Poster 901 - Paulo Baronet e Sofia Condeço
POSTER
Os desencantos da Vida, espelhados na cidade encantada!
Paulo R. Baronet
Sociólogo na Santa Casa da Misericórdia de Castro Daire
Nota Biográfica: Nascido em Viseu a 11 de Janeiro de 1982 é licenciado e mestre em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Nos últimos 5 anos tem dado ênfase ao estudo do despovoamento das regiões do Interior, através de estudos de casos referentes ao concelho de Castro Daire. Atualmente é sociólogo na Santa Casa da Misericórdia de Castro Daire onde coordena um estudo sociológico sobre os cuidados informais a pessoas portadoras de doença de Alzheimer.
Sofia Condeço Melhorado
Mestre em Arqueologia e Património, Facultad de Filosofia y Letras, Universidad Autónoma de Madrid
Nota Biográfica: Nascida a 26 de Fevereiro de 1983 é licenciada em História da Arte e Património pela Faculdade de Letras da universidade de lisboa e mestre em Arqueologia e Património pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Autónoma de Madrid. No âmbito do mestrado desenvolveu uma proposta de um plano museológico para o projeto do museu da amêndoa, pensado para Vila Nova de Foz Côa.
Resumo Alargado de Poster
Epigrafe
A vida é desafio
«Tem que acreditar. Desde cedo a mãe da gente fala assim: filho por você ser ”(indigente)“ você tem que ser duas vezes melhor. Aí passado alguns anos eu pensei: como fazer duas vezes melhor se você está pelo menos cem vezes atrasado; pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses; por tudo o que aconteceu. Duas vezes melhor, como? Ou melhora; ou você é melhor ou é o pior de uma vez. Sempre foi assim. Se você vai escolher o que estiver mais perto de você, o que estiver dentro da sua realidade; você vai ser duas vezes melhor como? Quem inventou isso aí? Quem foi o pilantra que inventou isso aí? «Acorda» para a vida rapaz.” (Racionais MC´s: 2009) [Pequena adaptação: (foi trocada a palavra preto, por indigente]
Introdução
Atravessados por um ambiente de crise, os Países Europeus vivem entre desassossegos e desafios. O mundo encontra-se em permanente mutação, e as transformações sociais nem sempre são favoráveis à generalidade da população, sobretudo aqueles que já vivem no limiar das condições de existência. As desigualdades intensificam o fosso entre os opulentos e os indigentes, gerando um jogo complexo entre a detenção de poder, as oportunidades objetivas de controlo das regras do jogo e as esperanças subjetivas de aperfeiçoamento das condições sociais de existência.
No âmbito deste colóquio procuraremos apresentar um Poster que incide sobre uma crítica reflexiva acerca do modo como as desigualdades sociais geram posicionamentos diferenciados no sistema de estratificação social, posicionamentos que orientam as práticas dos diferentes grupos sociais.
Com base num estudo realizado no âmbito de um concurso de fotografia social da Universidade Autónoma de Madrid, procuraremos incidir a reflexão em torno da prática de «vasculhar» os recipientes do lixo, enquanto uma prática definidora de múltiplas realidades. O estudo fez recurso da observação não participante durante um período de 2 meses, do qual resultaram mais de uma centena de fotos. O poster será fundamentado com algumas dessas fotos enriquecendo o colóquio com um olhar real sobre as desigualdades.
Sóli(dári)as Desigualdades!?
A ordem comum das práticas é fortemente regulada pelas diversas condições económicas e sociais, que posicionam as pessoas no jogo complexo; entre as oportunidades objetivas de se poder ou não entrar no jogo; e as esperanças subjetivas, que movidas por disposições estratégicas, procuram retirar o maior sucesso possível de cada jogada aplicada no palco comum que é a vida quotidiana em sociedade.
Existe assim, por parte de cada membro da sociedade uma ambição efetiva de controlar as regras do jogo e, consequentemente, o porvir. Mas esse controlo, nalguns casos, é uma falsa questão, porque para se controlar o porvir é igualmente necessário ter-se o poder de controlar o presente. O certo é que os indigentes nem sempre possuem o poder efetivo de controlar as suas vidas, o presente e consequentemente o porvir.
Desorientados e incoerentes, ficam sujeitos ao aleatório sendo as suas únicas seguranças, as suas esperanças subjetivas.
Estes indigentes criam e recriam diariamente a ilusão de dias melhores. No entanto, os laços entre o presente e o porvir estão-lhes de tal modo cortados e desconectados, que estes vêm impossibilitada a concretização de grande parte das suas esperanças subjetivas.
O despojamento é, para estes homens e mulheres, um atributo definido socialmente pelas complexas desigualdades sociais de um sistema que os exclui; que os obriga a sonhar; que os impele a ter a ilusão de que é possível, um dia, controlar o presente, mas no fundo, estes homens e mulheres estão de tal modo amarrados e aprisionados a um sistema que os exclui, que poucas oportunidades têm de se libertar. As garantias respeitantes ao presente e ao futuro assumem uma natureza distinta consoante o estatuto que se assuma socialmente. Para os opulentos essas garantias são mais certas e elevadas. Já os indigentes veem as suas garantias fracassarem, porque o limite do seu campo de ação e expressivamente muito mais limitado.
O vasculhar o lixo é uma prática social própria de certos grupos sociais. A visibilidade dessa prática é sentida sobretudo nas camadas sociais mais desfavorecidas, sendo praticamente nula a partir do momento em que se sobe na hierarquia do sistema de estratificação social. Símbolo de carência, sujeito à imposição de estigmas e preconceitos, vasculhar o lixo, mesmo não sendo o ideal da condição humana, é uma realidade possível na «Concrete Jungle» que por vezes é a cidade.
Independentemente dos fins com que se vasculha o lixo, este é interpretado por certos grupos sociais como um bem de valor alternativo que pode ser utilizado para diversos fins, desde a pura sobrevivência, quando se vasculha comida como alternativa à fome, ou quando o lixo assume valor de troca e é encarado como mercadoria.
A questão sociológica que se coloca contemporaneamente consiste em interrogar se esta prática própria dos indigentes, e perante um cenário de crise acentuada, não se repercutirá na vida de pessoas que até hoje podiam afirmar que tinham garantias e certezas de controlar o presente e o provir. Entre sólidas realidades, não surgiram líquidas ilusões de sair-se vencedor?
Considerações Finais
Para que nos possamos orgulhar da condição democrática das nossas sociedades teremos que repensar o valor da condição humana e atribuir um significado mais justo e equitativo a essa mesma condição, para que possamos ser livres das «jaulas de ferro» que nos aprisionam e nos fazem questionar sobre o que será melhor: viver entre o sonho ou a mera da sobrevivência?
Reflexão
A cidade, para o turista, é iluminada e encanta; proporciona prazer visual e cognitivo; e permite vivências que geralmente transportam consigo um carácter simbólico forte e memorável.
Mas a cidade esconde por detrás das suas luzes um lado sombrio e obscuro. O turista, apesar de consciente, não aprecia esse lado na sua primeira impressão. E procura com esforço somente visualizar e vivenciar o lado encantado da cidade.
A cidade é feita de personagens que no fundo são expressões de realidades concretas. A indigência, essa personagem típica do mundo das carências, é símbolo de podridão, esvaziamento e desconexão. Mas porque assim, o será? Terá ela mesmo que existir?
Que os sociólogos e os historiadores não sejam meros turistas nas suas deambulações pela cidade do conhecimento, e que na prática possam estar atentos e conscientes que a luta pela igualdade, liberdade e felicidade é também ela sociológica e histórica.
Referências Sociológicas
Bourdieu, Pierre (1998), Meditações Pascalianas. Oeiras: Celta Editora.
Racionais MC´s (2009), Álbum: 1000 Trutas, 1000 Tretas. Brasil.