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Harsh Sethi Swadeshi em debate (texto não editado)
Introdução «Quando as memórias morrem, as pessoas morrem». «E se inventarmos falsas memórias?» «Isso é pior», respondeu o velho, «isso é assassínio». - A. Sivanandan (1997), When Memories Die Os tempos em que vivemos são estranhos e, de certa forma, conturbados. Palavras e expressões tendem a adoptar novos significados, novas ressonâncias, que têm, frequentemente, muito pouco a ver com as suas origens. Agora que entrámos num novo milénio, passadas as celebrações oficiais do nosso jubileu como um Estado-nação independente e uma república socialista, democrática, secular, e estamos em posição de introduzir a segunda vaga de reformas - é altura de re-analisarmos o nosso percurso. A revisitação de algumas palavras-chave que marcaram a nossa luta pela independência é fundamental para essa análise. Tanto «swadeshi» como «globalização» são conceitos fortemente contestados no discurso indiano. Do swadeshi de Mahatama até ao swadeshi actual vai um longo caminho. Nesse tempo, tal como agora, a principal preocupação era a economia. Nos primeiros anos do século XIX, os Indianos estavam preocupados com a desindustrialização do país sob o domínio britânico, a competição desigual entre as oficinas de fiação de Lancashire e os nossos milhões de pobres tecelões. Numa nação destroçada pela recessão económica, a nossa burguesia emergente voltava-se frequentemente para os líderes políticos em busca de apoio. Dois dos ensaios de Ghandi em Young India e Harijan tornam clara a sua posição. Ghandi compreendeu perfeitamente que os Britânicos eram os «manda-chuva» e os Indianos os «pobre-diabos» no seu próprio país. Consequentemente, ele questionou a noção de «igualdade de direitos» entre um gigante e um anão: «Antes de se poder pensar em igualdade entre desiguais, o anão tem de ser elevado à altura de um gigante. O processo pode parecer duro, mas é inevitável se se quiser que a massa de gente comum seja igual aos poucos privilegiados». Mas interpretar o apelo de Ghandi ao swadeshi como um apelo à inversão de uma discriminação, ou até mesmo como um slogan para «sê Indiano, compra Indiano» seria uma grande injustiça para com ele. Para Ghandi, swadeshi não significava apenas «svavalamban» (auto-confiança) e «arthic swaraj» (independência económica), mas também considerar a honra e as vidas britânicas tão sagradas quanto as nossas próprias. Enquanto processo positivo de regeneração, simultaneamente económica e social, o swadeshi pressupunha um ataque aos nossos males internos, às nossas desigualdades entrincheiradas, bem como um combate à injusta ordem colonial. Acima de tudo, não havia lugar para o rancor. Para tomar como exemplo outra autoridade, invocada frequentemente hoje em dia, refira-se Sri Aurobindo. A sua estratégia para ganhar «swraj» (independência) era baseada numa doutrina de resistência passiva como método político para acabar com o domínio britânico e agir como um catalisador para a regeneração indiana. Fundamental para isto era entender de que todos tomam parte na luta e no sofrimento de tal forma que a nação poderia surgir com uma unidade e força completamente desenvolvidas. De outro modo, considerava, podemos acabar a «abraçar a liberdade sobre uma pilha de cadáveres». Aurobindo foi ainda mais longe: «Sujeitar-se a métodos de coerção ilegais ou violentos, aceitar o abuso e holiganismo como parte do produto legal do país é ser culpado de cobardia, e enfezar a humanidade nacional é pecar contra a divindade que existe dentro de nós mesmos e a divindade da nossa pátria». A experimentação da India independente com o swadeshi passou por várias fases, muitas das quais envolvendo variações de uma economia planificada. O consenso geral nas décadas iniciais era de uma desconfiança primordial no mercado interno (substituição da importação), com o Estado (leia-se burocracia e classe política) ao leme. Não houve, em nenhum momento, uma tentativa séria de educar e mobilizar as massas. Portanto, não só as nossas políticas fracassaram na obtenção da participação popular, como nos tornámos uma nação de mendigos, olhando o governo como «mai-baap» (mãe-pai). As opiniões dos analistas variam, mas enquanto o país desenvolveu, de facto, uma base de produção moderna e diversificada, o sistema de planeamento introduziu em simultâneo graves distorções e ajudou a entrincheirar uma soberania por quotas com a corrupção e morosidade daí decorrentes. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. A década anterior, particularmente após o colapso da União Soviética, parece ter conduzido a uma era de capitalismo desenfreado. Como que contra a anterior fé no planeamento do Estado e no mercado interno, o pêndulo voltou-se para a liberalização interna e externa. Capitais, tecnologia e produtos estrangeiros tornaram-se o padrão de comparação para avaliar a qualidade, aptidão e desempenho. É ainda demasiado cedo para avaliar seriamente as implicações desta mudança política. Contudo, aquilo que parece de facto evidente é que a abertura (e expansão) dos diferentes sectores da economia criou grandes transtornos. Associar-se globalmente implica partilhar não só os altos, mas também os baixos do mercado global. Infelizmente, tendo globalmente uma pequena dimensão, não temos os recursos para influenciar as regras do jogo, definidas, por exemplo, pela Organização Mundial do Comércio (OMC) com as suas novas directrizes para regular a propriedade intelectual ou a circulação de capitais. E uma vez que os mercados favorecem normalmente os mais fortes, os grupos mais fracos - tanto global como internamente - tendem a ser menos favorecidos, pelo menos no período intermédio de transição. Mas antes de partirmos para a discussão, embora breve, de um espectro de respostas (tanto ao nível do discurso como da acção), seria útil traçar as origens, dimensões e implicações da crise económica que emergiu no início dos anos 90, bem como delinear a estratégia de estabilização macro-económica, regulamentação fiscal e reforma económica adoptada pelo governo.
1. O processo A maioria dos peritos associa o início da reforma actual à crise da dívida externa de 1991 - crise fiscal, balanço quase inexequível dos pagamentos e uma aceleração das taxas de inflação. As causas mais imediatas podem ter sido a Guerra do Golfo, a escalada dos preços do petróleo e as inseguranças do mercado de capitais, mas é hoje amplamente aceite que a crise não foi nem um acidente, nem uma consequência - foi, sim, um resultado directo da prodigalidade financeira por parte do governo. A dívida interna tinha subido até 53,9% do PIB, o encargo com o serviço de dívida até 19% das despesas do governo central, a dívida externa até 22,8% do PIB e o encargo com o serviço de dívida até 29,8% dos ganhos com as exportações. Os empréstimos para o consumo deixaram de ser viáveis, visto que as instituições de empréstimo re-classificaram a Índia como país de alto-risco. No geral, o país esteve à beira da ruína. No princípio de 1991, havia pouco espaço de manobra para os que viviam à custa de dinheiro ou tempo emprestado. O governo não teve outra escolha senão negociar um acordo de espera com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e abordar o Banco Mundial com vista a um empréstimo de reforma estrutural. Qualquer programa de estabilização macro-económica envolve reduzir o défice da conta corrente e refrear as pressões inflaccionistas. Estes esforços actuam na vertente da procura da economia - fazendo reduzir o total da procura, diminuindo as despesas públicas, empregando uma política económica firme e desvalorizando a moeda. O horizonte é de curto prazo. Paralelamente, há programas de ajuste estrutural, que visam influenciar a vertente da oferta num esforço para aumentar o crescimento da produção. Esta política de meio-termo (média duração) visa transferir os recursos do sector de bens não transaccionáveis para o sector de bens transaccionáveis e, neste último, da competição das actividades de importação para as de exportação. Em segundo lugar, é defendida uma mudança de direcção do governo para o sector privado. Para além da distribuição dos recursos, a reforma estrutural visa melhorar a utilização dos mesmos, através da transformação da estrutura de incentivos e das instituições, reduzindo o grau de intervenção do Estado e apoiando-se mais no mercado. Por outras palavras, desmantela os controlos para confiar mais nos preços e diminuir gradualmente o sector público, para se apoiar mais no sector privado. Em conformidade com esta ortodoxia, promovida assiduamente pelo sistema de Bretton Woods, o governo embarcou numa reforma muito ampla ao nível das políticas. A política de comércio eliminou a maior parte das restrições quantitativas das importações (excepto das de bens de consumo) e reduziu progressivamente as tarifas. O desejo de aumentar o grau de abertura da economia estende-se para além dos fluxos comerciais até aos fluxos de capitais e tecnologia - tudo com vista a expor as companhias nacionais a uma competição internacional cada vez maior. A reforma da política da indústria eliminou barreiras relativamente às novas empresas e os limites para o crescimento relativamente às empresas já existentes, diminuindo também a intervenção do Estado nas decisões de investimento. Este processo será reforçado através da desregulamentação no sector financeiro para que a distribuição e utilização de recursos financeiros seja deixada para o mercado. Finalmente, a reforma do sector público envolvendo a privatização, tanto por meio de vendas de acções como pela entrada de privados para o capital e administração, já foi iniciada. Restam poucas dúvidas de que as reformas estruturais já implementadas pelo governo, em associação com outras reformas pensadas, representam um desvio radical em relação à estratégia de desenvolvimento adoptada nas primeiras quatro décadas após a independência. Em primeiro lugar, a função objectiva é o crescimento económico associado à eficácia económica. A anterior preocupação (apenas retórica) de evitar uma concentração de poder económico ou tentar uma redistribuição da riqueza foi claramente abandonada. O objectivo de efectuar uma redução da pobreza e desigualdade não foi abandonado, mas tais preocupações acerca da igualdade ficaram subordinadas à busca do crescimento, segundo a premissa de que ele é ao mesmo tempo necessário e suficiente para uma melhoria das condições de vida das pessoas. Em segundo, há uma decisão consciente de reduzir substancialmente o papel do Estado no processo de desenvolvimento económico e contar mais com o mercado. As concessões de licenças na indústria foram, na sua maior parte, substituídas por intervenções no sector financeiro. As empresas públicas de manufacturas e de serviços, estão a ser corporatizadas e parcial ou completamente privatizadas. É a nova ortodoxia de que uma grande parte do investimento, produção e até serviços do sector público se apropria antecipadamente dos escassos recursos do sector privado, o que resulta na ineficácia e consequente esbanjamento do erário público. Em terceiro lugar, o grau de abertura da economia está a aumentar significativamente e a um ritmo rápido. O objectivo não é apenas impor uma disciplina de custos na oferta através da competição internacional, mas também reduzir as diferenças entre os preços nacionais e mundiais. O esforço para integrar a economia doméstica na economia global é feito através da redução de quotas e tarifas e da apetência activa pelo capital e tecnologia estrangeiros. Tão significativas quanto as reformas nas políticas da indústria, do comércio externo, do investimento e tecnologia estrangeiros e no sector público, foram as iniciativas no sector financeiro - desregulamentação bancária, entrada de bancos do sector privado (nacionais e estrangeiros), estimulação do mercado de capitais, etc. Deve também ser valorizado o facto de o processo básico de reformas ter sido seguido por uma variedade de regimes - Congresso, Frente Unida e uma Aliança Democrática Nacional liderada por BJP. O que tem sido discutido até agora foram essencialmente os processos internos de reajustamento estrutural e reforma. O quadro permanece incompleto se não se tomar em consideração os processos que acompanharam a ronda do GATT no Uruguai e que culminaram no estabelecimento da OMC. A extensão do que antes fora um regime de comércio com manufacturas para agora incluir agricultura e serviços, fluxo de investimentos e propriedade intelectual - tudo numa nova estrutura, com novos mecanismos de resolução de conflitos e permissão para contra-retaliação -, implicou um profundo reordenamento do sistema económico global. Paralelamente, tem-se assistido à introdução de questões não económicas - cláusulas sociais, direitos humanos e ambiente - no que era antes visto como assuntos económicos. O que está a ser debatido e discutido hoje na Índia é uma combinação dos dois processos referidos anteriormente - liberalização/privatização e globalização.
2. Reacções Embora a maioria dos observadores do caso indiano concordem que as alterações de longo alcance iniciadas no início dos anos 90 foram provavelmente necessárias, ditadas pelas compulsões económicas de gestão de crises imediatas, um fait accompli, há ainda divisões profundas quanto à verdadeira natureza da crise e a estratégia seguida, de facto, particularmente em termos do seu timing e sequência, com críticos a considerar o processo de reforma como sendo demasiado lento, hesitante e parcial ou demasiado rápido, irreflectido e radical. O debate nos círculos académicos é, contudo, bastante diferente das reacções na arena política, com críticos a descrever o processo de reformas como uma re-colonização, uma capitulação abjecta ao sistema de Bretton Woods ou, mais explicitamente, à hegemonia norte-americana, e um abandono virtual da soberania nacional e necessidades do povo. Porém, o que é igualmente importante é que ninguém se bateu seriamente por um regresso às estratégias e processos de desenvolvimento dos anos anteriores. Vamos focar três áreas onde o debate tem sido particularmente intenso. Aqueles que argumentam a favor de reformas mais completas concentraram a sua ira no mercado de trabalho. Eles salientam que a legislação laboral existente cobre menos de 10% da força laboral do país; que, enquanto o «sector formal» do mercado de trabalho é sobre-regulamentado, o que leva a inflexibilidades em relação às entradas e saídas, criando dessa forma nichos de salários elevados, não há protecção para aqueles realmente vulneráveis dos sectores informais. Consequentemente, eles têm feito lobby para alinhar política laboral com política económica, pela necessidade de valorizar a natureza descentralizada das relações industriais e para permitir uma maior flexibilidade, tanto na entrada como na saída do trabalho nas unidades de produção. Mais especificamente, a sua exigência é a de reestruturar radicalmente os acordos laborais com os sindicatos e mudar a ênfase anteriormente dada à adjudicação para os contratos colectivos. Acima de tudo, eles sentem que a rigidez do mercado de trabalho e os salários incrivelmente elevados no sector organizado são directamente responsáveis pela marcha lenta do investimento, particularmente do investimento directo estrangeiro. No mesmo espírito, os liberais entusiastas estão a bater-se pela retirada completa do domínio e gestão pública relativamente a unidades estratégicas não fundamentais, mudando a carteira de investimentos para outras unidades e corporatizando as restantes, isto é, arrebatando o controlo das empresas do sector público ao governo. Esta exigência é mais premente na área das infra-estruturas, particularmente energia e telecomunicações. Os reformistas gostariam duma dissolução dos monopólios governamentais e um papel mais importante para os privados, inclusive capitais estrangeiros. Sabemos que os esforços para reestruturar as empresas do sector público, atrair a participação do sector privado em projectos de infraestruturas e introduzir uma maior flexibilidade nas relações industriais através de reformas dos acordos laborais com os sindicatos, enfrentaram uma resistência concertada, nomeadamente por parte da força laboral do sector privado. Mesmo neste momento em que estou a escrever, os funcionários do Departamento de Telecomunicações estão em greve contra as corporatizações propostas, provocando o descarrilamento completo da rede de comunicações. Similarmente, todos os projectos de energia envolvendo investimento estrangeiro directo têm-se deparado com problemas, sobretudo acerca das tabelas pelas quais a energia eléctrica seria paga e da exigência de uma garantia sobre uma taxa segura de retorno do capital investido. Não são raras as acusações de corrupção e coerção. É evidente que o governo, embora devotado ideologicamente às reformas, não reflectiu acerca do processo, nem criou um eleitorado político mais vasto que facilitasse as reformas. Isto, apesar de haver um extremo desagrado por parte da classe média em relação ao funcionamento das empresas do sector público - produção, serviços e finanças. Este estrato está convencido de que as unidades «públicas» são caracterizadas por custos elevados, esbanjamentos, corrupção e ineficácia. Consequentemente, esforços para o downsizing das empresas, a ligação entre pagamentos e desempenho, a introdução de novas tecnologias, a alteração dos mecanismos de resolução de conflitos e a garantia de responsabilidade e transparência têm sido repelidos com sucesso. A situação torna-se ainda mais complicada pelo facto de até no moderno sector industrial, empresas nacionais, grandes e pequenas, estarem a encontrar dificuldades para se adaptarem às novas condições de mercado. Uma mistura de competição das importações (preço, qualidade) e uma recessão cíclica do mercado global levou ao aumento na incidência de encerramentos e lockouts do patronato, criando um espectro de desemprego, particularmente no sector de pequena escala. Como seria de esperar, isto levou a uma agitação laboral crescente, embora dispersa e descoordenada. É possível que a falta de actividade sindical organizada, excepto em empreendimentos governamentais, seja explicada pelo desemprego crescente e um sentimento de que o processo de reforma é inevitável. Voltemo-nos agora para o outro extremo da economia indiana - a agricultura. Embora historicamente a agricultura indiana tenha sido, na sua maior parte, uma actividade privada, com excepção das plantações de produtos comerciais limitados (chá, café, borracha, etc.), o sector tem recebido apoio estatal substancial (subsídios variados) e tem sido regulado e protegido da competição externa. Ao longo dos anos, a política de base tem sido desenvolvida de forma a assegurar a segurança alimentar. Para este fim, o governo indiano experimentou reformas agrárias (limites de preços, consolidação e protecção da propriedade), investiu em infra-estruturas e investigação, controlou o mercado (restrições ao transporte de sementes, à importação e exportação), etc. Além disso, o nível de globalização tem permanecido limitado. Porém, a pressão por reformas, porém, não deixou este sector incólume - primeiramente, procurando reduzir os subsídios (electricidade, água, fertilizantes, pesticidas, sementes) e permitindo uma maior margem de acção a corporações do sector privado do comércio. Paralelamente, como resultado do regime alterado da OMC, a última década assistiu à entrada de multinacionais e do negócio agrícola, não só nos mercados de alimentos processados, mas directamente em produtos primários. As taxas de importação no âmbito de produtos agrícolas e hortícolas foram reduzidas, assim como aquelas utilizadas para maquinaria agrícola. Tudo isto tem alterado substancialmente a natureza da economia agrícola, bem como a da produção de bens de origem natural. O maior envolvimento do sector corporativo resultou numa alteração dos padrões das colheitas. A pressão para afrouxar as regras relativas à posse e ao controle de terra e água tem vindo a aumentar, o que resulta num aumento de dificuldades para os pequenos produtores. O funcionamento do novo regime de patentes trouxe novas sementes sobre as quais os agricultores têm pouco controle. No entanto, deve-se compreender que, num nível macro, a Índia tem enormes stocks de sementes, muito para além das suas capacidades fiscais e de armazenamento. Consequentemente, muitos se têm batido pela completa liberdade de comércio internacional de produtos agrícolas, redução de subsídios, diminuição das tarifas, abolição do «Essential Commodities Act», controlo inventarial, permissão de trocas futuras, etc. - em suma, a liberalização e corporatização do sector e um grande impulso às exportações. Alguns foram ainda mais longe e afirmaram que já não é necessário estar obcecado com as noções de auto-suficiência alimentar. Há uma compreensão crescente de que aceitar os acordos da OMC quanto ao acesso aos mercados, removendo barreiras não tarifárias e autorizando a incursão de capital privado, principalmente estrangeiro, iria não só empobrecer os pequenos agricultores, mas também colonizar o país. Por todo o país tem havido agitações contra medidas específicas. É, contudo, difícil distinguir os movimentos que estão contra as reformas daqueles que procuram uma maior supressão das restrições. Tem sido também salientado que a actual mistura de políticas, mais do que beneficiar os produtores ou consumidores, actua a favor dos intermediários. Centremo-nos agora sobre o debate acerca da propriedade intelectual e do regime de patentes, uma vez que este tem implicações a longo prazo em todos os sectores. A ronda de negociações comerciais multilaterais do Uruguai abarcou sete formas de propriedade intelectual - patentes, direitos de autor e afins, marcas registadas, designs industriais, indicações geográficas, circuitos integrados, informações privilegiadas. Para cada uma foram prescritas certas normas de protecção e foi estabelecido um prazo para equiparar as legislações nacionais com os regulamentos da OMC. Se nos desviarmos por um momento dos debates filosóficos acerca do patenteamento, a oposição indiana ao acordo de «Trade Related Aspects of Intellectual Property» (TRIPS) é baseada no argumento de que o país já tem um sistema legal elaborado («Patents Act», «Trade and Merchandise Marks Act», «Copyright Act» e «Designs Act»); de que já há convénios internacionais anteriores mais importantes para a protecção da propriedade intelectual; de que uma vez que a protecção da propriedade intelectual pode afectar as estruturas de mercado através de práticas comerciais injustas e restritivas, a introdução das TRIPS requer a elaboração simultânea de uma política para a competição e um código legal para as transferências de tecnologia. Mas, acima de tudo, o maior receio é de que o país não esteja ainda preparado para os padrões melhorados de protecção propostos - nós não temos um nível mínimo de capacidade tecnológica; devido aos investimentos inadequados na formação de capital humano, nós não temos a capacidade inovadora necessária; e devido ao baixo rendimento per capita, as nossas despesas na Investigação e Desenvolvimento (I&D) são insuficientes. Há, em particular, o receio de que com a mudança do patenteamento de processos para o patenteamento de produtos, as pesquisas e o desenvolvimento indígena sejam afectados negativamente; de que a atribuição de direitos exclusivos de comercialização leve à conquista de mercados importantes por parte das multinacionais estrangeiras, o que resultaria num monopólio dos preços. Este aspecto é particularmente enfatizado no sector farmacêutico. Foram levantados argumentos semelhantes quanto às variedades de plantas e sementes e microorganismos, principalmente que a protecção de patentes de matérias animadas não é ética, que o comércio de sementes vai ser dominado por multinacionais e que a biopirataria vai aumentar dramaticamente. Embora haja poucos conflitos relativamente a marcas registadas e designs industriais, há fortes receios no que diz respeito às indicações geográficas, circuitos integrados e informação privilegiada - em parte porque na Índia não há estatutos específicos que os protejam e há poucas leis de base. O maior receio relativamente às reformas propostas deriva, contudo, do facto de a Índia ter mecanismos de execução pouco desenvolvidos. A transferência do debate acerca da propriedade intelectual da esfera do direito civil para a do direito criminal, e o facto do ónus da prova, em particular no caso de processos de patentes, recair sobre o réu, pode resultar numa incriminação dos produtores indianos. Em simultâneo, durante o período de transição de 1995 até 2005, as candidaturas para o patenteamento de produtos têm de ser acompanhadas de direitos exclusivos de comercialização durante um período de cinco anos, dando ao possuidor da patente um monopólio, sem passar pelo processo devido. Finalmente, há desacordos quanto aos mecanismos de resolução de conflitos da OMC. Na medida em que este mecanismo de resolução de conflitos tem estado associado a medidas de contra-retaliação, teme-se que a indústria indiana venha a enfrentar um tratamento injusto e discriminatório. Ao contrário dos conflitos sobre manufacturas, agricultura e serviços, os conflitos sobre direitos de propriedade intelectual têm de ser primeiramente resolvidos através dos tribunais, frequentemente em foros não nacionais. Não é, portanto, surpreendente que eles não tenham despertado o mesmo nível de atenção pública (excepto no caso da industria farmacêutica) ou protesto. Para mais, há aqueles que sustentam que muitos dos receios são exagerados, se não infundados, e que mais do que se focar em actividades anti-TRIPS ou OMC, o país dever-se-ia focar no melhoramento dos seus sistemas de registo, reforçando a sua base de dados e os seus mecanismos de execução. Há também quem defenda que, com um ambiente e apoios devidos, os Indianos podem emergir como agentes fortes na cena mundial e que um novo regime de direitos de propriedade intelectual iria melhorar, a longo prazo, os investimentos em I&D e dar um estímulo à inovação. Finalmente, analisemos brevemente a política e o debate acerca da desregulamentação e liberalização financeira. O objectivo principal da reforma no sector financeiro é melhorar os benefícios das actividades bancárias comerciais e sistemas de seguros públicos e o funcionamento do mercado de capitais doméstico segundo a suposição de que a disciplina de mercado melhorará a eficácia de ambos. Reduções das taxas de liquidez estatutárias e das taxas de reservas monetárias resultaram no aumento de disponibilidade de crédito para o sector privado. A simplificação da estrutura de diferencial das taxas de juros também foi bem-vinda. Foram ainda introduzidas novas pautas para as práticas de funcionamento e contabilidade e normas de prudência para a sua equiparação aos padrões internacionais. Mais contestados foram os esforços para a abertura do sector bancário a parceiros privados, incluindo bancos estrangeiros, bem como para empurrar os bancos do sector público para a corporatização. Uma resistência significativa veio da parte dos empregados que receiam mudanças nas condições de trabalho e cortes orçamentais. Há também o medo de que o aspecto do «bem comum» bancário - empréstimos a sectores prioritários - diminuísse como resultado. Se isso acontecesse, teria um impacto enorme na disponibilidade para crédito barato dirigido ao sector informal e ao pequeno investidor. Simultaneamente, o mercado de capitais foi reformado de modo a investir financeiramente no sector privado e a atrair capitais de acções ou títulos estrangeiros. Foram modificadas as regras de regulamentação do influxo e escoamento de moedas estrangeiras, permitindo uma maior convertibilidade do montante de capital e o repatriamento dos ganhos no estrangeiro. Embora muitas das reformas que desmantelavam a sobreregulamentação fossem necessárias, o sistema continua ainda subregulado porque as estruturas institucionais e legais que regulariam o mercado têm ainda de ser implantadas. Isto sujeita o sector a sérios riscos como se tornou aparente nos escândalos das seguradoras e bancos em meados da década de 90 e na proliferação de companhias financeiras não bancárias que defraudaram o pequeno investidor. No entanto, resistir à pressão de se precipitar para a convertibilidade das contas correntes ou alargar o sector dos seguros apesar da pressão foram decisões acolhidas como sendo passos prudentes.
3. Impactos Apesar do proliferar de literatura da década acerca do antigo processo de liberalização (reajustamento estrutural e reforma) e globalização, não há um consenso, nem mesmo nos círculos de peritos, quanto ao essencial. Por exemplo, terão as taxas de crescimento acelerado como resultado do processo de reformas iniciado em 1991? Se sim, quais foram as implicações disso para a redução da pobreza e das desigualdades? Diz-se que a taxa média de crescimento do PIB, fixada nuns escassos 3.5% até meados dos anos 80, aumentou para 5.8% na década de 1980-90 e para 6.1% entre 1990-98. Diz-se ainda que a taxa de melhoria é resultado de reformas económicas e que as estimativas para a pobreza nacional desceram dramaticamente (alguns dizem que para tão pouco como 19-24% da população rural e 15-20% da população urbana). A implicação é que as reformas têm de continuar e de ser aprofundadas. Primeiro, os números da pobreza. Há fortes divergências entre os peritos quanto ao modo de calcular estes números - sendo o problema técnico o período de abrangência com respeito ao consumo alimentar. Isto porque as estimativas em relação à pobreza indiana se baseiam mais nos dados de consumo e nutrição que no rendimento. Contudo, a maioria dos peritos concorda que a incidência da pobreza tem vindo a diminuir nas duas últimas décadas, embora haja discordâncias quanto aos factores causadores dessa situação. Considerando as taxas de crescimento do PIB, aceita-se agora que entre 1980-81 e 1999-2000, numa tendência de base, a economia doméstica cresceu mais ou menos 5.7%. O crescimento é maior per capita devido ao declínio das taxas de crescimento tendencial da população. Isto é louvável num plano comparativo porque enquanto a dívida e inflação devastaram grandes partes do mundo em vias de desenvolvimento, a situação indiana melhorou e permaneceu estável. Porém, não há até agora, estatisticamente, nenhuma aceleração significativa das taxas de crescimento depois de 1991-92. Não há, igualmente, nenhuma aceleração significativa nos sectores primário e secundário. Finalmente, se se correlacionar as estimativas da pobreza com as do desemprego e emprego precário, descobre-se que há uma deterioração clara da qualidade de emprego (declínio na força laboral no sector organizado; subida no sector não organizado, declínio do emprego por conta própria; subida do emprego precário). Portanto, se os números da pobreza desceram, mas o desemprego aumentou, é provável que o crescimento verificado tenha ajudado apenas aquelas pessoas, regiões ou segmentos da economia que estavam já empregados ou em melhor situação. Por outras palavras, a última década de crescimento e estabilidade macro-económica foi alcançada às custas da igualdade entre indivíduos, regiões e sectores. Mais acentuadamente, a relação do rendimento per capita rural e urbano deteriorou-se; há uma deterioração secular na relação do rendimento per capita do sector não organizado para o organizado; houve um crescimento contínuo da desigualdade entre Estados mais importantes; a repartição dos excedentes entre salários e lucros mudou a favor dos últimos. Parece, portanto, que a crescente orientação do mercado desde 1980 acelerou o processo de alargamento das disparidades. Recapitulando, apesar da opinião partilhada por aqueles que sabem de que a liberalização económica é ao mesmo tempo necessária e louvável, a situação real é confusa. Há também uma diferença entre as preocupações do governo e as do cidadão comum. Acima de tudo, há questões mais importantes relativamente a uma evolução conjunta da economia e da sociedade. Os objectivos a curto prazo do governo perecem ter ido de encontro ao equilíbrio da situação dos pagamentos. Há, contudo, a preocupação de que, embora as reservas monetárias estrangeiras tenham subido dada a grande proporção da dívida a curto prazo e depósitos repatriáveis, a situação é menos confortável do que aquilo que se diz. Gerindo a inflação, o governo só se saiu bem comparativamente às economias latino-americanas; uma inflação de 10% é alta pelos padrões indianos. Além disso, a inflação tem sido mantida sob controlo principalmente devido a um período de sucessivas boas monções e à ausência de um choque exógeno - uma situação que pode mudar como resultado da recente subida dos preços do petróleo e do espectro da seca em partes significativas do país. Similarmente, o governo tem sido menos bem sucedido no seu controlo de défices fiscais - conseguidos, em grande parte, através da redução de despesas fundamentais e daquelas em sectores sociais. Dado que as receitas do défice do governo mostram poucos sinais de declínio, parece, de facto, que o regime fiscal continua insustentável. Se mudarmos o foco das preocupações do governo para as do cidadão comum - questões como o emprego e a pobreza, agricultura e sector rural, e infra-estruturas tanto físicas como sociais - descobrimos que o processo de reformas ainda nem começou a aflorar essas questões. Referimos anteriormente que a inflação é elevada e que o desemprego e as desigualdades se agravaram. Há, portanto, uma grande preocupação com a necessidade de reduzir os subsídios para a distribuição de cereais ou de desmantelar os programas públicos de alimentação. Paralelamente, o declínio do investimento em infra-estruturas rurais e outros cortes orçamentais em sectores sociais (educação, saúde, habitação) - para reduzir os encargos com os subsídios e presumindo que uma maior privatização aumentará a eficácia - parecem claramente erros. A reforma comercial da agricultura também pode contribuir para as pressões inflacionistas. Contudo, o maior problema, de nenhum modo atribuível à mudança do paradigma económico, é o negligenciar contínuo dos recursos humanos e do melhoramento das capacidades tecnológicas e o enorme aumento das disparidades. Tudo isto causou já tensões políticas que serão provavelmente exacerbadas com o tempo.
4. Ramificações alargadas Até aqui este capítulo tem-se centrado em questões económicas, possivelmente porque as medidas propostas e iniciadas, bem como o debate justificativo, estiveram confinados ao domínio económico. Porém, a reviravolta da estratégia de desenvolvimento tem implicações políticas e sociais mais profundas. Crê-se, erradamente, que a última década, a fase da reforma, foi também uma fase de mudanças políticas significativas. Embora a maior parte dos analistas tenha comentado a mudança de um sistema de partido único dominante para um sistema de coligação do governo no centro, tem sido dada menos atenção ao alargamento e aprofundamento da democracia no país. A década de 90 não só assistiu a uma subida significativa da participação eleitoral dos estratos sociais até então marginalizados no processo político (minorias, mulheres, etc.), mas também à emergência de novos partidos (regionais, étnicos, de castas) particularmente a nível estatal, e a institucionalização de uma terceira camada governamental (conselhos de aldeia e municípios) implica que, independentemente do partido/coligação que governe no centro, o sistema tem de acomodar as diversas preocupações destas novas formações políticas. Ainda está por esclarecer como é que a forte escalada de desigualdades se concilia com o aprofundamento da democracia. Já ao nível dos Estados (regiões) existem conflitos entre os mais ricos e desenvolvidos e os outros. A recente agitação por causa do Relatório da Comissão de Finanças, no qual altos executivos criticaram a comissão por os penalizar por fazer melhor em termos de devolução de finanças, é um indicador do que está para vir. Até agora, o governo central desempenhou um papel importante no desenvolvimento de áreas/regiões atrasadas, não só distribuindo recursos adicionais aos governos dos Estados pobres, mas dando também incentivos positivos a investimentos privados através de isenções fiscais. Mais do que partidos políticos formais e uma democracia representativa, a Índia teve a sorte de ter uma sociedade civil ampla e vibrante. Uma variedade de ONGs, com origem no eleitorado e questões que o afectam, são activas na promoção dos interesses dos seus eleitores através de criação de redes e advocacia para operar viragens políticas. A última década, em particular, assistiu a um aprofundar de ligações entre protagonistas da sociedade civil local e ONGs internacionais fazendo lobby a nível global para mitigar o que eles entendem ser os efeitos perniciosos da nova ortodoxia económica. Seattle é apenas um indicador deste processo. A década anterior testemunhou a emergência de um número de grupos, organizações e movimentos que têm tentado combinar, a vários níveis, lutas pelos direitos dos pobres e oprimidos com esforços para fomentar uma nova perspectiva para o desenvolvimento. Estas lutas recorreram a movimentos anteriores (e existentes), como sejam: os movimentos de Chipko contra a desflorestação e tomada de recursos de propriedade comum pela indústria; os movimentos de pescadores das zonas costeiras contra as incursões da pesca de arrasto mecanizada; os esforços dos mineiros das minas de carvão de Chattisgarh contra a redução ou encerramentos, estabelecendo cooperativas para gerir as minas; os movimentos por trabalhadores como aqueles na fábrica de canos de Kamani de tomar a empresa abandonada pelos donos - e os exemplos multiplicam-se. O que antes eram essencialmente lutas domésticas contra capitais privados locais e políticas económicas do Estado, ganharam uma nova dimensão com a abertura da economia e a emergência de protagonistas estrangeiros. Formações coligadas como a National Alliance of People’s Movements (NAMP) - uma rede de grupos comunitários, ONGs, sindicatos e movimentos sociais -, têm procurado, em aliança com partidos políticos da esquerda e da direita, questionar e provocar agitação contra o que vêem como sendo uma submissão às políticas de liberalização, privatização e globalização do Banco Mundial- FMI. Neste processo, as formações indianas estão a tentar trabalhar em sintonia com agentes regionais e globais para desafiar o novo pensamento e regime político. Uma luta importante tem sido desenvolvida contra a multinacional energética norte-americana, Enron, à qual foi adjudicado um contrato para produzir energia no Estado de Maharashtra. A luta não é apenas contra os termos do contrato assinado com a Enron, mas contra a política de dependência de capital privado para o desenvolvimento de infra-estruturas básicas. Lutas semelhantes irromperam contra a construção de portos privados, os esquemas sociais de silvicultura patrocinados pelo Banco Mundial, a chegada de companhias privadas de sementes e de negócios agrícolas, e a abertura de sectores de produção/ consumo aos grandes capitais, nacionais ou estrangeiros, que estavam antes reservados a sectores de pequena escala ou artesanato. Cada um destes movimentos enfrenta, singular ou colectivamente, um desafio difícil. Num primeiro nível, precisam de responder eficazmente às exigências de uma justiça distributiva contra o desemprego crescente e os encerramentos. Em segundo lugar, devem ser capazes de distinguir entre capitais nacionais ou estrangeiros. Mais importante, contudo, é articular eficazmente e criar uma assembleia eleitoral politicamente viável para uma estratégia de desenvolvimento alternativa, na qual considerações de economia e ecologia política se articulem com questões de consumo e estilo de vida. Os esforços contra ajustes estruturais, liberalização e privatização internas e globalização, sofrem todos de uma profunda ambivalência em relação ao Estado. Por um lado, um Estado forte e estável é considerado o interlocutor mais eficaz na arena global. Se alguma ligação pode ser estabelecida, então a aquiescência indiana relativamente a uma série de condições da OMC nos anos 90 e a precipitação de legislações para nivelar os regimes legais nacionais com os códigos internacionais está ligada ao enfraquecimento do Estado indiano. Daí a referência habitual à cedência face à pressão norte-americana. Por outro lado, é um alívio substancial os Indianos terem resistido com êxito às pressões para a conversibilidade total da moeda, e mantido algum controlo sobre os movimentos de capital, isolando dessa forma a economia do género de choques que as economias da Ásia Oriental e de Sudeste experimentaram aquando da sua desvalorização monetária. Por isso, nos fóruns internacionais, que atitude devem tomar os agentes da sociedade civil indiana contra o seu próprio Estado? A situação é igualmente complicada quando se abordam questões de privatização/ liberalização internas e reformas estruturais. Não só nos sectores organizados, mas também, se não mais, no caso das economias sobreviventes dependentes de uma base de recursos naturais, a abertura destes recursos às pressões do capital industrial, indiano ou estrangeiro, resultou num crescente despedimento e extinção de empregos e actividades. Aqui as lutas são simultaneamente contra os abusos do capital privado e o Estado por alterar o regime legal de modo a favorecer novos investidores. Se, contudo, pretendermos assegurar que a nova actividade não destrone e destrua a anterior, os movimentos precisarão de trabalhar de mãos dadas com o Estado (oposicionismo construtivo). As questões permanecem igualmente complexas quando se abordam assuntos relacionados com cláusulas sociais - trabalho infantil, ambiente, etc. As campanhas indianas contra o trabalho infantil saborearam o êxito através de campanhas internacionais contra produtos que envolvessem trabalho infantil. Isto não só mancha a imagem do país no exterior, como também afecta directamente quem está envolvido em tais produções, reduz as exportações e, consequentemente, prejudica a participação indiana no comércio global. Como no caso dos direitos de propriedade intelectual, os produtores do país argumentam que a imposição prematura de padrões globais - dos salários mínimos ao ambiente - resultará apenas numa des-industrialização da Índia. As questões acima mencionadas estão longe de estarem resolvidas. É óbvio que aqueles que ficarão a perder com o novo contrato dificilmente ficarão satisfeitos com a exibição de macro-estatísticas acerca das taxas de crescimento ou da redução de pobreza. Quem está a perder procura apoios onde quer que eles estejam de modo a manter aquilo que tem, proteger as economias e sociedades locais do choque da incorporação mais profunda em mercados nacionais e globais e reduzir os custos da transição. Com excepção da hipótese remota de descobrirem para os seus produtos (artesanato) mercados mais novos e que paguem melhor, estas pessoas optam por mercados livres e abertos. Estas são provavelmente algumas das razões pelas quais as políticas e consequente mobilização e discussão à volta da problemática da liberalização e globalização permanecem confusas. Aqueles a favor de reformas mais rápidas de segunda geração acusam o governo de falta de vontade política, particularmente em questões de reforma estrutural interna. Eles apostam naqueles que são já fortes ou estão em posição de se reinventarem para participar no novo mercado alargado - os exportadores indianos de software são um exemplo disso. Este grupo está convencido de que, apesar dos problemas de transição, não só não há maneira de evitar a participação crescente na ordem global emergente, como este rumo oferece as melhores hipóteses de escapar à pobreza endémica. Do outro lado estão aqueles que colocam o swadeshi e o nacionalismo em oposição à globalização. Muitos destes estão também contra o regresso à velha ordem. Eles salientam que os valores centrais da sociedade indiana fornecem a base para a resistência e querem que a nação seja guiada por factores inerentes a si mesma e não por uma estrutura global instável e instituições globais em constante mutação. Um sector substancial, porém, está a favor de reformas e mudanças, mas não da forma actualmente levada a cabo. Neste sentido, argumentam que a crença de que os mercados sabem mais, ou que a intervenção do Estado não é necessária ou é contra-produtiva para o processo de industrialização, é desactualizada. Este discurso marca um novo acordo entre o Estado e o mercado, daí o falar-se em timing, sequência e intensidade do processo de reforma. Realça também a importância da transparência e responsabilidade por parte dos agentes que influenciam as reformas e a necessidade da construção democrática de um eleitorado para a mudança. 5. Conclusão Propriedade do ajustamento estrutural - a abordagem dos direitos na Índia: Nos finais dos anos 80 havia um consenso geral de que o desempenho da economia indiana tinha ficado aquém das suas potencialidades desde a independência, e reconhecia-se a necessidade de uma grande reviravolta política. A maior parte, senão a totalidade, das agências internacionais concordaram. Mais do que assinar um acordo secreto para um programa de reajustamento estrutural com instituições financeiras internacionais, a Índia envolveu-se numa aberta discussão sobre as políticas. Houve, e ainda há, críticas ferozes à trajectória das reformas sugerida. Mas o processo de livre participação e expressão de opiniões levou a dois resultados importantes. Primeiro, apesar de uma instabilidade política persistente e frágeis governos de coligação, o consenso geral acerca da reforma da política económica permaneceu. Todos os principais partidos políticos aderiram ao programa. O domínio nacional não tem sido a questão. Segundo, as reformas económicas da Índia produziram o mais rápido crescimento da sua história. Isto sublinhou a importância das reformas - e levou ao debate público de como os lucros do crescimento deviam ser partilhados entre regiões, grupos e classes (UNDP, 2000: 69). «A chave para as portas do céu é também a chave que poderia abrir as portas do Inferno» - este é um antigo provérbio budista. Perigo e oportunidade estão de tal forma interligados na liberalização da economia indiana que a viagem para a terra prometida de uma economia de mercado em bom funcionamento poder-se-ia facilmente tornar num pesadelo infernal e maiores desigualdades para a maioria. Se isso não aconteceu, é porque temos uma plataforma democrática e uma imprensa relativamente livre. É esta estrutura institucional de democracia política que nós temos de aprender a respeitar quando elaboramos políticas económicas. Para este efeito, temos de aprender a avaliar a liberalização não em termos de princípios abstractos, como soberania económica ou até preocupações governamentais com controlo do défice fiscal ou um equilíbrio confortável da posição dos pagamentos, mas de preocupações quotidianas com a pobreza, desemprego e inflação. Em segundo lugar, as políticas económicas serão sustentáveis e benéficas se as despesas governamentais se virarem do consumo para o investimento produtivo, desenvolvimento de infra-estruturas físicas e sociais, e não envolverem empréstimos da despesa pública ao consumo financeiro. Terceiro, o processo tem de assegurar autonomia para os produtores com responsabilidade comensurável, o que implica transparência de funcionamento. Voltando ao princípio, o swadeshi de Gandhi dizia que «o anão tem de ser elevado à altura de um gigante»; que o processo envolve atacar os nossos males e desigualdades entrincheiradas, tanto quanto combater a injusta ordem colonial. O entendimento de Aurobindo baseava-se na ideia de que «todos tomam parte na luta e no sofrimento de tal forma que a nação poderia surgir com uma unidade e força completamente desenvolvidas». De outro modo, podemos perfeitamente acabar por «acolher a liberdade sobre uma pilha de cadáveres». Crítico de arte e historiador, Anand Kentish Coomaraswamy acrescentou outra dimensão. Para ele swadeshi significava muito mais que tornar a Índia auto-suficiente e auto-confiante, especialmente no que diz respeito à indústria e manufacturas. Significava passar sem coisas que não precisávamos de ter: «A civilização consiste, não na multiplicação dos nossos desejos e dos meios de os satisfazer, mas no refinar da sua qualidade [...] uma nação que vê as suas metas na produção de coisas e não nas vidas dos homens tem de perecer». É uma pena que, sem base numa visão filosófica e social mais ampla, o debate acerca do swadeshi se tenha hegemonizado por economistas e homens de negócios, polarizado entre os pro e anti-liberalização e globalização. Há pouca preocupação acerca de como os nossos cidadãos de poucos recursos e pouco qualificados podem sobreviver num mercado novo, competitivo e em constante mutação sem salvaguardas e apoios adequados por parte do Estado. Mais preocupante é a quase total ausência de uma estratégia política, de qualquer discussão acerca das instrumentalidades, de organizações através das quais as diferentes perspectivas esperam mobilizar apoios. Na verdade, a mudança da actual coligação política para uma outra, mesmo que dominada pela esquerda, dificilmente levará a alguma mudança substancial da situação existencial da maioria. E a necessidade de ir além das polaridades do Estado e do mercado ou do nacional e estrangeiro? Uma tal visão promovida pelos movimentos sociais, procura questionar o próprio modelo de desenvolvimento e política representativa, visto como inerentemente injusto e insustentável. Prefere partir das comunidades-base, apoiando-se não apenas nos seus recursos materiais, mas em sistemas de conhecimento indígenas, num esforço para alterar o discurso dominante. Contudo, permanece à margem do discurso e prática política do país. Não nos esqueçamos que o movimento social indiano com maior visibilidade, aquele contra grandes barragens no rio Narmada, apesar de uma luta sustentada com mais de 15 anos, tem sido até agora incapaz de impedir a construção das barragens. A verdade é que esta luta sensibilizou a opinião pública indiana, de um modo sem precedentes, para a importância da sustentabilidade ecológica e participação democrática. No entanto, são as preocupações relativas à política económica, mais do que as relativas à política ecológica, que continuam a dominar. Foi com alguma dificuldade que o país conseguiu progredir na ortodoxia económica anterior. Hesitante e indiferente, levado por uma crise e não por uma estratégia, embarcou num processo de redefinição de regras e regulamentos, num esforço para reduzir o poder dos babus e fomentar a criatividade das classes produtoras. É possível que tal não tivesse sucedido sem um impulso exterior. O receio é de que com a continuação da recessão, à medida que mais empresas abrem falência, e com os problemas de elevado desemprego e inflação, o apelo ao swadeshi se possa tornar xenófobo. As nações e sociedades inseguras têm a tendência para se voltarem para si mesmas. As práticas do swadeshi exigem uma certa dose de auto-confiança. Mas facilmente isto pode induzir ao orgulho e à auto-glorificação que, particularmente se o presente é pouco famoso, pode localizar-se no passado. Paralelamente, há uma procura de inimigos, internos e externos. Para além da Cargill ou da Coca-Cola, quem se encontra frustrado também ataca todos aqueles que desafiam a actual disposição. Actualmente, isto pode parecer longínquo, mas há sombras do nacional-socialismo em muitos dos nossos surtos nacionalistas e anti-estrangeiros. A necessidade actual é ressuscitar um swadeshi positivo e inclusivo: construir e renovar a confiança nas nossas capacidades e talentos, nos nossos povos e sistemas de conhecimento. Acima de tudo, estar dispostos a aprender, a modificarmo-nos e a adaptarmo-nos, a manter as nossas portas e janelas abertas e a não nos deixarmos arrebatar: isso é swadeshi.
Bibliografia Sethi, H. (2000), «NGOs in the Era of Globalisation: Reworking the State-Citizen Dialectic», comunicação apresentada na Jawaharlal University - Konrad Adenauer Foundation, num seminário intitulado «The Public and the Private». Sethi, H. (2001), «Movements and mediators», Economic and Political Weekly 36(4), Janeiro - Fevereiro. UNDP (2000), Human Development Report 2000: Human Rights and Human Development. New York: Oxford University Press. |