrolífera e os U’wa e a primeira consequência de tudo isto foi o afastamento da Shell, em 1998 (Ávila, 2000), que acabou por vender as suas acções à Occidental. 5.1. A estratégia do Governo colombiano É evidente que o Governo colombiano mudou de estratégia no conflito com os U’wa, inspirado especialmente por algumas das ideias contidas no relatório da OEA/Harvard (Arenas, 2001). O Governo do Presidente Samper (1994-98) começou o referido processo elaborando um novo enquadramento legal que permitisse modificar as coordenadas do conflito U’wa-Oxy. O projecto legal foi continuado e aprofundado pelo Governo do Presidente Pastrana (1998-2002). Foi desta forma que se modificou a legislação relativa ao processo de consulta às comunidades indígenas, os requerimentos de concessão de licença ambiental para as companhias petrolíferas e o próprio estatuto dos territórios petrolíferos que, sem qualquer sombra de dúvida, é agora muito mais favorável às empresas multinacionais. Mas, ao mesmo tempo, numa medida aparentemente contraditória, o Governo ampliou o território U’wa e outorgou uma licença ambiental à Oxy para que esta iniciasse explorações petrolíferas dentro do território deste povo. 5.1.1. A ampliação do Resguardo U’wa Como foi referido anteriormente, a ampliação do Resguardo U’wa era uma velha aspiração. Formando parte da nova estratégia do Governo, o Ministro do Meio Ambiente decidiu impulsionar aquele pedido perante a entidade estatal correspondente: o Instituto Colombiano para a Reforma Agrária (INCORA). Para esse efeito, o Ministro do Meio Ambiente iniciou um processo de aproximação relativamente aos U’wa. O primeiro passo foi dado com a sua participação no 5º Congresso U’wa realizado a 30 de Dezembro de 1998 (Mayr e Pérez, 1999a). A discussão entre o Ministro e os U’wa acerca da ampliação do território começou formalmente a 23 de Janeiro de 1999, em Samoré. Um dos pontos mais controversos foi o facto de, após o processo de delimitação já realizado em 1996 pelo IDEADE, o INCORA, em 1998, ter proposto alterações a esse estudo, situação que foi rejeitada pelo Cabildo Mayor U’wa. Nessa reunião, para obter a confiança dos U’wa, o Ministro do Meio Ambiente propôs novamente «retomar os limites estabelecidos no mapa de estudo socioeconómico, dado que estes foram resultado de um trabalho realizado com o consenso das diferentes partes» (Mayr e Pérez, 1999a). A 6 de Março de 1999, em Cubará, houve uma nova reunião entre o Ministro do Meio Ambiente e os U’wa; nela ficou acordado por consenso «avançar em direcção à definição do Território U’wa, com base nos limites estabelecidos no mapa de estudo socioeconómico» (Mayr e Pérez, 1999a). A resistência do INCORA em aceitar os referidos limites foi evidente. Numa outra reunião, também em Cubará, nos dias 18 e 19 de Junho de 1999, «os U’wa insistiram no facto de que a ampliação do Resguardo actual devia partir dos limites estabelecidos no mapa de estudo socioeconómico, tal como ficara acordado com o Ministro do Meio Ambiente» (Mayr e Pérez, 1999a). Um mês depois, o trabalho de delimitação estava concluído. A 19 de Julho de 1999, o Ministro do Meio Ambiente foi até Cubará, onde apresentou os resultados do estudo. As modificações levadas a cabo no trabalho previamente efectuado foram mínimas, ficando apenas excluídas umas pequenas partes do território U’wa e sendo adicionadas outras, no extremo oposto. Foi por esta razão que na acta da reunião se afirmava que «os U’wa realçam o cumprimento das actividades acordadas com o Ministro e com as entidades envolvidas, manifestando o seu contentamento pelos avanços obtidos nas suas aspirações territoriais» (Mayr e Pérez, 1999a). Com efeito, em apenas seis meses tinha acabado por se resolver uma questão colocada há dez anos atrás. A 23 de Agosto de 1999, o Governo colombiano entregou formalmente à comunidade U’wa o título de propriedade referente à ampliação de território obtida e prometeu a quantia de 150 milhões de dólares para sanear e comprar a terra aos colonos que ali habitavam. O Ministro e o Cabildo Mayor U’wa assinaram uma declaração conjunta onde se afirmou: Hoje damos por terminado o processo acordado entre o Ministro do Meio Ambiente, o INCORA e o Cabildo Mayor para a definição dos limites do Resguardo Unido U’wa, os quais já se encontram mencionados na Resolução n.º 56 de 6 de Agosto de 1999, expedida pelo INCORA (Mayr e Pérez, 1999b). No mesmo comunicado os U’wa acrescentaram: «Os U’wa manifestam [...] que este processo que acaba de culminar não compromete a sua posição no que diz respeito a não concordarem com a exploração de petróleo nem dentro nem fora do seu território» (Mayr e Pérez, 1999b). Ao mesmo tempo, o Cabildo Mayor U’wa enviou uma carta ao Presidente Pastrana em que afirmou: Hoje Vossa Excelência veio cá com o desejo de reconhecer parte da nossa luta em defesa da vida, mas, apesar de nos entregar hoje formalmente parte do nosso território, continuamos a solicitar o respeito sem restrições à posição que temos como povo U’wa de não permitirmos nenhuma actividade de prospecção e exploração petrolífera dentro e for a do território que legalmente nos tem sido reconhecido [ênfase nossa] (Comunicado U’wa, 23 de Agosto de 1999). 5.1.2. A nova licença ambiental para a Occidental Petroleum Ao mesmo tempo que decorria o processo de ampliação do Resguardo, a Occidental Petroleum solicitava a emissão de uma nova licença ambiental acolhendo os novos regulamentos mencionados anteriormente. A situação foi denunciada pelos U’wa e pela ONIC em Fevereiro de 1999 nos seguintes termos: o Governo nacional, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente e com o apoio da Direcção Geral de Assuntos Indígenas do Ministério da Administração Interna, está a estudar nas costas do povo U’wa a emissão de uma nova licença para perfuração exploratória no território U’wa. [...] Portanto, temos quase a certeza de que o Ministério do Meio Ambiente outorgará nos próximos dias nova licença ambiental à Oxy em território U’wa (Comunicado U’wa, 4 de Fevereiro de 1999). Porém, a licença apenas viria a ser outorgada após a conclusão do processo de ampliação do território U’wa. No dia 21 de Setembro de 1999, passado um mês da referida ampliação do Resguardo, o Ministro do Meio Ambiente autorizou a Oxy a explorar o poço Gibraltar I, no distrito de Norte de Santander. O poço encontra-se situado a 500 metros do novo Resguardo ampliado, mas dentro do território U’wa. A decisão causou indignação entre os U’wa que indicaram que o Governo os tinha enganado. Manifestaram-no desta forma: Num gesto irónico e lesionando os nossos mais prezados direitos, tanto históricos como milenares e ancestrais, o senhor Ministro do Meio Ambiente, Juan Mayr Maldonado, outorga licença ambiental para que a multinacional de petróleo Occidental de Colombia Oxy inicie actividades petrolíferas [...]. Manifestamos ainda que num processo obscuro fomos chamados a negociar um território tradicional que a história nos tinha arrebatado. Amparados no princípio da boa fé, procurámos reivindicar parte dos nossos legítimos direitos, mas, paralelamente, o senhor Ministro do Meio Ambiente e os seus colaboradores mais próximos têm demonstrado que o interesse económico vai arrebatar e destruir a nossa mãe natureza (Comunicado U’wa, 21 de Setembro de 1999).
5.2. O crescente apoio aos U’wa a nível local e global 5.2.1 A solidariedade das organizações sociais do distrito de Arauca O apoio aos U’wa entre as organizações sociais do distrito de Arauca começou em 1996, pouco antes da audiência U’wa pelo direito à vida. Porém, foi apenas a partir de Agosto de 1998 que os U’wa e as organizações sociais de Arauca começam a trabalhar de forma conjunta. Durante esse mês, as organizações da região do Sarare, nos distritos de Arauca, Norte Santander e Boyacá, organizaram um protesto cívico que durou duas semanas. O protesto envolveu as povoações de Arauquita, Saravena, Fortul e Tame (Arauca), Cubará (Boyacá), Toledo e Labateca (Norte de Santander) e conseguiu mobilizar cerca de 20 mil camponeses. O principal objectivo dos participantes nos protestos era paralisar as actividades comerciais em todas as povoações da região. A novidade residiu no facto de o protesto incluir a participação dos U’wa e, dentro do elenco global de pedidos, existir uma lista de reclamações contra a exploração petrolífera em toda a região, especialmente dentro do território U’wa, assim como o pedido de ampliação do seu Resguardo. Um dos pontos dizia: Exigimos: a constituição do Resguardo único U’wa, com os limites que assinalem as autoridades tradicionais indígenas. Suspender imediatamente a prospecção sísmica e a exploração de poços petrolíferos no sopé (Bloque Samoré, Bloque Capachos) e na savana (Bloque Llano 17) porque coloca em perigo a vida e permanência do povo U’wa, Guahibo e Sikuani (Organizaciones Sociales de los Departamentos de Arauca y Cubará, 1998). Num comunicado, os U’wa foram mais longe e, juntamente com as organizações camponesas da região, fizeram um apelo à solidariedade em prol de uma «cruzada global em defesa da vida»: Nós, os U’wa, declaramos [....] que nos temos juntado de forma decisiva à paralisação e às manifestações pacíficas que se vêm produzindo desde o dia 30 de Julho na região do Sarare, nos municípios dos distritos de Arauca, Norte de Santander e Boyacá. Juntamo-nos a eles porque a luta que travamos pela preservação da vida no nosso território não é só um problema nosso. Assim o entendem muitas pessoas e um exemplo disso é que a maioria dos habitantes de Arauca e do Sarare também exigem a não exploração do petróleo na sua região, dada a ameaça que isto significa para a vida, como já ficou contundentemente demonstrado nos projectos petrolíferos levados a cabo durante os últimos anos nos Llanos Orientales (Comunicado U’wa, 10 de Agosto de 1998). Os U’wa consideram que os habitantes de Arauca têm sido o principal apoio da sua luta, chegando inclusivamente a mobilizarem-se juntamente com eles, «porque eles já tiveram a experiência da catástrofe que a Occidental Petroleum provocou naquele distrito, em Caño Limón». 5.2.2.A mobilização do movimento indígena colombiano em solidariedade com os U’wa Como vimos anteriormente, a ONIC e o Senador indígena Lorenzo Muelas têm sido aliados muito importantes dos U’wa. A ONIC colocou o caso U’wa em primeiro lugar na sua agenda, junto com outro caso complexo e trágico: o da luta do povo Emberá Katio contra uma barragem que foi construída no seu território, com financiamento de empresas canadianas e suecas. Os Emberá Katio têm vindo a ser regularmente massacrados pelos grupos paramilitares como castigo por se oporem ao projecto hidroeléctrico. O caso dos Emberá Katio é provavelmente a luta social colombiana que mais relevo global adquiriu a seguir ao caso dos U’wa. A mobilização do movimento indígena colombiano em apoio aos povos U’wa e Emberá Katio a nível nacional começou em Setembro de 1999, quando a ONIC, o movimento de Autoridades Indígenas da Colômbia (AICO) e a Coordenadora Indígena da Bacia Amazónica (COICA), revelaram que o Governo Pastrana havia declarado guerra de extermínio contra os povos indígenas colombianos pela sua falta de cumprimento das disposições constitucionais e legais que protegem os povos indígenas e pelas mudanças legislativas levadas a cabo para beneficiar empresas multinacionais (Comunicado ONIC, 23 de Setembro de 1999). A ONIC manifestou que «se está a produzir um longo processo de desenvolvimentos legais e de regulamentos que chocam abertamente com o reconhecimento do carácter multicultural do país» (Comunicado ONIC, 21 de Outubro de 1999). A 25 de Fevereiro de 2000, a ONIC e grupos ambientalistas mobilizaram-se em Bogotá em sinal de apoio aos povos U’wa e Emberá Katio. A 4 de Abril de 2000, a ONIC anunciou o começo de uma mobilização nacional em defesa dos seus direitos fundamentais, após o Presidente Pastrana ter manifestado o seu interesse por incorporar a Colômbia ao Acordo Norte-americano de Livre Comércio (NAFTA): Estamos perante a iminente possibilidade de uma contra-reforma constitucional que elimine direitos. [...] Da luta dos povos U’wa e Emberá Katio depende o nosso futuro. Nesta luta concretizar-se-á o que nos espera no que se refere à reforma agrária, ao ordenamento territorial, à diversidade cultural, à autonomia, à Vida (Comunicado ONIC, 4 de Abril de 2000). 5.2.3. A redes de promoção da causa U’wa nos Estados Unidos da América Como assinalámos anteriormente, foi o grupo Amazon Coalition que convidou os U’wa a visitarem os EUA em Maio de 1997. Apesar de terem sido as notícias da ameaça dos U’wa em se suicidarem colectivamente que atraíram as atenções de muitos grupos ambientalistas para este conflito a partir de 1995, foi a primeira viagem dos U’wa aos Estados Unidos da América que representou o principal impulso para a construção de redes e para dar um perfil público notável ao caso naquele país. Como resultado desta visita, o activista norte-americano Terry Freitas tornou-se um dos apoiantes mais activos dos U’wa (Arenas, 2001). Dois anos mais tarde, num incidente confuso, Terry Freitas e dois outros activistas indígenas norte-americanos que trabalhavam em apoio da causa contra a Oxy foram assassinados na Colômbia, dentro de território U’wa, por guerrilheiros esquerdistas das FARC. Os U’wa têm viajado regularmente aos Estados Unidos da América desde 1997 (duas vezes nesse ano; duas vezes em 1998, uma em 1999 e duas vezes durante o primeiro semestre do ano 2000). Washington D.C., Nova Iorque, Boston, Cambridge, Los Angeles, São Francisco, Berkeley, Chicago e Madison foram algumas das principais cidades visitadas. Os grupos que mais activamente têm vindo a apoiar os U’wa nos Estados Unidos da América são Rain Forest Action Network (RAN), Amazon Watch, Amazon Coalition e U’wa Defense Project. As duas primeiras organizações têm as mais completas e actualizadas páginas electrónicas sobre o caso U’wa (www.ran.org. e www.amazonwatch.org.). Uma das primeiras estratégias usadas, nos EUA, pela coligação de grupos ambientalistas de direitos humanos e indígenas que apoia a luta dos U’wa foi a de colocar anúncios pagos no jornal diário The New York Times. O ex-Vice-presidente norte-americano Al Gore e o fundo de investimentos Fidelity Investment têm sido alvos favoritos do movimento ambiental para apoiar os U’wa nos EUA. A mobilização contra estes objectivos atraiu a atenção dos mais importantes jornais do país. Os principais grupos norte-americanos de apoio aos U’wa mantêm comunicação permanente com os U’wa em Bogotá e Cubará, onde está sediado o Cabildo Mayor. Um dos mais interessantes elementos que se tem revelado nas redes de apoio aos U’wa nos EUA tem sido o facto de os vincular ao crescente e novíssimo movimento contra as empresas multinacionais. De igual forma, para muitas das pessoas envolvidas no movimento contra as multinacionais, o caso dos U’wa tem sido uma importante fonte de inspiração. O Rain Forest Action Network (RAN) organizou acções públicas incluídas nos protestos contra o Banco Mundial em Washington, e uma acção mais ambiciosa durante os protestos em Los Angeles contra a Convenção Democrata que teve lugar em Agosto de 2000 quando cerca de 3 mil pessoas exprimiram publicamente o seu apoio aos U’wa. 5.2.4. A redes de promoção da causa U’wa na Europa e na América Latina Os U’wa fizeram a sua primeira digressão à Europa em Março de 1998 quando foram a Inglaterra. Entre essa data e Junho de 2000 já fizeram sete viagens diferentes à Europa, visitando pelo menos nove países: Inglaterra, Espanha, Finlândia, Rússia, Bélgica, Alemanha, Suíça, Holanda e Itália. É possível que o primeiro grupo de apoio aos U’wa na Europa tenha sido aquele criado em Madrid, em 1997. A publicidade ao caso U’wa em Espanha motivou a escolha de Berito Kubaru’wa para o Prémio Bartolomé de las Casas, que acabaria por lhe ser atribuído pelo Governo espanhol em Abril de 1998. Muitos dos actos de solidariedade na Europa e na América Latina são devidos às acções da Acción Ecológica, o principal grupo ambientalista do Equador. A Acción Ecológica foi a única organização não colombiana que esteve presente na Audiência U’wa Pela Vida, em Agosto de 1996, em representação da Oilwatch. A Acción Ecológica é ainda a organização que agrupa os Amigos da Terra-Equador e um dos membros mais activos da coligação de grupos ambientalistas Amigos da Terra Internacional. Esta coligação criou, em 1996, a Oilwatch, uma rede global de grupos activistas que fazem campanha contra a indústria petrolífera. O Secretariado Internacional da Oilwatch está situado no Equador, sob responsabilidade da Acción Ecológica. Um dos membros do Secretariado da Oilwatch afirmou numa entrevista que a estratégia da organização era trabalhar directamente com pessoas autóctones. Nesse sentido, em Fevereiro de 1999, a Oilwatch Africa organizou uma viagem do líder indígena colombiano e Senador Lorenzo Muelas para que visse os efeitos das explorações petrolíferas no delta do rio Níger, na Nigéria (Muelas, 1999). De igual modo, o Secretariado Internacional da Oilwatch organizou, em Julho de 1999, a visita ao Equador de Lorenzo Muelas, Berito Kubaru’wa e outros dois líderes indígenas, para conhecerem o território dos Secoya, uma pequena comunidade indígena que está a sofrer explorações petrolíferas no seu território por parte da Occidental Petroleum. Em finais de 1999, o Secretariado da Oilwatch afirmou: «neste momento os U’wa estão à cabeça do movimento ambiental porque estão a colocar novos argumentos sobre a mesa. Isto dá esperanças a outros povos para oporem resistências à indústria petrolífera» (Muelas, 1999). A ideia do Ministro colombiano do Meio Ambiente de organizar uma conferência em Bruxelas durante o verão de 2000, denominada «Aliança Ambiental Colômbia-Europa», foi identificada por muitos grupos de apoio aos U’wa como uma oportunidade única de realizarem acções de lobby (Muelas, 1999). Foi esta a razão que levou a Oilwatch a organizar um tour europeu de porta-vozes U’wa e Emberá Katio, apesar de o evento ter sido cancelado no último instante devido à crescente oposição e atitude crítica existente com o Governo colombiano em muitos círculos diplomáticos de Bruxelas (Dupret, 2000: 13). Assim, os U’wa e os Emberá Katio visitaram com êxito seis países europeus, incluindo a sua apresentação no Parlamento Europeu, reuniões com funcionários da Organização Internacional do Trabalho responsáveis do Convénio 169 e com o Secretariado do Grupo de Trabalho sobre os Povos Indígenas das Nações Unidas. Os U’wa estiveram em contacto com organizações indígenas em toda a América Latina, algumas das quais os convidaram para eventos no México, em 1998, e no Chile, em Junho de 2000. Paradoxalmente, o interesse dos U’wa por manterem a nível nacional o controlo da sua luta evitando, assim, qualquer tipo de manipulações, provocou na Colômbia uma desmobilização de muitas ONGs ambientalistas e de direitos humanos. Apesar dessas ONGs apoiarem a causa U’wa, durante os últimos anos muitas delas tiveram um papel puramente passivo no caso. Esta tendência começou lentamente a ser mudada a partir de fora, através de Amigos da Terra Internacional, que tem trabalhado para que a ONG colombiana Censat-Agua Viva tenha um papel mais activo no caso U’wa e dentro do grupo Oilwatch. Desta forma, Censat-Agua Viva tornou-se num dos principais grupos colombianos de apoio para muitas actividades internacionais relacionadas com os U’wa.
5.3. As novas dinâmicas da luta U’wa 5.3.1. O novo debate com o Ministro do Meio Ambiente acerca da consulta prévia Após a Occidental Petroleum ter obtido a licença ambiental em Setembro de 1999, o Presidente da ONIC apelou da referida decisão administrativa. Em resposta ao pedido de recurso, o Ministro do Meio Ambiente assinalou: com base na informação contida na componente socioeconómica do estudo de impacto ambiental apresentado, pode-se estabelecer com certeza que não está presente qualquer comunidade indígena ou negra no sítio do poço, nem dentro da área de interesse para perfuração, nem das suas áreas de influência directa ou indirecta (Ministério do Meio Ambiente, 1999). O Ministro do Meio Ambiente acrescentou que tinha perguntado ao Ministério da Administração Interna e ao INCORA, instituições responsáveis pela certificação da presença de povoações indígenas nas áreas de exploração, tal como ordena o mencionado decreto n.º 1320 de 1998. A DGAI do Ministério da Administração Interna certificou que na área do projecto não havia presença permanente de população indígena. O INCORA também certificou que na área não se tinha criado nenhum território indígena. Tendo-se baseado nisto, o Ministro do Meio Ambiente justificou a sua decisão e concluiu: Desta forma, o Ministério do Meio Ambiente cumpriu estrita e diligentemente os mandatos legais que ordenam documentar com certidões das autoridades competentes os factos relacionados com a presença de comunidades indígenas no território e a pertinente realização de consulta prévia (Ministério do Meio Ambiente, 1999). Não há dúvida que o Ministro Mayr sabia que o que a DGAI estava a garantir era falso, uma vez que ele havia visitado pessoalmente várias vezes o território U’wa, enquanto os funcionários que passaram a declaração se baseavam apenas em mapas. Talvez fosse esta a razão pela qual a sua resposta do Ministro acrescentou o seguinte: O Ministério do Meio Ambiente não tem qualquer dúvida da competência exclusiva atribuída ao Ministério da Administração Interna no que se refere à matéria de política indígena. [...] O Ministério do Meio Ambiente tem a obrigação de atender, respeitar e cumprir as determinações do Ministério da Administração Interna no que for da sua competência. Em conformidade com o anterior, o Ministério do Meio Ambiente terá em conta que a situação de facto na zona do projecto Gibraltar é a informada pelo Ministério da Administração Interna, pelo INCORA e pela empresa que solicita a licença (Ministério do Meio Ambiente, 1999). Em relação ao processo de consulta prévia, o Ministro concluiu: O Decreto n.º 1320 de 1998 [...] foi declarado ajustado ao Direito pelo honorário Conselho de Estado. [...] No presente caso, o Ministério do Meio Ambiente tem dado estrita aplicação ao Decreto n.º 1320 de 1998. [...] Tendo em conta o anterior, o Ministério do Meio Ambiente não pode ordenar a realização de consulta prévia com a comunidade indígena U’wa, porque estaria a violar o ordenamento jurídico vigente no país (Ministério do Meio Ambiente, 1999). 5.3.2. O novo conflito acerca do processo de consulta prévia em instâncias legais Apesar da Defensoría del Pueblo ter continuado a apoiar os U’wa, especialmente a partir do Gabinete delegado para assuntos indígenas, desta vez não quis apresentar queixa-crime contra a decisão do Ministro do Meio Ambiente que tinha atribuído a licença ambiental à Oxy, como o tinha feito anteriormente. Agora os U’wa tinham o apoio legal do MINGA, uma ONG colombiana de direitos humanos. O advogado dos U’wa apresentou uma acção de tutela contra o Ministro do Meio Ambiente, contra o Ministro da Administração Interna e contra a Occidental Petroleum por terem violado o direito fundamental das comunidades indígenas à consulta. A juíza em primeira instância concluiu que o problema legal era determinar se, no processo de concessão de uma licença ambiental à Occidental, a Administração Pública tinha omitido o cumprimento do direito fundamental da consulta às comunidades indígenas, estabelecido pelo Convénio 169 da OIT. Baseando os seus argumentos na Constituição, em decisões anteriores do Tribunal Constitucional, no Convénio 169 da OIT e, sobretudo, no facto de não ter sido aplicado o decreto 1320, a juíza 11 Penal do Círculo de Bogotá concluiu que a licença foi outorgada sem a consulta prévia. Adicionalmente, a juíza encontrou «sérias dúvidas» e contradições no processo em relação à possível existência de povos indígenas e resguardos na área objecto da licença ambiental. A juíza concluiu que o demandante devia levar o caso perante a jurisdição administrativa para que fosse esta a decidir sobre o assunto objecto de discussão. Porém, ao mesmo tempo, aceitava a acção de tutela como um mecanismo transitório de protecção até que a jurisdição administrativa tomasse uma decisão. Finalmente, a juíza decidiu ordenar a suspensão de actividades no poço Gibraltar I para evitar um prejuízo irremediável à comunidade U’wa. A impugnação da decisão do Juízo Penal 11 do Círculo de Bogotá foi pedida pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Ministério da Administração Interna e pela Occidental Petroleum. A Oxy argumentou que a decisão ignorava as actuais normas relativas ao processo de consulta prévia às comunidades e que a ordem de suspender actividades geraria um sério dano ao país. O Tribunal Superior de Bogotá estudou o caso em segunda instância e centrou a sua análise em dois pontos. O primeiro foi o assunto da protecção dos direitos fundamentais invocados pelo demandante. O Tribunal concluiu que, dado que a Occidental Petroleum tinha anexado ao seu pedido de licença ambiental um estudo de impacto ambiental e um estudo etnográfico da região, o Ministro do Meio Ambiente tinha chegado à conclusão de que a vida da comunidade U’wa não estava em perigo, nem a riqueza natural e cultural da área de influência do projecto. O Tribunal acrescentou: «a área de interesse exploratório do poço Gibraltar I está localizada completamente fora do novo Resguardo U’wa» (Tribunal Superior de Bogotá, 2000). O segundo ponto que o Tribunal analisou foi o da via jurídica utilizada pelo demandante. A este respeito, o Tribunal concluiu que a tutela não era a via para decidir sobre as referidas matérias, mas sim a jurisdição administrativa, uma vez que a impugnação de um estudo etnográfico e da realidade social e antropológica de uma comunidade indígena precisa de tempo e requer o conselho de peritos. O Tribunal acrescentou que os territórios ancestrais não estão reconhecidos pela Constituição nem pelo Convénio 169 da OIT. Como resultado, o Tribunal revogou a decisão do Juízo 11 Penal do Círculo de Bogotá. 5.3.3. Os últimos desenvolvimentos na área de exploração petrolífera Após o Ministro do Meio Ambiente ter aprovado a nova licença ambiental para a Oxy em Novembro de 1999, os U’wa empreenderam uma série de acções directas que designaram por desobediência civil. A primeira medida foi a tomada pacífica do local de exploração levada a cabo por 250 indígenas U’wa. Em finais de Janeiro de 2000, o Governo colombiano decidiu intervir para recuperar pela força o poço Gibraltar I, enviando para o efeito cerca de 5 mil soldados. Segundo denunciaram os U’wa: «Os militares usaram helicópteros para nos retirarem das nossas habitações e após essa acção desapareceram três dos nossos irmãos indígenas» (Comunicado U’wa, 25 de Janeiro de 2000). No meio da disputa, os U’wa declararam publicamente serem proprietários das terras de onde foram expulsos. Com efeito, uns meses antes, naquela que foi uma das suas mais interessantes acções, os U’wa adquiriram duas pequenas fazendas — Bellavista de 11 hectares e Santa Rita de 24 hectares -, onde se encontra localizado o poço Gibraltar I. A compra foi resultado directo do apoio internacional prestado aos U’wa que utilizaram o dinheiro dos prémios internacionais obtidos e outras doações internacionais adicionais que receberam. Como resposta ao facto de estarem desalojados das suas fazendas, a 31 de Janeiro de 2000 os U’wa e as organizações indígenas do distrito de Arauca apelaram para uma paralisação cívica na região do Sarare e bloquearam as vias de comunicação da região. Duas semanas depois, a 11 de Fevereiro de 2000, o Exército e a Polícia retiraram os indígenas violentamente das vias provocando a morte de três crianças indígenas U’wa (Comunicado U’wa, 11 de Fevereiro de 2000). Alguns dias depois, cerca de 1.200 U’wa, juntamente com 4 mil camponeses, concentraram-se no sítio de Gibraltar, município de Toledo, Norte de Santander (Comunicado U’wa, 21 de Fevereiro de 2000). Grande parte das acções directas foram completamente ignoradas pelo Governo colombiano que já havia decidido o começo da exploração petrolífera no território U’wa. Nos finais de Junho de 2000, as organizações sociais da região começaram uma nova paralisação cívica com o bloqueio da estrada de Saravena que conduz a Pamplona (Comunicado U’wa, 29 de Junho de 2000). Uma semana depois, o bloqueio foi suspenso devido a um acordo parcial com o Governo que prometeu abrir um processo de negociação para procurar uma solução para o conflito. Ao mesmo tempo, os U’wa apresentaram uma acção contra o Presidente da Câmara de Toledo, evocando a violação do devido processo durante a acção de desalojamento das suas fazendas Bellavista e Santa Rita. O Tribunal Superior de Pamplona, em primeira instância, decidiu parcialmente a favor dos U’wa e ordenou ao Presidente da Câmara a devolução dos terrenos das fazendas Bellavista e Santa Rita que não foram afectados pela ordem judicial que concedeu à Occidental Petroleum uma faixa de terreno nas referidas propriedades (Tribunal Superior de Pamplona, 2000). A 8 de Julho de 2000, os U’wa regressaram às suas fazendas após o processo legal que acabou por lhes devolver as terras, com excepção de alguns hectares onde está localizado o poço Gibraltar I, e os U’wa denunciaram que o Exército tinha colocado minas na área (Comunicado U’wa, 22 de Agosto de 2000). A 11 de Setembro de 2000, após múltiplas tensões com a Polícia e o Exército, os U’wa declararam: O povo U’wa rejeita a atitude despótica do Governo de Andrés Pastrana, a mentira e o engano de quem pretende legalizar, através de relatórios informativos à sociedade nacional e internacional, um processo de respeito que não existe, pois enquanto se dialoga numa mesa nacional, a maquinaria está a chegar ao lugar da perfuração e o processo de violência fortalece-se (Comunicado U’wa, 11 de Setembro de 2000). Consequentemente, alguns dias depois os U’wa decidiram abandonar a mesa de negociações com o Governo. Noutra acção de surpresa, os U’wa anunciaram em conferência de imprensa terem encontrado os títulos de propriedade dos seus territórios outorgados pelo Rei de Espanha no ano de 1661 (U’wa Defense Working Group, 15 de Setembro de 2000). Porém, o Governo colombiano e os grandes meios de comunicação da Colômbia ignoraram completamente o novo argumento dos U’wa e, graças à forte militarização da zona, conseguiram que a Occidental Petroleum iniciasse os trabalhos de exploração em finais de 2000. As mobilizações realizadas em 2000 encerraram outro ciclo da luta local directa. Perante a extraordinária militarização da zona e a repressão dos protestos pacíficos, pouco restava para fazer. No momento em que está a ser redigido este capítulo, não há ainda notícias acerca da existência de petróleo no poço Gibraltar I. Seja qual for o resultado final das prospecções, o resultado final do conflito Oxy-U’wa é ainda bastante incerto.
6. Conclusões Tem sido a tenaz resistência ao desaparecimento e a adaptabilidade histórica das suas lutas o que melhor caracteriza os povos indígenas latino-americanos. As últimas décadas demostraram mais uma vez a novidade e riqueza das lutas dos povos indígenas. Numa época de transnacionalização, as lutas indígenas conseguiram construir um dos mais dinâmicos e originais vínculos entre o local, o nacional e o transnacional. Como Boaventura de Sousa Santos tem defendido, quando uma luta inicialmente local se transforma numa luta nacional, continua a ser local, tal como sucede quando se transnacionaliza. Mas, ao mesmo tempo, quando uma luta se transnacionaliza, desterritorializa-se e cria novas dinâmicas nacionais e locais (Santos, 2001: 211); e, por sua vez, essas novas dinâmicas locais transformam e influenciam permanentemente os actores e os espaços transnacionais. Já foi sugerido que a solidariedade com os U’wa teve origem na dramática estratégia de ameaça de suicídio colectivo, facto que despertou solidariedades inimagináveis. A verdade é que a ameaça de suicídio contribuiu, inicialmente, para atrair a atenção sobre os U’wa a nível nacional e internacional. Porém, como tenho vindo a mostrar ao longo deste capítulo, eu, as pessoas e organizações que conhecemos de perto os U’wa, temos ficado impressionados pela riqueza da sua cultura, pelo carácter carismático de alguns dos seus porta-vozes e pela originalidade, exemplaridade e potencialidades emancipatórias do seu discurso e da sua luta. Para a imensa maioria das pessoas que os apoiam, a conservação da cultura U’wa e a sua muito especial relação com a natureza tornaram-se um motivo para se solidarizarem com a sua causa. Há a ressaltar, contudo, que, à medida que o tempo vai passando, o tema do suicídio colectivo vai ficando esquecido entre as notícias sobre os U’wa, embora a solidariedade para com eles não deixe de crescer a cada dia que passa. O caso U’wa apresentava uma série de particularidades que ajudaram a que a sua luta se transnacionalizasse com tão grande sucesso: 1) a forte herança cultural do povo U’wa; 2) a inacreditável capacidade e orgulho do povo U’wa para falar com voz própria e a sua adaptabilidade para apresentar os seus argumentos nos mais diferentes cenários; 3) o extenso uso feito pelos U’wa dos comunicados públicos e das cartas abertas (tive acesso a 31 deles), o que tem ajudado a manter informados os seus aliados, e a permanente actualização dos factos relacionados com o caso; 4) a existência de um movimento de direitos humanos nacional e internacional especializado no caso colombiano (com os seus mais importantes escritórios em cidades como Washington, Madison e Bruxelas), com uma extensa experiência em trabalho legal e de lobby, com contactos e recursos a nível nacional e internacional que têm facilitado o apoio e a construção de redes de promoção sobre a luta dos U’wa na Europa e nos Estados Unidos da América; 5) o facto de a companhia petrolífera Occidental Petroleum ter a sua sede nos EUA, poder hegemónico global e actor principal no desenvolvimento político e económico colombiano. Ao longo deste capítulo tenho procurado demonstrar a complexidade social e institucional que se esconde atrás de uma luta social específica, antes que ela seja tema de uma «rede transnacional de promoção». Desta forma, analisei em detalhe o processo em que se encontrava envolvida a comunidade U’wa antes de o assunto da exploração petrolífera a tornar o centro das atenções a nível nacional e internacional. O conflito motivado pelo petróleo encontrou os U’wa imersos no meio de um processo ascendente de reconstrução cultural e de identidade, ligado à consolidação da sua organização social, à disposição de lutar pela recuperação de grande parte do seu território ancestral e ao crescente prestígio do movimento indígena a nível nacional. Paralelamente, debrucei-me sobre o complexo desenvolvimento institucional a nível burocrático e judicial que pode ser accionado em casos como este, que ajuda a pôr em movimento e a questionar as referidas instituições. Muitas das instituições nacionais envolvidas no caso são recentes, surgindo como resultado da aplicação da Constituição de 1991 - a Defensoría del Pueblo e o Tribunal Constitucional. Algumas das figuras legais e regulamentos são também novos, como a acção de tutela e o Convénio n.º 169 da OIT. Procurei atribuir o mesmo valor aos processos locais (o desenvolvimento do moderno processo de organização social entre os U’wa, as suas lutas pela terra e a primeira abordagem aos U’wa efectuada pela companhia petrolífera), aos processos regionais (as lutas sociais no distrito de Arauca), aos processos nacionais (as respostas dos aparelhos administrativos e legais ao conflito entre a Oxy e os U’wa, a solidariedade nacional entre o movimento indígena colombiano e outros) e aos processos transnacionais (a construção de solidariedades ou redes de promoção) e procurei demonstrar a forma como processos de transnacionalização têm criado novas dinâmicas e inter-relações entre o local, o nacional e o transnacional.
Bibliografia Arenas, Luis Carlos (2001), «Postscriptum: sobre el caso U’wa», Boaventura de Sousa Santos e Mauricio Garcia-Villegas (orgs.), El Caleidoscopio de las Justicias en Colombia. Análisis sociojurídico. Vol. II. Bogotá: Colciencias, 143-157. Avila, Ricardo (2000), «El Caso de la Comunidad U’wa: Territorio y Petróleo» (mimeo). Berichá (1992), Tengo los Pies en la Cabeza. Bogotá: Los Cuatro Elementos. Brysk, Alison (2000), From Tribal Village to Global Village. Indian Rights and International Relations in Latin America. Stanford: Stanford University Press. Centro de Bienestar Indigena (1995), Tercer Congreso Indigena U’wa. 7 de Janeiro. De Marzo, Giuseppe; Ciervo, Margherita (2000), «Rapporto Sulla Visita Officiale Della Delegazione Verde in Colombia ad al Territorio Sacro U’wa», http://www.senato.it/verdi/DOSSIER.html Defensoría del Pueblo (1996), «Audiencia U’wa por la Vida. Intervención de la Defensoría del Pueblo» (mimeo), 17 de Agosto. DGAI (1995), «Comunicado de Prensa» (mimeo), 4 de Maio. Dupret, Paul-Emile (2000), «Conferencia ‘tierra, derechos humanos y paz en Colombia’», Boletin Informativo de la Coordinación Colombia-Europa-Estados Unidos, 8. Julho, 13-14. Evans, Peter (2000), «Fighting Marginalization with Transnational Networks. Counter-Hegemonic Globalization», Contemporary Sociology, 29(1), 231-241. IDEADE - Instituto de Estudos Ambientais para o Desenvolvimento et al (1996), «Estudio Socioeconómico, Ambiental, Jurídico y de Tenencia de Tierras. para la Constitución del Resguardo Único U’wa. Resumen Ejecutivo» (mimeo), Bogotá. Jimeno Santoyo, Gladys (1995), «Carta a la Juez Aida Rangel Quintero, Magistrada del Tribunal Superior de Bogotá» (mimeo), 7 de Setembro. Keck, Margaret E. (1998), «Planafloro in Rodania: The Limits of Leverage?», Jonahan A. Fox e L. David Brown (orgs.), The Struggle for Accountability. The World Bank, NGOs, and Grassroots Movements. Cambridge: The MIT Press. Keck, Margaret E.; Sikkink, Kathryn (1998), Activists Beyond Borders. Advocacy Networks in International Politics. Ithaca: Cornell University Press. Macdonald, Theodore (1998), «Environment, Indians, and Oil, ‘Preventive Diplomacy’», DRCLAS News. Outono. Macdonald, Theodore; Anaya, James; Soto, Yadira (1998), The Samore Case: Observations and Recomendations. Organization of American States/Harvard University. Washington. Acedida a 10 de Outubro 1999. Macdonald, Theodore; Anaya, James; Soto, Yadira (1998), «Carta a Roberto Cobaria y Abadio Greeen» (mimeo), Washington, D.C. 16 de Junho. Mayr, Juan; Gutierrez, Roberto Pérez (1999a), «Comunicado» (mimeo), Tamaría, 23 de Agosto. Mayr, Juan; Gutierrez, Roberto Pérez (1999b), «Acta de Acuerdo del Consenso entre el Ministerio del Medio Ambiente y el Cabildo Mayor U’wa» (mimeo). Cubará, 19 de Julho. Melsher, Elisa (1999), «A Year of Oil Resistance. An Interview with FoE Ecuador’s Esperanza Martinez», Link, 91. Friends of the Earth. Outubro/Dezembro. Mesa Cuadros, Gregorio (1996), «Los U’wa: Pueblo Indigena Ancestral del Norte de Boyacá», Memorias Ambientales de las Provincias de Norte y Gutierrez, Boyacá (1990-1996). Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana - IDEADE. Ministerio de Medio Ambiente (1999), Resolución Número 0997. Por Medio de la Cual se Resuelve un Recurso de Reposición Interpuesto contra la Resolución # 0788 del 21 de Septiembre de 1999 y se Toman Otras Determinaciones. Bogotá, 23 Novembro. Ministerio de Medio Ambiente (2000), «U’wa», Acedida a 7 de Julho, 2000. Muelas, Lorenzo (1999), «Mi viaje a Nigeria. Notas para la elaboración de un documento dirigido a organizaciones y comunidades indígenas de Colombia», ONIC (1997), «U’wa: Defensa del Destino Indigena. El Presente y Futuro de un Pueblo y el Petróleo», Utopias, 5(42), Março. ONIC (1999), «Defendiendo la Sangre de Kerachikará. Breve Resumen del Caso del Pueblo U’wa» (mimeo), Oficina jurídica de la ONIC. Organizaciones Sociales Departamento de Arauca y Cubará (1998) «Pliego de Exigencias del Paro Civico por el Derecho a la Vida, Soberania y Medio Amniente - Contra la Explotación y Exploración Petrolera y el Fenómeno Paramilitar en Arauca» (mimeo), Saravena, Agosto. Osborn, Ann (1985), El Vuelo de las Tijeretas. Bogotá: Fundación de Investigaciones Arqueológicas Nacionales, Banco de la República. Osborn, Ann (1995), Las Cuatro Estaciones. Mitologia y Estructura Social entre los U’wa. Bogotá: Banco de la República. Project Underground (1998), Blood of Our Mother. The U’wa People, Occidental Petroleum and the Colombian Oil Industry. Berkeley. http://www.moles.org/ProjectUnderground/uwa_index.html Rucinque, Hector F. (1972), Colonization of the Sarare Region of Eastern Colombia. Dissertação de pós-graduação. University of Wisconsin-Madison. Santos, Boaventura de Sousa (2001), «El significado politico y jurídico de la jurisdicción indígena», Boaventura de Sousa Santos e Mauricio Garcia Villegas (orgs.), El Caleidoscopio de las Justicias en Colombia. Bogotá: Colciencias, 201-211. Smith, Jackie (2000), «Globalizing Resistance. The Battle of Seattle and the Future of Social Movements», comunicação para o seminário «Contentious Politics», Lazersfeld Center for Social Movements, Columbia University. Smith, Jackie; Chatfield, Charles; Pagnuco, Ron (orgs.) (1997), Transnational Social Movements and Global Politics. Solidarity Beyond the State. Syracuse: Syracuse University Press. Tarrow, Sidney (1998), Power in Movement. Social Movements and Contentious Politics. Cambridge: Cambridge University Press. Tribunal Constitucional (1997), Sentença T-652/98. Bogotá, 10 de Novembro. Tribunal Superior de Bogota (1995), Sentença de Tutela. Magistrado Aída Rangel Quintero, Bogotá, 12 de Setembro (mimeo). Tribunal Superior de Bogota (2000), Sentença de Tutela. Sala Penal. Magistrado Marco Elias Arevalo Rozo. Bogotá, 15 de Maio (mimeo). Tribunal Superior de Pamplona (2000), Sentença de Tutela. Magistrado Victor Hugo Ballen. Pamplona, 10 de Julho (mimeo). Tribunal Supremo (1997), Sentença SU-039/97. Bogotá, 3 de Fevereiro. U’wa Defense Working Group (2000), U’wa Leaders Present the Colombian Government with Proof of Royal Land Titles Granted by the King of Spain. E-mail del U’wa Defense Working Group, 15 de Setembro. Van Cott, Donna Lee (2000), The Friendly Liquidation of the Past. The Politics of Diversity in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press. |