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María Clemencia Ramírez

A política do reconhecimento e da cidadania no Putumayo e na Baixa Bota Caucana: o caso do movimento cocalero de 1996

(texto não editado)

Introdução

O que mais me surpreende é que as pessoas lá são muito arriscadas, que num domínio tão complexo como é o de negociar onde está presente o narcotráfico, a guerrilha, a reivindicação social, a repressão contra o movimento... (entrevista ao Assessor do Ministro da Administração Interna durante a mesa de negociações, 1999).

Durante os meses de Julho, Agosto e Setembro de 1996, mais de 200.000 cocaleros (camponeses dedicados à cultura e recolha da coca) fizeram uma marcha em direcção aos centros urbanos e às capitais dos distritos de Guaviare, Putumayo, Caquetá e Baixa Bota Caucana, na Amazónia ocidental da Colômbia, para protestarem contra a política de fumigação das suas culturas de coca por parte do Governo do Presidente Samper.

No Putumayo, o movimento dos cocaleros de 1996 não pode entender-se desligado de outros movimentos cívicos anteriores que, com base numa perspectiva de longa duração, constituem manifestações conjunturais de um movimento social, cujo fulcro é o pedido de reconhecimento que os habitantes da região fazem ao Estado-nação colombiano tanto da sua cidadania como dos direitos adscritos a esta. Trata-se, pois, do exercício da política do reconhecimento (Taylor, 1995) e da política da cidadania através da reivindicação «do direito a ter direitos» (Dagnino, 1998).

A realização de greves e/ou movimentos cívicos, seguidos pela instalação de mesas de negociação, não pode ser lida apenas como um pedido de melhoria das condições de vida por parte dos povoadores desta região amazónica, tal como se mostrará para o caso objecto de estudo. Quando se produz uma paralisação cívica, está-se a reiterar e a lembrar à classe dirigente a condição histórica do Putumayo de população à margem, «abandonada», aonde o «desenvolvimento» da região central não chega, entre outras causas quer por falta de vontade política a nível central, quer pela sua construção como região «vazia» receptora de população deslocada do interior do país, quer pela corrupção administrativa a nível local ou pela aplicação de programas que desconhecem a realidade da Amazónia.

Por palavras de um líder político da região ao referir-se às greves ou paralisações cívicas que desde a década de 70 se verificam no Putumayo:

Estes fenómenos de tipo social devem-se e geram-se fundamentalmente perante o vazio dos dirigentes políticos tradicionais que, verdade seja dita, apontam muito para o benefício individual, para o benefício do grupo ou do partido, mas, salvo em algumas ocasiões excepcionais, não tem existido uma representação a nível da Assembleia da República, ao nível do próprio Governo ou das Autarquias Locais, líderes que cumpram esta função, que sejam uns autênticos gestores do desenvolvimento do distrito. Consequentemente, perante esse vazio e perante os inúmeros problemas, as pessoas vão-se apessoando, vão-se organizando em movimentos sociais, em movimentações cívicas que terminam em paralisações muito longas, em primeiro lugar de elevado custo para a região em termos de debilitar, nomeadamente a nível comercial, a frágil economia de todos os distintos municípios do distrito e também de elevado custo em vidas e no que se refere a gerar ambientes de conflito que de um tempo a esta parte apareceram e foram ficando» (entrevista a um líder político local em Mocoa, 1999).

A constante convocatória de paralisações cívicas responde a certas acções estratégicas para «se tornarem visíveis», para «se fazerem sentir» e para confrontarem as perspectivas que o Estado tem sobre esta região. Neste contexto, o facto destes colonos da Amazónia rejeitarem a fumigação das suas culturas de coca indica que estão a questionar serem assinalados e caracterizados como pessoas à margem da lei, como migrantes à procura de fortuna fácil (mais do que à procura de melhorar o seu nível de vida, como eles o expressam), com falta de identidade, sem nenhum enraizamento na região amazónica, sempre com um interesse individual de benefício próprio para regressarem aos seus lugares de origem. Com esta representação desconhecem-se e tornam-se ainda mais invisíveis aqueles camponeses que por três gerações habitam a região e que se consideram «putumayenses» mais do que delinquentes. A ideia que o centro tem da fronteira amazónica, a periferia, vai ficar mediatizada por estes marcadores de identidade, o que se evidencia no tratamento repressivo que se tem dado a estas mobilizações cívicas que, apesar de não serem manifestações violentas, desde a década de 80 foram apontadas recorrentemente como «promovidas pela guerrilha»; isto veio a traduzir-se na prática numa negação a qualquer solicitação dos habitantes da região; estes com os seus pedidos, necessidades e construção de identidades colectivas locais ou regionais ficam subsumidos pela dinâmica e rumo do conflito armado e, recentemente, pela implementação da política internacional de luta contra as drogas e/ou contra a insurreição.

1. Condições para o início das marchas cocaleras de 1996

Como resultado do Decreto n.º 1956 de 1995, denominado «Compromisso da Colômbia face ao problema mundial da droga», o Governo do Presidente Samper tomou medidas para uma guerra frontal contra as drogas que se fizeram imediatamente sentir no Putumayo, cujos habitantes já vinham anunciando uma nova paralisação cívica desde finais de 1995, por considerarem que o Governo não estava a cumprir os acordos assinados no quadro de uma greve cívica anterior realizada entre o dia 20 de Dezembro de 1994 e 11 de Janeiro de 1995. É por isso que numa das manchetes do jornal El Tiempo se anuncia: «Paira nova greve sobre o Putumayo», para adiante informar que «a hora zero para iniciar a paralisação do Putumayo é unicamente o que os camponeses esperam», fazendo-se ainda referência à carta enviada ao Presidente Samper com data de 26 de Dezembro de 1995 na qual os camponeses rejeitam o Plano Nacional de Desenvolvimento Alternativo - PLANTE - por considerarem que não apresenta soluções para os camponeses e informam o Presidente que «estão a organizar e a preparar uma segunda paralisação e, evidentemente em solidariedade também com os outros distritos» (El Tiempo, 4 de Janeiro de 1996: 1A).

Porém, o Governo na sua luta contra a droga toma medidas que se tornam fundamentais para que a paralisação com a participação activa dos camponeses se inicie: em primeiro lugar, segundo a resolução nº 0001 de 13 de Maio de 1996 do Conselho Nacional de Estupefacientes nos distritos de Guaviare, Caquetá, Putumayo, Vaupés, Vichada e Meta, o Exército e a Polícia passam a controlar a venda de gasolina e de cimento cinzento por tratar-se de matérias indispensáveis para o processamento da pasta de coca. Em segundo lugar, segundo o Decreto 0871 de 13 de Maio de 1996 é delimitada como zona especial de ordem pública a área geográfica da jurisdição de todos os municípios pertencentes aos distritos de Guaviare, Vaupés, Meta, Vichada e Caquetá. Em terceiro lugar, a execução de duas operações militares: o Plano Condor e a Operação Conquista. O Plano Condor está centrado na destruição de culturas, laboratórios, confiscação de precursores e a interdição do comércio. A Operação Conquista, por palavras do Presidente Samper consiste na «destruição de mais de 27.000 hectares de coca que representam 70% do total semeado na Colômbia e aproximadamente 15% do total semeado no mundo». A esta operação «somam-se as forças militares e de polícia para desenvolverem uma operação antinarcóticos numa área do distrito de Guaviare, no qual se encontram situadas cerca de 60% das plantações ilícitas semeadas na Colômbia». O Governo insiste em que simultaneamente com as operações Condor e Conquista «temos vindo a avançar na consolidação do Programa Plante» (La Nación, 10 de Julho de 1996: 17).

Evidencia-se assim que o Presidente desconhecia as queixas apresentadas pelos camponeses durante um ano e meio não apenas com referência ao PLANTE como também à fumigação das suas culturas. A implementação inicial no Guaviare da Operação Conquista marcou a hora zero para o início das marchas cocaleras no dia 16 de Julho de 1996, poucos dias após o Guaviare ter sido classificado como objectivo militar da operação antinarcóticos. Os camponeses mobilizavam-se contra a declaração de zona especial de ordem pública, contra os consequentes abusos do Exército e contra as fumigações que se vinham realizando de forma massiva neste distrito.

Em reuniões prévias, mantidas em meados de 1995 em Bogotá por líderes camponeses, enquadradas na realização de um Seminário Internacional de Culturas Ilícitas, ficou acordado levar a efeito manifestações conjuntas quando se iniciassem as fumigações em qualquer um dos três distritos. É assim que, em apoio ao Guaviare, se iniciam no Putumayo nos dias 25 e 26 de Julho de 1996 as marchas em direcção aos centros urbanos de Orito, San Miguel (La Dorada), Valle del Guamués (La Hormiga) e Puerto Asís. As marchas começam depois no distrito de Caquetá, a 29 de Julho, onde a Brigada Antinarcóticos tinha iniciado as fumigações em Remolinos del Caguán no dia 22 de Julho (La Nación, 27 de Julho de 1996: 11).

2. As Forças Militares e a Operação Conquista

No que se refere às manifestações no Putumayo, as chefias da Polícia «declaram-se confusas acerca dos argumentos que utilizam os manifestantes» já que até ao momento «o Governo não definiu a realização de fumigações neste distrito», uma das razões que levou a Polícia a sustentar que o movimento estava a ser apoiado pela narcoguerrilha (El Tiempo, 28 de Julho de 1996: 15A). Por outro lado, o distrito de Putumayo tampouco tinha sido declarado zona especial de ordem pública, em contraste com os de Guaviare e Caquetá, muito embora os líderes do movimento estivessem à espera de que isto viesse a acontecer a qualquer momento e estivessem a fazer todo o possível para evitá-lo, além de estarem a apoiar os outros distritos nas suas declarações contra esta medida, já que se identificavam plenamente com a sua luta.

A ideia de que a guerrilha era mais uma vez a promotora da greve foi sustentada pelas forças militares e pelo Governo central, tal como acontecera na paralisação cívica anterior. Isto permitia o uso da força para reprimir o movimento e legitimava as acções violentas que foram tomadas contra ele. No dia 7 de Agosto de 1998, o General Bedoya, já ex-Comandante das Forças Militares acusava o Governo de não ter apoiado as «grandes operações contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC - como na denominada Operação Conquista», e a seguir afirma: «Temos esta nova tragédia por causa do mau governo, pela falta de vontade de serem tomadas as decisões políticas para liquidar o problema do narcotráfico» (El Espectador, 7 de Agosto de 1998: 5A). Torna-se evidente nestas afirmações que, em opinião do General Bedoya, o encarregado de dirigir as acções militares na zona na altura das marchas, o narcotráfico e as FARC são homologáveis e, por isso, na sua perspectiva, a Operação Conquista era uma operação dirigida prioritariamente contra os insurgentes ou contra a narcoguerrilha, como foi chamada pelos militares, em vez de uma operação destinada a acabar com as culturas ilícitas, como tinha sido afirmado pelo Presidente Samper. É dentro desta lógica que podem ser entendidas as declarações prestadas pelo General Bedoya, no momento em que se iniciam as marchas no Guaviare: «Vamos recuperar este território inundado de culturas ilícitas. O Governo e as forças armadas vão combater este flagelo. Esta é uma guerra, que vamos ganhar; está a começar, vamos demorar um bocado, mas vamos ganhá-la» (Declarações no Noticiero AM-PM, 7 de Julho de 1996).

Conquistar o território da Amazónia torna-se o discurso que domina, dirige e legitima as acções das Forças Militares. Impõe-se uma identidade de grupo social aos camponeses cocaleros, representados como «massas mafiosas patrocinadas pelo cartel das FARC» (declarações do General Bedoya em Padilla, Cambio 16, 164, 5 de Agosto de 1996: 18), isto é, assina-se-lhes uma identidade colectiva negativa como grupo social fora da lei. Reconstitui-se assim o período da Conquista quando esta região da Amazónia era representada pelos conquistadores espanhóis como habitada por «selvagens» e agora por migrantes e delinquentes comandados por guerrilheiros. Trata-se em ambos os casos de grupos «indomáveis» que há que controlar, dominar e normalizar. Deste modo, o movimento camponês muda de configuração perante a opinião pública.

Ainda mais, o General Bedoya acentua que os mafiosos emprestam dinheiro a estes imigrantes vindos de todas as partes do país para semear, recolher e processar a coca e quando começam a cobrar, «estas pessoas chegadas de todas as partes do país não têm como responder e ficam atrapadas, sequestradas pelas FARC que as obriga a promoverem paralisações como as que estamos a ver» e sustenta que há que manter as medidas repressivas e as zonas de ordem pública «para protegermos pessoas prisioneiras da máfia. São escravos movidos como bestas de carga pelos terroristas das FARC» (declarações do General Bedoya em Padilla, Cambio 16, 164, 5 de Agosto de 1996: 18-20). Deste modo, os camponeses ficam desprovidos de qualquer iniciativa própria; ainda mais, são comparados a animais e o facto de desumanizá-los implica reafirmar a sua exclusão da «sociedade civilizada» e a sua condição «bárbara». A «limpeza» da região tanto de culturas e laboratórios como de imigrantes e aventureiros à margem da lei, assim como a incorporação desta região de fronteira no Estado-nação e, sobretudo, na civilização, é o que legitima toda a operação militar.

Vale a pena lembrar aqui como se desenha uma sociedade incivilizada na Amazónia que requer ser civilizada para poder ser convertida numa verdadeira sociedade civil. Este parece ser o discurso subjacente do Estado central na forma em que se abordam as manifestações populares, ou por palavras dos militares, a «alteração da ordem pública na zona». Pacificar a vida quotidiana destes colonos vítimas ou cúmplices da guerrilha através da repressão, isto é, do exercício da violência estatal, torna-se, à luz desta perspectiva, num acto legítimo.

É por isso que para o caso do Putumayo o General Mario Galán Rodríguez afirma: «é indubitável que a greve do Putumayo é liderada pelas colunas 32 e 48 das FARC, que obrigaram os camponeses a sair à rua para protestar contra o Governo», e a seguir sustenta que «os camponeses não sabem porque estão nestes protestos e o que é aterrador é que foram obrigados a sair das suas terras para se reunirem nos três municípios» e acaba apontando que «não há nisto outro interesse que não seja o da narcoguerrilha» por razões puramente económicas (La Nación, 2 de Agosto de 1996: 9). Torna-se aqui evidente o que Gutiérrez e Jaramillo (2000) referem sobre a criminalização do protesto social «como instrumento chave no repertório de respostas à contestação» na Colômbia, assim como a relação paradoxal do político e do criminal que se evidencia durante a década de 80, quando observamos «a tentativa consciente do crime organizado para se tornar actor político e dos grupos contestatários para explicarem os seus vínculos com aquele».

3. «Saímos voluntariamente obrigados»: as FARC e o Movimento Cívico para o Desenvolvimento Integral do Putumayo na organização das marchas cocaleras.

Durante a paralisação cívica precedente que teve lugar de 20 de Dezembro de 1994 a 5 de Janeiro de 1995 e que abrangeu os municípios de Orito, San Miguel (La Dorada) e Valle del Guamués (La Hormiga) adquiriu forma o Movimento Cívico Regional do Putumayo. Este movimento, após ano e meio de existência, ampliou-se e estendeu-se a outros municípios do Baixo Putumayo como Puerto Asís e Puerto Guzmán, acabando por se articularem de forma contingente vários movimentos locais (Orito, Puerto Guzmán, Puerto Asís e Puerto Leguizamo) procurando construir uma hegemonia política e ideológica regional:

Regressa-se ao Putumayo [após o Seminário Internacional de Culturas Ilícitas celebrado nos dias 14 e 15 de Junho de 1995] e os líderes chegam ao acordo de prepararem a paralisação. De um lado, a discussão do problema da organização e de outro o que se vai fazer, a operatividade. Para Orito, o problema era de ordem táctica e para Puerto Guzmán e Puerto Asís, de carácter organizativo e político: que característica social e política vai assumir este movimento? Toma-se depois a decisão de fazer uma reunião com todos os dirigentes do Putumayo: do Alto, Médio e Baixo Putumayo. Nessa reunião cria-se o Movimento Cívico pelo Desenvolvimento Integral do Putumayo e rompe-se com o Movimento Cívico (o de Orito, Valle del Guamués e San Miguel) e com o de Unidade Camponesa (de Puerto Guzmán). A partir daí começa a organização por freguesias e carreiros e escolhem-se dirigentes de cada um deles e do ponto de vista económico todos contribuem. Orito, Valle del Guamués e San Miguel têm mais experiência [...] (entrevista ao assessor do Grupo Base, 1999).

Este Movimento Cívico Regional do Putumayo, que se converterá no Movimento Cívico pelo Desenvolvimento Integral do Putumayo, propunha-se seguir o caminho da «luta unificada», o que não implicava apenas a unificação dos movimentos distritais de todo o tipo (étnicos, políticos e sociais) mas também o trabalho de coordenação com outros distritos com culturas ilícitas como o de Caquetá, Guaviare e Meta:

Falamos de uma mobilização nacional para que a Câmara de Representantes se decida a tocar no assunto como um problema social do país. E nós num ano e meio conseguimos preparar [...] nessa altura redigimos um documento bastante ambicioso e nós tínhamos consciência de que isso era uma utopia, dizíamos, necessitamos de mobilizar no mínimo um milhão de camponeses na Colômbia para podermos fazer compreender ao Estado que este não é um problema de delinquência, é um problema social (entrevista ao líder indígena, director da OZIP durante as marchas, 1999).

Esta mobilização nacional procurava também apresentar a necessidade de uma reforma agrária, dada a magnitude do problema. Além disso propôs-se a formação de uma Mesa Nacional de Concertação para analisar as políticas do Estado em relação à substituição de culturas ilícitas, procurando levar a discussão do assunto para além de um simples nível regional.

O Movimento Cívico pelo Desenvolvimento Integral do Putumayo inicia a identificação de líderes da comunidade tais como chefes de juntas de acção comunal, membros do magistério, do sector da saúde, etc. para começar os preparativos das marchas. Participam já não apenas camponeses e indígenas que cultivam e recolhem a coca, mas também líderes de outros sectores, numa tentativa de conseguirem um movimento cívico distrital que comprometesse os 13 municípios do Putumayo.

Este Movimento Cívico não esteve isento da ambivalência que tem vindo a caracterizar a prática social e política do Putumayo, pois enquadra-se naquela tensão de conseguirem manter ou não a sua autonomia como movimento social e/ou político não apenas em relação aos partidos tradicionais mas também aos grupos armados que actuam na região. Durante o movimento dos cocaleros de 1996 tornou-se evidente não só o problema estrutural da região da Amazónia Ocidental (Putumayo, Caquetá e Guaviare) em relação aos conflitos e à violência associados à cultura da coca e ao narcotráfico, mas também a forte articulação existente entre os camponeses e a guerrilha.

A ambiguidade desta aliança evidencia-se nas palavras de um camponês ao afirmar: «saímos para as marchas voluntariamente obrigados», querendo com isto indicar que a guerrilha não se limitou apenas a apoiar o movimento mas promoveu-o de forma autoritária. Contudo, sustentar que o movimento cocalero foi resultado do medo e/ou do terror exercido sobre a população camponesa pela guerrilha é desconhecer os processos organizativos das pessoas da região e deste modo estar-se-ia a legitimar não apenas a visão que foi dada a nível central, quando na imprensa se afirmava: «guerrilha, culpada pela paralisação no Putumayo», como também a negar o contributo dos camponeses e povoadores do Putumayo para a organização do movimento, a sua capacidade e interesse em participarem na discussão de políticas e planos de desenvolvimento para a região durante a mesa de negociações.

É importante realçar ainda que as FARC promoveram o exercício da descentralização e da participação cidadã na região da Amazónia seguindo um dos seus posicionamentos políticos:

A gestão local nas mãos do povo é uma forma alternativa de participação da sociedade civil para possibilitar a denúncia contra o «clientelismo» e contra a corrupção reinantes, e avançar na solução dos seus problemas e necessidades mais prementes. É por isso que os cidadãos têm obrigação política de exercê-la para serem realmente livres [...] o poder local deverá contribuir para a estabilização e para a adaptação das localidades procurando construir uma identidade colectiva dentro da diversidade própria de cada lugar e uma preparação para assumir as mudanças sociais, sempre para o benefício comum, base de toda a legitimidade republicana (FARC, 1998).

Nesta ordem de ideias, as FARC permitem não apenas que os camponeses solicitem do Estado serviços e obras de infra-estrutura, mas que também exijam deles a participação cidadã no planeamento e execução de projectos produtivos para a região. Portanto, pode-se afirmar que, na sequência de esta política, as FARC não procuram substituir o Estado como provedor de serviços e bem-estar; o Estado deve estar ao serviço do povo e tem que lhe prestar contas dos seus actos. É desta forma que as FARC exercem o controlo da Administração Pública a nível municipal. O Presidente da Câmara deve responder com o seu plano de governo pela realização das obras e proporcionar relatórios que mostrem que o dinheiro público é investido em obras para a comunidade, que não há nem esbanjamentos, nem desvio de fundos, enfim que estão a ser atendidas as necessidades das comunidades. Isto é, torna-se evidente que as FARC apoiam as paralisações cívicas para exigirem ao Estado o cumprimento das suas funções e não é tão nítido que estejam contra o investimento e a presença dele na região da Amazónia. As acções das FARC estão imbricadas com as políticas do Estado na região pelo que, consequentemente, discordo de Ferro e Uribe (2000), que, ao referirem-se ao distrito de Caquetá, concluem que para as FARC as marchas «enquadram-se prioritariamente dentro do desenvolvimento de um projecto político-militar» que responde ao seu fim estratégico, a tomada do poder. É assim que propõem a «altercidadania» como «projecto político das FARC que pretende envolver a população como cidadãos de um novo Estado regido por esta organização».

Através do apoio logístico ao movimento cocalero, as FARC não ajudam apenas os dirigentes do Movimento Cívico a chegarem fortalecidos à mesa de negociações afim de apresentarem os seus pedidos ao Estado, mas também para que se apresentem como defensores dos interesses dos camponeses. Por palavras do Comandante Joaquín do Bloco Sul, «as FARC apoiam a população civil nas suas exigências contra os corruptos. Porque nós não temos outra coisa que defender senão os interesses da população». E, ao referir-se à tomada da Base Militar Las Delicias no Putumayo e à retenção de 60 soldados, no dia 31 de Agosto de 1996, declara que «a nossa acção foi um acto de solidariedade contra o tratamento inumano, repressivo e policial que estava a ser dado aos camponeses no sul do país pelo único delito de exigirem ao Estado o cumprimento dos seus deveres» (ANNCOL, Março de 1998: 3).

Porém, não podemos esquecer que a relação que a guerrilha estabelece com os camponeses é ambivalente, porque ao mesmo tempo que impulsiona a democracia participativa, exerce o autoritarismo sobre a população. Trata-se de um duplo discurso das FARC: colocando-se como defensores dos interesses dos camponeses legitimam tanto as suas acções como o seu autoritarismo. Foi isto que se tornou evidente no desenlace do movimento.

4. As Juntas de Acção Comunal como rede para a organização das marchas e a sua relativa autonomia em relação às FARC

É reconhecido o papel desempenhado pelas FARC na concepção organizativa das marchas tanto nos seus preparativos como na sua execução, mas «as juntas de acção comunal foram as que se responsabilizaram por aquilo que era necessário fazer em cada carreiro das diferentes freguesias» (testemunho de um camponês em Puerto Asís, 1999). Julgamos importante indicar aqui que as Juntas de Acção Comunal constituíram a rede que facilita as relações sociais e políticas dos habitantes da Amazónia a nível dos carreiros das freguesias, a nível municipal e da inspecção policial. É através dos chefes das Juntas de Acção Comunal que se estabelecem os laços para trabalhar nos carreiros por parte dos funcionários oficiais na zona, das FARC e dos representantes dos partidos políticos. É através das Juntas de Acção Comunal que os líderes do Movimento Cívico pelo Desenvolvimento Integral do Putumayo e do Movimento Pacífico do Cauca, no caso da Baixa Bota Caucana, organizam as marchas:

Inicialmente dividimos o território segundo os postos de polícia, essa foi a primeira parte. Depois passámos a convocar os carreiros. Na reunião dos povoadores dos carreiros falava-se apenas com os presidentes de grupos de acção comunal, mais tarde, começámos com outros a nível mais baixo, e logo que este pessoal estava capacitado - eram oficinas de três, quatro dias; eram oficinas o que fazíamos, fazendo ver toda a problemática que caía sobre nós - eles, por sua vez, iam e ditavam nas suas oficinas o que tinham percebido das coisas, e depois nós recebíamos os relatórios; as pessoas apresentavam relatórios e entre as coisas mais importantes que nos preocupavam era que ninguém respondesse pelos camponeses, que fossem eles próprios a informar, para ficarmos a saber as forças e os pontos fracos do pessoal, porque nós íamos depois de carreiro em carreiro e abríamo-nos com eles nalgum momento, às vezes íamos cerca de 40, noutros momentos íamos sozinhos, porque nos diziam «em tal sítio há três carreiros reunidos» e então decidíamos que a fulano calha-lhe ali, a sicrano acolá, e assim dispersávamo-nos pelos carreiros (entrevista a um líder indígena, director da OZIP durante as marchas, 1999).

Nessas oficinas começou a consciencialização não apenas sobre a iminência da fumigação enquanto política central do Governo naquele momento, mas também sobre a importância da unificação do Movimento Cívico, não só a nível regional, mas distrital, tratando de integrar nele municípios não identificados como cultivadores de coca (como os do Alto Putumayo, Sibundoy, Santiago, San Francisco e Colón). E explicava-se, ainda melhor, o contexto nacional e internacional a que respondiam as culturas ilícitas. Os líderes procuravam conseguir desse modo, com conhecimento de causa, a participação voluntária nas mobilizações por parte dos habitantes dos carreiros. Além das oficinas, houve colóquios sobre culturas ilícitas e fumigação. É recorrente a preocupação em conseguir a participação da comunidade tanto ao longo de todos os momentos do período de mobilização, como depois dela, na altura da avaliação do movimento e do seguimento dos acordos. Os líderes tratam fundamentalmente de não reproduzir práticas correspondentes à cultura política dominante face à qual se definem como diferentes. Por palavras suas: «que não nos convertamos numa cabeça sem corpo» (intervenção de um líder no balanço do ponto da situação sobre a paralisação cívica, 24 de Setembro de 1996).

Torna-se evidente que as acções promovidas ou apoiadas pelas FARC não significaram necessariamente a anulação da capacidade dos sujeitos governados de reagirem, de actuarem como sujeitos colectivos ou individuais. As pessoas na região negoceiam com as FARC, o que corresponde à representação que se tem da guerrilha, pois mesmo quando as FARC exercem funções de autoridade no que respeita a manter a ordem, o controlo e a disciplina na região, a guerrilha não é reconhecida pelos habitantes da Amazónia como um Estado dentro do Estado como se tem pretendido mostrar, mas sim «como um governo dentro do governo», segundo afirma Manuel Marulanda Vélez quando se refere à acção das FARC (entrevista em Semana, 18 de Janeiro de 1999: 22). A autoridade das FARC é ao mesmo tempo aceite e contrariada pela população. Comenta assim um Chefe de Acção Comunal em Piamonte:

As FARC são as que nos capacitaram e fizeram avançar a organização. A guerrilha promove a associação de Juntas de Acção Comunal e que o pessoal se organize. A guerrilha impõe a ordem na região e esta acata-se. A comunidade já tem consciência da necessidade de se organizar e proporciona informação quando se fazem inquéritos e censos. Antes não queriam colaborar e chamavam-me bisbilhoteiro (testemunho do Chefe da Junta de Acção Comunal da Consolata, em Piamonte, 1998).

Muito embora as ordens das FARC sejam acatadas, em múltiplas ocasiões são discutidas e negociadas. É o que aconteceu no caso da Baixa Bota Caucana na altura das marchas. As FARC tinham determinado que uma parte dos carreiros sairia em direcção a Caquetá e a outra a Putumayo. Porém, os habitantes dalguns carreiros da Baixa Bota Caucana recusaram-se a sair da sua zona, porque era intenção deles pressionarem pela criação de um novo município e viam nesta ocasião a sua grande oportunidade:

Nós nunca tivemos uma assessoria da guerrilha, o que temos feito tem sido por convicção própria dos líderes; como lhe estava a dizer, na paralisação, eles, a guerrilha, estiveram contra nós, porque queriam que fossemos para o Putumayo, para o Caquetá, nós não saímos e por isso eles não estiveram de acordo connosco. Porque nós dissemos que a nossa luta era no Cauca. Não, não houve qualquer confronto, unicamente tiraram-nos o apoio, não nos apoiaram mais. Não houve diálogo, simplesmente mandaram-nos dizer que não nos apoiavam e que nós víssemos o que faríamos. Porque eles achavam que nós éramos um grupo débil, tanto a guerrilha como o governo achavam que como era toda uma zona demasiado isolada, que íamos chumbar a paralisação. E, pelo contrário, foi uma das melhores paralisações que se produziram!, porque teve repercussão a nível nacional pela forma pacífica, pela qualidade dos negociadores, pelas vitórias atingidas nas negociações, foi das melhores.

A gente queixa-se com mais força, quando é mais forte a dor. Se a dor não for forte, a gente não se queixa quase nada, mas se a dor for forte, então sim, então pode haver diálogo. Isso foi o que nos aconteceu a nós, porque como sentíamos a necessidade, e ao ver que a necessidade nos empurrava, nós tínhamos de resolver os problemas (entrevista a um membro da Comissão Negociadora da Paralisação Cívica na Baixa Bota Caucana, 1998).

Tornam-se pois evidentes os espaços de negociação com a guerrilha abertos pelas pessoas a partir das suas próprias necessidades e lutas anteriores. A criação de um município na Baixa Bota Caucana fora proposto pela comunidade na década de 80; esta reivindicação tinha constituído o eixo de movimentos cívicos anteriores e nesta ocasião retomava-se como luta própria da zona. Porém, embora alguns carreiros da Baixa Bota Caucana não saíssem para o Caquetá e para o Putumayo, outros sim o fizeram, de modo que a tensão e a ambivalência da relação com as FARC mantêm-se, ainda que se manifeste que não recebem «assessoria» da guerrilha. É importante assinalar como o Governo e a guerrilha percebiam e prediziam de modo idêntico que a paralisação não teria sucesso. A ambas as instâncias é demonstrado o contrário ao afirmarem-se como movimento autónomo e, sobretudo, ao conseguirem a criação do município de Piamonte.

Em relação ao Putumayo, a representante das mulheres no Grupo Base destaca também a relativa autonomia que tem a sociedade civil no que respeita às FARC: «A guerrilha nomeou umas pessoas e a sociedade civil nomeou outras para dirigirem as marchas, de maneira que opuseram-se às suas ordens [referência às ordens das FARC]» (entrevista à representante das mulheres no Grupo Base, Fevereiro de 1999).

Sobre o papel organizativo das FARC durante o movimento uma camponesa da Baixa Bota Caucana manifesta:

Digamos coordenadores, não directamente mas sim, eles colaboravam aí. Eles foram os encarregados de formar os comités, de ver quem repartia as remessas, também pediu-se a ajuda de Popoyán, de lá mandaram papinhas para as crianças, decidiu-se que quem fazia as refeições das crianças todos os dias dava-se-lhe também a refeição. Se eles não tivessem estado lá imediatamente, não teria havido ordem como houve sempre, porque você sabe bem que, às vezes, quando há coisas, sempre há um que quer mais, outro que quer menos e às vezes havia falcatruas. Passados três dias, depois da gente já ter as nossas barraquinhas levantadas, chegaram eles e meteram tudo na ordem, até como havíamos de construir as barracas (entrevista a Oliva Macías, 1999).

Podemos concluir que embora as FARC reservassem para si próprias a responsabilidade da organização geral da marcha e do cumprimento de cada uma das tarefas, e ao mesmo tempo proibissem a produção de coca e a actividade comercial durante a mesma, os camponeses através dos líderes do movimento levaram propostas concretas até à mesa de negociações e estes, por sua vez, defenderam os interesses da população que representavam.

5. A negociação: um espaço para confrontar identidades e solicitar o reconhecimento da sua história de violência e deslocações

A delegação do Governo central para as negociações estava formada pelo Delegado da Presidência da República, por um assessor do Ministério da Administração Interna, o Vice-ministro da Agricultura e representantes dos Ministérios e Institutos descentralizados do Estado. Esta comissão viajava ao Putumayo com ordem de não negociar um único ponto relacionado com a política de erradicação ou fumigação de culturas ilícitas e de chegar a acordos sobre serviços e obras de infra-estrutura que tivessem verbas já orçamentadas (entrevista ao Delegado da Presidência da República na mesa de negociações, 1999).

Pela sua parte, os dirigentes do Movimento Cívico reunidos com os líderes das Juntas de Acção Comunal nas diferentes vilas onde estavam concentrados, elegeram os seus representantes na mesa de negociações e dirigiram-se a Orito para iniciarem as conversações.

O grupo para a negociação em Orito foi seleccionado pelo Movimento Cívico pelo Desenvolvimento Integral do Putumayo. De Puerto Guzmán eram 600 pessoas e aliaram-se com Puerto Limón e Santa Lucía e somaram um total de 4.000 e exigiram ter um representante eleito por eles, não deixaram arrancar o carro de Mocoa e ameaçaram em voltar para os seus lugares de origem, se não levassem o seu escolhido com eles, foi chamado o Presidente da Câmara para pedir-lhe autorização e assim se fez (testemunho da representante das mulheres no Grupo Base, 1999).

Como pode deduzir-se deste testemunho, os camponeses participantes nas marchas puderam exercer pressão para participar na mesa de negociações, mas a liderança foi mantida pelo Movimento Cívico. Procurou-se ter um representante por cada município, assim como representantes de grupos camponeses organizados e líderes do Movimento Cívico.

Entre os funcionários oficiais negociadores no Putumayo houve consenso na hora de reconhecer o Movimento Cívico como representativo dos movimentos cocaleros. Por palavras do assessor do Ministro da Administração Interna, comparando a mesa de negociação de Orito com a do Caquetá, onde havia diferentes grupos a liderar a negociação: «a gente no Putumayo tinha sempre os mesmos interlocutores e encontrava as mesmas pessoas». Além disso, reconhece-se «a tradição cívica de combate e de luta de há tempos» no Putumayo (entrevista a um funcionário da Rede durante as negociações, 1999). Para o caso das marchas no Caquetá, Ferro e Uribe (2000) não consideram que os dirigentes camponeses tivessem autonomia nas negociações, muito embora numa entrevista a um Comandante das FARC que eles transcrevem, este afirme: «embora seja certo que o movimento esboçou umas orientações muito gerais, todo o suporte organizativo, que foi o de levar à prática a greve e as negociações, foi da exclusiva responsabilidade dos dirigentes camponeses», afirmação que coincide com o que até agora tenho vindo a sustentar para o caso do Putumayo.

Os líderes do Movimento Cívico iniciaram as negociações pondo à consideração da mesa a história das zonas de colonização para entenderem porque é que a coca é a cultura dominante na região. Iniciam a exposição com as referências à colonização na Amazónia como resultado dos conflitos internos do país durante o período da violência política, assim como da contínua expulsão dos camponeses da zona andina por causa especialmente da falta de terras. Evidenciam ainda a falta de políticas adequadas para a região amazónica e sobretudo o abandono e a exclusão da mesma por parte do Estado. Coloca-se a questão da identidade regional dentro do Estado-nação colombiano, identidade regional moldada pelo conflito e a consequente recepção de população deslocada, e por conseguinte a sua definição como região à margem relativamente ao centro do país. Daí que se solicite então que o Estado e o Governo reconheçam o problema social e económico da região devido aos referidos factores históricos e sociais estruturais (esboço da proposta inicial do Movimento Cívico da acta de acordo, cortesia de Teófilo Vázquez, 1996).

E adiante insiste-se em que «pelo anterior[mente exposto], a sua problemática merece da parte do Estado e do Governo um tratamento diferenciado em relação ao que é dado ao narcotráfico e aos insurgentes» (esboço da proposta inicial do Movimento Cívico da acta de acordo, cortesia de Teófilo Vázquez, 1996). Ao fazerem este esclarecimento, está a ser debatida a identidade que lhes foi adscrita, um estereotipo opressor que os torna invisíveis na altura de serem consultados acerca da sua situação; deste modo o exprime um camponês:

É que se nós, de facto, continuamos a cultivar a coca, então como nos vão pedir que, perante a opinião pública nacional e internacional, tenhamos, devido aos problemas que vocês próprios já reconheceram, de nos submeter a dizermos que nós, os camponeses que cultivamos coca, somos narcotraficantes ou narcoguerrilheiros, conforme nos apresentam a nível mundial?; e é esse direito a honra que nós camponeses temos, apesar de forçosamente infringirmos uma lei, o que estamos a reclamar que nos seja reconhecido, não é outra coisa, nós, com certeza, temos também esse direito. É que nós então temos de aguentar sermos apresentados perante a opinião pública como delinquentes pelo facto de semearmos coca para mantermos a nossa família? E isto não está também em contravenção com a própria Constituição? (intervenção de Óscar Reyes, porta-voz das comunidades durante a mesa de negociações, Orito, 1996).

Em consequência, os camponeses exigem do Governo e do Estado serem reconhecidos enquanto actores sociais:

o camponês cultivador de coca que se submeta ao processo de erradicação voluntária e de substituição deve ser um actor social e um interlocutor válido para a procura de [tais] soluções ali e não um sujeito completamente distante porque nós achamos que como parte do problema somos também parte da procura de soluções (intervenção de um líder camponês perante a mesa de negociações, Agosto, 1996).

Os representantes do governo, por seu lado, antepõem o problema jurídico ao problema social e económico da região:

num país como a Colômbia há certas leis que devemos cumprir. Fique bem claro isto. Temo-lo reiterado em diferentes ocasiões através de diversos funcionários, quando foi questionado sobre o alcance das comissões, o Senhor Ministro da Administração Interna foi muito claro, que a política da Colômbia face aos problemas das drogas, face ao tráfico de estupefacientes não ia ser negociada. Um desses elementos desta política, mais expressamente a Lei 30, diz que quem cultiva coca está a incorrer num delito, e isto impede estabelecer uma gradação [na substituição da cultura]; porque há cá pontos que podemos discutir como pode ser, quase com certeza, por exemplo, o assunto de que o pequeno cultivador venha a ser um interlocutor válido na procura de soluções integrais, mas em que forma? O Dr. Díaz dizia-lhes há pouco que isso era totalmente aceitável, não como um actor social, mas como um interlocutor válido, porque o reconhecimento de um actor social não pode ser feito com base no facto de que esse actor social está a cometer um delito (intervenção do funcionário do PLANTE durante a mesa de negociações).

Ora bem, ser apenas um interlocutor válido para pôr em marcha programas é lido pelos camponeses como uma impossibilidade de agir, de participar com voz e voto na definição desses programas; é lido como uma continuação de não serem reconhecidos como grupo social e continuarem como receptores de programas e políticas para a erradicação da coca que se fazem a partir do Estado sem serem consultados, política que marcou o fracasso dos projectos produtivos anteriormente implementados na região amazónica.

Além disso, os representantes do Governo reiteram a impossibilidade de serem negociados temas como a substituição gradual da coca e o reconhecimento social das culturas ilícitas e desvirtuam de certa forma a posição do Movimento Cívico:

o movimento insiste em que o que interessa não é nem o tema da política agrária integral, nem as estradas, nem a saúde, nem a educação, nem a habitação, nem os direitos humanos, nem as telecomunicações, nem o ordenamento territorial, mas sim mudar a legislação colombiana sobre utilização de estupefacientes; esta Comissão lamenta a posição e entende que o que o Movimento e os seus organizadores estão a reclamar é um processo de reforma legislativa que corresponde à Assembleia da República... (intervenção do Vice-ministro da Agricultura na mesa de negociações, Orito, 1996).

Os dirigentes do Movimento respondem esclarecendo que não estão a exigir uma negociação da lei, mas sim que se pronunciem e reconheçam um problema social que não pode ser resolvido com a fumigação das culturas de coca (El Tiempo, 7 de Agosto de 1996: 10A).

Na intervenção do representante do Governo destaca-se a forma como procura orientar a discussão para a satisfação de necessidades básicas e de infra-estruturas e a sua recusa em entrar a fundo na questão do problema estrutural da economia amazónica e dos problemas do sector agrário no país. E era isso o que os líderes do Movimento Cívico estavam a promover: soluções estruturais e não a negociação de uma lista de necessidades de serviços, ponto no qual os funcionários públicos querem centrar a mesa de negociações. Para os camponeses o problema não é apenas o de erradicar ou não a coca, como sustenta a comissão do Governo; o problema que eles colocam sobre a mesa é a sua história de violência, repressão e falta de alternativas, isto é, a reivindicação perante o Estado da sua marginalização e exclusão. Face a este desconhecimento, os líderes do Movimento Cívico retiram-se da mesa durante um dia.

6. A ambivalência dos funcionários do Estado face ao Movimento cocalero e a assinatura do acordo inicial

O movimento dos cocaleros mostrou de forma clara as próprias divisões internas dos funcionários do Estado. Em primeiro lugar, tornou-se evidente a ambivalência dos funcionários locais e regionais em relação aos funcionários de nível nacional. Identificar-se como funcionário do Estado e, por conseguinte, apoiar o Governo central ou identificar-se com a problemática social, económica e política de uma região e, por conseguinte, apoiar os camponeses cocaleros e/ou os dirigentes do Movimento Cívico eram as duas únicas posições que podiam ser assumidas.

Os funcionários oficiais locais comprometem-se com os camponeses pelo facto de se identificarem como concidadãos do Putumayo, e, ainda, por alguns deles actuarem como assessores dos líderes do Movimento Cívico na mesa de negociações. Por seu lado, os Presidentes das Câmaras não se sentem comprometidos com os representantes do Governo central uma vez que no processo de descentralização consideram que lhes foram transferidos mais problemas do que soluções e, desde o primeiro momento, apoiaram as exigências dos camponeses de negociarem apenas com «altos funcionários» do governo, na medida em que só eles é que têm o poder de decisão sobre os fundos nacionais e sobre as transferências. Por último, o Governador Civil como peça isolada que adere a uns ou a outros dependendo do desenrolar da situação.

Porém, mais evidente era ainda a forte divisão no interior do Governo central. De um lado estão o Delegado do Ministério Público Geral da Nação, o Director do PLANTE e o Comandante Chefe das Forças Armadas, sector do Governo que identifica os camponeses cultivadores de coca como narcotraficantes. Consequentemente, o Delegado do Ministério Público exercia pressões sobre o Ministro da Administração Interna, e por conseguinte sobre os seus representantes na mesa de negociações, afim de não serem assinados acordos que fossem contra a política de erradicação e fumigação total das culturas de coca na medida em que isto era equiparado à subscrição de convénios com delinquentes. Esta pressão obedecia ao facto de naquela altura o Governo estar a ser também julgado pelos seus vínculos com o narcotráfico, facto não desmentido pelos Estados Unidos da América em Janeiro de 1996 e pressionado pela possibilidade de não ser desmentido de novo em 1997, como realmente aconteceu.

De outro lado situava-se o sector do Governo representado principalmente pela Rede de Solidariedade e por outros funcionários oficiais, com experiência de trabalho na região, com assento na mesa das negociações e que procuravam chegar a um acordo, apesar das ameaças de serem investigados por negociarem com narcotraficantes. E se, por um lado, havia todo o interesse em assinar o acordo para não aprofundar o desprestígio do Governo, por outro, procurava-se alcançar um vínculo estreito com os camponeses para neutralizar o apoio da guerrilha. Foi por estas razões que este sector apoiou a ideia do Movimento Cívico de assinar como acordo inicial a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Integral de Emergência que se intitulou «por um Putumayo sem coca e sustentado numa economia solidária», insistindo sempre que fosse acrescentado «sem coca» para não entrar em conflito com o outro sector do Governo:

Então, repara bem que acerca do tema de um Putumayo sem coca, cada qual fez a sua própria representação. Para nós tratava-se de uma coisa mais integral, mais de alcançar no plano político a aliança entre os camponeses; a nossa estratégia era conseguir uma aliança entre os camponeses do Putumayo e as autoridades, pelo menos as nacionais ou as que nós representávamos. E tínhamos um interesse extremo em nos aliarmos a eles, em mostrarmos que era possível a construção de um Putumayo distinto, baseado numa aliança entre camponeses e governo [...]. Para a guerrilha essa aliança era funesta, mas nós estávamos a apostar nisso, em ganharmos os camponeses. A guerrilha tenta manter o controlo militar da área, a sua influência (entrevista ao Delegado do Presidente na mesa de negociações, 1999).

Por sua vez, os negociadores do Governo perceberam as pressões das FARC sobre os líderes do Movimento Cívico:

Eles falavam em nome de um movimento cívico, e o Movimento Cívico existe, mas todos nós sabemos que por detrás dele há muita pressão dos actores armados da região. Nós o que víamos do ponto de vista deste lado do Estado era que essa representação estava muito castrada e não era espontânea e, por isso, os que se preocuparam muito sobre o que escrever, sobre o que comprometer-se e sobre o que assinar foram mais eles do que os do Estado, que estávamos sim realmente a representar uma grande vontade política para tratarmos de resolver o problema (entrevista a um funcionário da Rede de Solidariedade, 1999).

Não obstante, essa dependência total dos negociadores do Movimento Cívico em relação às FARC não foi tão evidente na altura de tomarem decisões, tal como o manifesta este depoimento de outro funcionário ao demonstrar que as FARC queriam adiar a assinatura do acordo, mas que apesar deles e do Delegado do Ministério Público da Nação, este ficou assinado:

E fez-se uma redacção bastante ampla, bastante difusa, como para não nos comprometer com o fiscal Valdivieso, do Ministério Público, que estava absolutamente pendente de cada passo dado e de cada decisão tomada; mal tinha acabado a gente de redigir uma proposta de projecto, em Orito, quando já havia uma opinião pública dirigida ao Ministério Público referindo as concessões ou não concessões do Governo na negociação; estava toda a gente pendente de tudo e todos a observarem todos, as FARC, o Governo (entrevista ao Assessor do Ministro da Administração Interna, Popayán, 1999).

No acordo final assinado definiu-se que os representantes dos camponeses na mesa de negociações deviam elaborar este Plano de Desenvolvimento Integral de Emergência por um Putumayo sem coca, logrando deste modo uma participação decisiva dos camponeses. Além disso, ficou acordado que a substituição e erradicação voluntária requeria um esforço conjunto de camponeses, de colonos, de indígenas, do Governo e da cooperação internacional. Foi deste modo que na prática se conseguiu que se diferenciasse o pequeno cultivador e fosse considerado finalmente «um interlocutor válido para definir e pôr em marcha soluções integrais» (Acta do Acordo, 1996), isto é, tinha-lhes sido reconhecido o voto para decidirem sobre políticas e projectos para a região.

Imediatamente a seguir, o General Bedoya manifestava que o acordo tinha sido assinado nas costas do Exército e mostrava-se contrariado pelo facto de se ter negociado com pessoas à margem da lei e afirmava que o mais importante era continuar a fumigar (El Espectador, 28 de Agosto de 1996: 3A). A fumigação é mais uma forma de exercer a violência como o denunciam os camponeses nos cartazes que exibem durante as marchas: «Fumigação igual a: desemprego, violência, emigração, miséria, etc. Samper declarou-nos a guerra. Não mais atropelos. Não à fumigação, sim à paz. Apoiemos a paralisação».

Por sua vez, o Ministério da Administração Interna declarava: «que nos acordos subscritos no domingo em Orito com os cultivadores de coca do Putumayo não foi negociada a fumigação das culturas ilícitas» e acrescenta que «o Governo assume com toda a responsabilidade o propósito inegociável de erradicar as culturas ilícitas no país afim de alcançar o seu objectivo fundamental que é sermos uma nação sem coca» (El Tiempo, 13 de Agosto de 1996: 3A).

Por seu turno, um dos participantes na mesa de negociações em representação dos camponeses manifestou que «para evitarmos a fumigação e qualquer outro método de erradicação forçada das culturas ilícitas, acordámos com o Governo um plano voluntário de substituição destas» (El Tiempo, 13 de Agosto de 1996: 3A). Os camponeses concebiam o Plano de Desenvolvimento Integral de Emergência como um plano para conseguirem a substituição gradual das culturas de coca e o estabelecimento de uma economia alternativa.

As duas perspectivas dos resultados do acordo final são totalmente opostas: enquanto o Governo sustenta que não foi negociada a erradicação, para os camponeses tinha sido conseguido um plano voluntário de erradicação face à erradicação forçada através da fumigação, o qual implicava que o pequeno camponês produtor era reconhecido. Para ambas as partes tinha-se alcançado uma vitória, ainda que cada leitura fosse diferente.

7. À procura da emancipação social através da construção de uma cidadania e do exercício da democracia participativa

Santos (1998) já assinalou o modo como os processos hegemónicos globais de exclusão que caracterizam o que ele denomina fascismo social, enfrentam resistências, iniciativas de grupos de base, organizações locais e movimentos populares que procuram atenuar formas extremas de exclusão social, abrindo espaços para a participação cidadã. É este o caso dos camponeses cocaleros, uma população estigmatizada, submetida à Lei 30 de 1986 ou Lei de Estupefacientes, que os criminaliza e cujo espaço de vida (a região da Amazónia) tem sido historicamente construído como habitado por «selvagens» ou delinquentes e, portanto, como um espaço de exclusão e marginalização. O que o movimento dos cocaleros solicita é a sua inclusão através da concertação com instâncias governamentais, tal como o caracteriza Foweraker (1995: 32) para os movimentos sociais na América Latina «que têm procurado principalmente soluções locais e imediatas de problemas concretos» e «concentram os seus pedidos sobre o Estado como provedor de serviços públicos e como garante das condições de consumo colectivo». Exigir mesas de negociações e assinatura de acordos converteu-se no Putumayo numa forma de exercer e reclamar direitos cidadãos não apenas sociais mas também cívicos e políticos, numa forma de reafirmar a sua condição de actores dentro da lei e de procurar o reconhecimento como movimentos sociais e/ou políticos. Em última instância, é uma forma de reclamar a sua inclusão dentro do Estado-nação que promove a democracia participativa, mas à qual não puderam aceder, e é, inclusivamente, uma forma de desenvolver novas formas democráticas e de exercício da cidadania.

Considerando que «a autonomia dos movimentos apenas pode ser entendida em termos da sua articulação numa luta hegemónica maior» (Laclau e Moufee, 1985: 140), o movimento dos cocaleros procura articular-se com o discurso hegemónico estatal sobre a democracia e a participação cidadã como uma forma de atingir um certo poder e põe em evidência novos processos de significação que, embora moldados por discursos hegemónicos, procuram contestá-los, redefini-los, articular-se com eles ou abandoná-los. Esta autonomia deve ser entendida também como estando em oposição tanto ao Estado hegemónico quanto a outros grupos dominantes na região, nomeadamente as FARC. De resto, não podemos perder de vista que o movimento cocalero emerge como tal em resposta à estigmatização a que estão sujeitos por parte do Estado pelo facto de cultivarem coca. O poder do movimento deriva, assim, da oposição sistemática do Estado através da fumigação indiscriminada das culturas de coca; este exerce uma política repressiva promovida pelos Estados Unidos da América que implicitamente desconhece as necessidades primárias dos habitantes da região fumigada e os seus reiterados pedidos de uma solução alternativa. Como cultivadores de coca, constituem a parte inicial e mais débil da cadeia global do narcotráfico, mas localmente a cultura de coca é simplesmente mais uma cultura que não modifica substancialmente as condições de vida dos cultivadores. Molano (1994) apontou ainda que a coca não trouxe apenas a repressão do Exército mas também fortaleceu o camponês colono uma vez que o Governo viu-se forçado a negociar directamente com os colonos e a ter seriamente em conta os seus interesses, como ficou em evidência na mesa de negociações analisada.

Para o caso do Putumayo, o sentimento de exclusão extrema é definidor da região, razão pela qual, quando os habitantes retomam a cidadania como bandeira de combate, estão a lutar pelo «direito a terem direitos». Arendt (1994), que foi quem cunhou a frase, refere como os direitos deixam de ser uma condição dada e começam a ser solicitados; além disso, acentua a importância do direito que todo ser humano tem a pertencer a uma comunidade política porque é nela que se materializam os direitos. São os cidadãos que têm que defender os seus direitos e, nomeadamente, o direito a não serem excluídos dos direitos que lhes são outorgados pela comunidade e, sobretudo, pela cidadania. Num contexto de exclusão, a definição de uma nova cidadania torna-se um acto cultural e político. Em relação à exclusão, aos movimentos sociais e à cidadania, Foweraker (1995: 113-114) conclui:

a questão sobre a exclusão é fundamental para a apreciação da relação entre movimentos sociais e democracia na América Latina contemporânea [...]. Com efeito, no presente contexto de democracia parcial, a melhor definição de movimento social é a de uma organização popular que pode fazer encaminhar pedidos para exercer um impacto perceptível na extensão e exercício dos direitos cidadãos.

Contesta-se assim a adscrição de lugares excludentes dentro da sociedade, questiona-se um ordenamento predeterminado, o que manifesta as raízes da cidadania como política da cultura (Dagnino, 1998). A apropriação política dos direitos constitucionais e sobretudo dos princípios de participação cidadã, implica para os camponeses cocaleros sustentar a sua luta dentro de um quadro legal, única estratégia visível na procura da sua emancipação social numa zona de conflito e marginalização. É assim que o Movimento Cívico para o Desenvolvimento Integral do Putumayo faz um apelo à colaboração do Governo nacional para alcançar uma solução dos problemas do Putumayo e afirma:

em tal caso, vestimos a camisola de Putumayo sem nenhum tipo de preferências políticas, sem sectarismo. Apenas com o direito de cidadãos e compreendendo que é a população a mais prejudicada. Solicitamos do Governo uma mão amiga para superarmos os problemas que estamos a viver. Caso contrário, este será daqui a pouco um caldo de cultivo para que sejam cometidos actos ilícitos e contra a ordem pública que trarão consequências profundamente negativas e lamentáveis (intervenção central do Movimento Cívico no Fórum Regional «Paz e direitos humanos», Puerto Asís, 7 de Maio de 1997).

Vestir a camisola de cidadãos putumayenses é identificar-se, conforme o caso, com o lugar de nascimento ou de residência actual, mas é sobretudo restabelecer o contrato ou a relação com o Estado. Tal como aponta Tilly (1996), a relação com o Estado é definidora de cidadania, relação que pode ser débil ou forte, segundo as transacções que se realizem entre ele e as pessoas sob a sua jurisdição.

Ao se considerarem primeiro cidadãos e depois putumayenses, está-se a construir uma cidadania, um sentido de pertença que antes não existia ou, pelo menos, não tinha sido reconhecido e explicitado. Implicitamente insiste-se em que pertencem à região, em contraposição ao que se diz deles ao considerá-los migrantes sem raízes à procura de dinheiro fácil. Ao solicitar esta pertença, está-se a exercer a «política da cidadania». Mas, sobretudo, procura-se alcançar representação perante o Estado, enquanto grupo diferenciado com voz para definir conjuntamente com ele políticas que resultem no seu bem-estar como habitantes do Putumayo. E para isto é proposto o exercício da participação cidadã regulamentada pela Constituição. Através do exercício da participação cidadã busca-se debater a ilegalidade da sua situação e fazer com que os cidadãos putumayenses actuem dentro da lei, inclusivamente levando-a à prática, o que constitui uma forma de ganhar poder, uma vez que se tenta alcançar reconhecimento e participação como grupo social diferenciado, com raízes e pertencendo à região, e, sobretudo, com voz e voto para defender os seus direitos como pequenos camponeses cultivadores de coca.

Estão a lutar pelo direito a participar na definição de políticas e de um plano específico para a Amazónia e deste modo alcançar a sua inclusão no Estado-nação. Tal como afirmam Hall e Held (1989: 180), a intervenção do Estado é necessária para assegurar um conceito apropriado de cidadania e é para lograrem essa intervenção que os dirigentes do Movimento Cívico actuam, ao ponto de ameaçarem o Estado afirmando que se este não lhes estender a mão, «cometer-se-ão actos ilícitos e contra a ordem pública». Durante a mesa de negociações afirmou-se que é o Governo quem deve garantir as alternativas produtivas rentáveis face à coca. Embora se tenha falado de participação na tomada de decisões e no desenho de programas e projectos, insistiu-se na responsabilidade última do Governo para o sucesso dos projectos que sejam implementados. É por isso que o Governo era responsabilizado pela paralisação, segundo se lia num cartaz: «A paralisação é um facto que o governo nos obriga a levar a cabo». Para os camponeses o Estado colombiano é o responsável da propagação das culturas ilícitas e, portanto, consideram que o mínimo que pode fazer é dar-lhes o tempo de consolidarem uma economia alternativa, pelo que insistem em negociar que a erradicação da coca se faça gradualmente. Cobra-se ao Estado a sua incapacidade histórica de prover serviços à população e é trazida à mesa de negociações uma reclamação que pesa na memória deste povo, dentro de uma concepção de Estado benfeitor em face do qual houve tendência a manter uma atitude passiva à espera de receber serviços. Os cartazes exprimem-no deste modo: «Somos um povo pacífico à espera de soluções» e «A necessidade de serviços é que nos leva a estarmos em greve».

Jelin (1996) chama a atenção para o facto de que na América Latina a relação que os sectores subordinados estabelecem com o Estado exprime-se geralmente em termos de «clientelismo» ou de paternalismo, mais do que em termos de cidadania, de direitos e de obrigações. Espera-se passivamente que seja o Estado a providenciar serviços. Houve tendência assim para achar natural uma posição de subordinação ao Estado. Contudo, Jelin também reconhece que não é apenas a resistência e a oposição à dominação o que tem vindo a acentuar-se, mas também a tomada de consciência de posse de direitos sociais, e é por isso que se luta por eles. Esta última situação é a que caracteriza os habitantes das zonas da produção de coca do Putumayo neste momento. Reafirmarem-se como cidadãos putumayenses significa obter o compromisso do Estado relativamente às suas reivindicações. Consideram, pois, que não é suficiente para conseguir a substituição que o cultivador manifeste o seu interesse em fazê-lo, pois é também necessário um compromisso por parte do Governo; a vontade de substituição deve proceder do Estado para que esta possa vir a ser viável. Muito embora haja quem continue à espera que seja o Estado a resolver os problemas, através do incentivo à participação cidadã está-se a produzir uma mudança de atitudes, de uma atitude passiva para uma outra activa, participativa, que solicita não apenas direitos sociais (educação, saúde, vias de comunicação, créditos e projectos para a substituição da cultura da coca), mas também direitos políticos e cívicos. Este pedido de compromisso do Estado está em concordância com o que Uprimny e Villegas (2001) referem sobre o modo como a Constituição de 1991 favorece «a intervenção activa do Estado na procura de justiça social», apesar de possibilitar também privatizações e políticas neoliberais.

É hoje, pois, dominante na região o discurso da participação activa da cidadania na construção de projectos e programas por parte tanto dos funcionários públicos como dos camponeses. Contudo, também é dominante a ideia de culpar o Estado de toda a situação e é o abandono do Estado que conduz a que os camponeses peçam para receber sem fazerem nada em troca. Esta tensão entre trabalhar activamente com os funcionários públicos ou simplesmente exigir deles e esperar que satisfaçam as necessidades está no fulcro da relação entre funcionários locais e comunidade. Estes discursos contraditórios vão condicionar não apenas as expectativas e percepções do Estado por parte dos habitantes do Putumayo mas também as estratégias que se implementem para alcançar o seu reconhecimento.

Por outro lado, a construção de uma cidadania implica conseguir que os cidadãos estejam protegidos de exercícios arbitrários de poder por parte do Estado, como aconteceu no momento em que as forças militares se referiram à falta de legitimidade do movimento cocalero e de outros movimentos cívicos anteriores no Putumayo, e como sucedeu com a perseguição dos líderes de diferentes movimentos. Os direitos à vida e à paz tornaram-se direitos pelos quais se luta nesta região. É por isso que nos acordos ficou estabelecida uma Comissão de Direitos Humanos porque se previam já as ameaças a que viriam a estar expostos os participantes do movimento. Para evitá-lo, foi solicitado ao Conselho Presidencial para os Direitos Humanos que estabelecesse uma linha aberta para os dirigentes e participantes da paralisação (Acta do Acordo, 1996). Num contexto de conflito armado em que o cenário é dominado pelo Exército, paramilitares e guerrilha, o desejo de construir uma cidadania torna-se mais uma forma de resistência.

Tilly (1996) insiste em que cidadania e identidades públicas devem ser vistas como relações sociais que se encontram incessantemente abertas à interpretação e à negociação. Neste sentido, é importante compreender o significado de «cidadão putumayense» no contexto actual da guerra contra as drogas e/ou contra os insurgentes: serem reconhecidos como cidadãos é alcançar visibilidade como grupo diferenciado, é não serem identificados como auxiliares da guerrilha ou dos narcotraficantes e começarem a construir e a fortalecer-se com o apoio do Estado. Para outras zonas em conflito, como o Urabá (Romero, 2001) e San José de Apartadó (Uribe, 2000), a construção de cidadania representa também a procura de autonomia por parte dos povoadores, a sua emancipação da subordinação às forças dominantes (guerrilha e paramilitares).

8. Construção do Estado na localidade

Se nos detivermos a olhar as práticas que dão vida ao Estado no Putumayo, poder-se-á entender como se constrói no seu imaginário, desde a perspectiva dos habitantes da região, este Estado paradoxal: por um lado, um Estado ameaçador e por outro um Estado que não provê, um estado paternalista que não executa os seus deveres como pai. É um Estado temido mas desejado. Na cultura política da zona o Estado divide-se, separa-se em duas metades para poder ser entendido como algo bom e como algo mau ao mesmo tempo.

Este imaginário do Estado na região responde às práticas políticas dos funcionários oficiais que se tornam evidentes à mesa de negociações. Como já foi mencionado, o Estado apresenta dimensões diferentes, rostos distintos, como resultado destes poderes, discursos e práticas que coabitam sob a ideia de uma entidade, o Estado. Em síntese, as contradições, ambivalências, ambiguidades e paradoxos indicados tanto para as práticas dos funcionários públicos como para a representação do Estado por parte dos habitantes do Putumayo, são parte constitutiva da formação do Estado na região, assim como da forma de sujeição e/ou resistência dos seus habitantes a este. A este respeito, Sayer (1994: 389) reforça a ideia de que «a qualidade polissémica, ambígua e contraditória destas formas putativas do Estado, ao mesmo tempo que oprimem dão poder. Não se trata deste ou do outro, mas de ambos».

Como temos vindo a argumentar, são precisamente essas práticas contraditórias do Estado as que fazem emergir o movimento dos cocaleros. Tal como afirma Gupta (1995: 394), «aproveitar as fissuras e rupturas, as contradições nas políticas, programas, instituições e discursos do ‘Estado’, permite às pessoas criarem possibilidades tanto para a acção política como para o activismo». Foi através do pedido de participação cidadã, um direito cívico ditado pela Constituição, que os dirigentes do movimento dos cocaleros obtiveram força para contestar a política de fumigação do Governo contrária a este princípio e conseguiram o seu reconhecimento como «interlocutor válido e necessário para a definição e funcionamento de soluções integrais». Trata-se da apropriação por parte do movimento social dos conteúdos da Constituição, o qual mostra como podem fortalecer-se os movimentos sociais quando se faz uso destes mecanismos jurídicos.

De resto, o discurso de um Estado ausente que percorre toda a região, interioriza-se como um desafecto e torna-se constitutivo da identidade dos sujeitos e ainda mais da própria sujeição. Neste contexto de exclusão e reconhecimento distorcido dos habitantes da região amazónica por parte do Estado (imigrantes sem raízes à procura de dinheiro fácil), estabelece-se uma relação de espelho na qual toma lugar uma «identificação» nos termos de Lacan (1977), o que se traduz na assunção desta exclusão por parte dos habitantes da Amazónia, com a consequente transformação que toma lugar no sujeito quando assume esta imagem de abandono, desconhecimento e, principalmente, de falta de visibilidade perante o Estado. As identidades colectivas politizadas emergem e dão vida ao movimento social, em resposta a esse Estado que, quando se faz presente na zona, em vez de exercer a sua paternidade recompensando os que sofrem pela sua ausência, representa-os como delinquentes, repreende-os com violência e reitera aos habitantes do Putumayo a sua condição de marginalização. O camponês «colono» não pode constituir-se como um cidadão com direitos, porque o Estado não o deixa «ser», não o reconhece como «actor social» e mantém-no à margem como cidadão de «quinta categoria» ou como um «mau cidadão». Este sentimento de abandono é também compartilhado pelos representantes do Estado na região, como são os presidentes das Câmaras Municipais e os funcionários oficiais que deixam de identificar-se como tais e passam a ser parte activa da sociedade civil, desaparecendo a linha divisória Estado/sociedade civil. O motor do movimento dos cocaleros é esse Estado ausente a quem se culpa pela situação, mas que ao mesmo tempo é desejado e é-lhe solicitado que se faça presente.

Porém, na zona continua a fazer-se uso dos dois governos, o do Estado local e o das FARC, para resolver assuntos jurídicos, sem que um poder suplante necessariamente o outro. Esta situação é própria de outras regiões, como afirma Uribe (2000) para San José de Apartadó, onde os camponeses justapõem à ordem institucional a ordem político-militar da guerrilha. A tensão entre guerrilha e Estado, de um lado, e a tensão dos habitantes do Putumayo com cada um destes «governos», por outro, torna ainda mais complexa a definição de fronteiras entre a sociedade civil e o Estado. De resto, embora Foucault (1994/1976) enfatize a generalização da disciplina e o poder ao ponto dos sujeitos parecerem condenados à sua sujeição, sem existir oposição política ou ideológica a estas formas disciplinares, torna-se evidente que é através do movimento social dos cocaleros que se procura contestar e reconstruir esta sujeição, tanto por parte do Estado como por parte da guerrilha. A possibilidade sempre presente dos sujeitos agirem é o que tenho querido enfatizar através da etnografia do movimento. Tal como declara Abrams (1988), o poder do Estado não é apenas externo e objectivo, mas também interno e subjectivo e funciona através das pessoas que subjuga.

Como conseguir a construção desse novo Estado na região, no qual possa ser exercida uma cidadania activa e onde a participação, mais do que o paternalismo, seja o elemento definidor, e, ainda mais, como conseguir a sua inclusão no Estado-nação no meio do conflito armado, continuam a ser os desafios que devem vencer os habitantes do Putumayo.

9. À procura de representação política

Após o levantamento da paralisação cívica, ficou em evidência que os líderes do Movimento Cívico tinham ganho enorme força entre os habitantes da região, e tinham-se tornado uma ameaça para os partidos políticos tradicionais ao constituírem um movimento político com potencialidades para alcançar representação política a nível central:

A verdade é que depois vem o processo eleitoral e Luis Emiro que tinha estado à frente das marchas e do processo, tinha praticamente nas mãos uma solicitação dos camponeses e de todas as pessoas das camadas baixas da população para que participasse nas eleições e se apresentasse para a Assembleia Nacional. Havia todo um consenso distrital, não apenas do mundo rural mas também do urbano e de todo o lado; era um facto dado que se Emiro se apresentasse para a Assembleia seria um sucesso contundente. A surpresa foi que não se apresentou porque precisamente as FARC o impediram. É uma grande contradição (entrevista ao Director do Hospital de Mocoa durante as marchas, 1999).

As FARC não apoiaram a consolidação do Movimento Cívico como movimento social e político. Ainda mais, não deram impulso à elaboração do Plano de Desenvolvimento Integral, em contradição com a sua política de apoio à participação dos habitantes da região na gestão local, e chegaram mesmo a apontar os líderes camponeses como «vendidos» pelo facto de receberem um salário da Rede de Solidariedade para elaborarem o Plano. Torna-se de novo evidente a atitude ambivalente sustentada pelas FARC: embora impulsionem e ajudem a organização da mobilização, não permitem que o Movimento Cívico escape ao seu controlo. O Estado tampouco se comprometeu com os dirigentes para a execução de um programa de substituição de culturas, objectivo central do Plano de Desenvolvimento Integral:

Não se viu a vontade do Governo, mas tampouco a da guerrilha, para negociarem um novo modelo de desenvolvimento. O Plano era muito ambicioso, era muito bom, tinham-se tocado problemas de fundo, houve tempo (foi mais de uma semana, de dia e às vezes inclusivamente à noite), muito tempo, para analisarmos os temas em profundidade e eram umas considerações e posicionamentos muito bons, mas não havia vontade para retomar essas coisas e depois foi a confusão, a falta de clareza da guerrilha face a este processo também foi evidente (entrevista a um funcionário local, Assessor do Grupo Base, 1998).

Por outro lado, após as marchas, os paramilitares fazem a sua entrada na região decididos a combater as FARC que tinham mostrado ampla presença e poder no sul do país. É assim que no documento que reuniu as conclusões da terceira cimeira nacional do Movimento das Autodefesas da Colômbia, realizada em Novembro de 1996, se colocou a necessidade de reconquistar com urgência zonas que a guerrilha lhes tinha arrebatado, entre as quais figurava o Putumayo, sobre o qual se fez ainda a seguinte observação: «Outra prioridade é o Putumayo. É urgente deslocar lá homens e recursos para esta missão. É lá que a subversão tem conseguido criar um governo paralelo perigoso para a nação» (Semana, 824, 16 de Fevereiro de 1998: 30).

Os dirigentes do Movimento Cívico são ameaçados, não participam nas eleições por considerarem que as suas vidas correm perigo e retiram-se para trabalhar desde a clandestinidade ou melhor no domínio do que poder-se-ia chamar a cultura política da marginalidade. É por isto que, antes das eleições de Outubro de 1997, o Movimento Cívico se dirige aos camponeses do Putumayo para lhes explicar as causas do seu afastamento como candidatos às eleições. Na intervenção feita por um dos líderes no Parque de Puerto Asís, refere-se a história de violência política, alude-se à «guerra suja» desatada contra dirigentes dos partidos políticos alternativos como o MRL, o PC e a UP e insiste-se na desigualdade social e no abandono a que está submetida a região:

Será que nós não temos cédula de cidadania como têm eles? [refere-se à classe dirigente] A diferença está em que eles são uns ladrões e nós somos pessoas humildes. Essa é a grande diferença, mas somos colombianos. Somos colombianos e somos o povo que trabalha. Ou será que é preciso a gente ir embora do país para sabermos que o Putumayo contribui com muita riqueza e que não tem um único metro que seja de estradas pavimentado? Ou será que os nossos impostos não contam? Os nossos impostos são para serem investidos cá também na nossa povoação. E porque são exactamente os mesmos dirigentes que estão no cimo do poder a manipular tudo, porque são eles os que saquearam o povo, os que roubaram o povo, é por isso que nós estamos a colocar a hipótese de adiarmos as eleições e sentarmo-nos a conversar não apenas com a guerrilha, mas também com os camponeses, os trabalhadores, para falarmos de resolver os problemas que hoje temos, e hão de ver que se esses problemas forem resolvidos, ninguém vai ter necessidade de voltar à luta, porque se ninguém estiver a calcar os nossos direitos... (intervenção de um dos líderes do Movimento Cívico no Parque Central do município de Puerto Asís no dia 27 de Setembro de 1997).

Neste discurso torna-se evidente que a referência a ser ou não ser cidadão colombiano desvenda as relações de poder que estão em jogo. A cidadania que se reclama torna-se então uma forma de identidade política no sentido em que Mouffe (1992: 231) a concebe, «não como um estatuto legal, mas como uma forma de identificação, um tipo de identidade política: algo para ser construído, não empiricamente dado» e que, fundamentalmente, é construída no meio da diversidade e do conflito. Van Gunsteren (1978: 10) apontou que a cidadania deve ser vista como «uma área de luta e de protesto» e afirma que «as ambiguidades da cidadania são particularmente indicativas dos conflitos sobre quem terá que classe de autoridade sobre a definição de problemas comuns e como devem ser abordados». É por isso que se reclama que os camponeses e os trabalhadores devem ser tidos em conta enquanto sectores de população diferenciados, não representados pela guerrilha, na discussão dos problemas nacionais. Ao afirmar o direito político a participar, está-se a afirmar a sua cidadania (Forewaker, 1995). O dilema dos habitantes do Putumayo continua a ser como sustentar no tempo uma representação como grupo social e/ou político diferenciado e, mais ainda, como apropriar-se de espaços democráticos propiciados pelo Estado e o compromisso deste numa região onde diversos actores armados jogam um papel preponderante e o Governo não tem mostrado uma vontade política para apoiar as iniciativas dos camponeses e encarar assim o problema da Amazónia e da cultura da coca de forma estrutural.

Para os camponeses cocaleros, o facto de se terem sacrificado, quase durante um mês, significou darem-se conta da sua capacidade organizativa e, ainda mais, verificarem que unidos podem «pôr em xeque o Estado», por palavras de um representante do Governo nas negociações (entrevista ao Delegado da Presidência da República na mesa de negociações, 1999). O movimento cocalero de 1996 conferiu poder aos camponeses e permitiu-lhes debaterem, no quadro de uma política de reconhecimento, a identidade a eles adscrita de guerrilheiros e/ou de narcotraficantes, pois falou-se abertamente da cultura da coca como outra cultura de subsistência e tornaram-se visíveis como grupo social os pequenos produtores camponeses situados nas zonas marginais.

O Presidente da Câmara de Piamonte, na Baixa Bota Caucana, um indígena Inga, referindo-se à mobilização cocalera como um marcador de identidade dos colonos da região, dizia: «antes das marchas os colonos não tinham identidade, mas agora sim, agora têm-na, embora em relação ao território não tenham uma história tão antiga como a nossa [referindo-se às comunidades indígenas]» (conversa mantida com o Presidente da Câmara de Piamonte no dia 1 de Março de 1999).

A mobilização dos cocaleros permanece na memória dos habitantes do Putumayo e da Baixa Bota Caucana como uma referência histórica apropriada culturalmente como símbolo político tanto da sua identidade como camponeses colonos da Amazónia, como do poder que podem desenvolver ao organizarem-se para reclamar os seus direitos como cidadãos, no quadro de democracia participativa privilegiada pela Constituição de 1991, que se converteu numa luta emancipatória contra o abandono, a estigmatização e a marginalização.

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Decretos

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Resolución 0001 de 13 de Maio de 1996. Consejo Nacional de Estupefacientes. Bogotá.