806 - Edson Oliveira
POR QUE EMPREENDIMENTOS SOCIAIS SOLIDARIOS “FRACASSAM”: ELEMENTOS DE UMA POSSÍVEL ACOMODAÇÃO INDUZIDA.
Edson Marques Oliveira[1]
RESUMO
Apresentamos algumas reflexões sobre o estudo das causas do “fracasso” de empreendimentos sociais solidários no Brasil junto à população de mulheres em risco e vulnerabilidade social. No Brasil, cerca de 91% da população da assistência social, são mulheres, onde 64,5% estão em idade ativa, mas desocupadas; das ocupadas os ganhos são 70% menores do que dos homens, e 35.2% são chefes de família. Nos empreendimentos de economia solidaria 36% são mulheres. No Brasil cresce o número de empreendimentos sociais solidários, mas existe um grau elevado de fracassos. O que levou esses empreendimentos ao fracasso? Através do acompanhamento de um grupo de mulheres, que em 2006 constituíram uma cooperativa, a COOPERMESA, e que ao longo de cinco anos obteve êxito na comercialização de produtos de costura alternativa com material reciclado com grande repercussão regional e nacional. Mesmo assim, em fevereiro de 2012 encerrou as atividades. Estabelecemos como hipótese: as mulheres por terem esse benefício assistencial, apresentam um processo de “acomodação induzida”, ou seja, é preferível viver da assistência do que do trabalho. Realizamos um estudo de caso da COOPERMESA, através de entrevistas, questionário semi-estruturado junto a um grupo de 15 mulheres ex-cooperadas além de estudo bibliográfico, documental e cruzamento de dados oficiais. A falta de mão de obra seria a principal causa do fechamento da COOPERMESA além de: a) motivos da saída: falta de retorno financeiro, saúde, apoio do poder público, diálogo/ compreensão entre as cooperadas; b) pontos fracos do trabalho na cooperativa: falta de dialogo entre as cooperadas, falta de mão de obra, falta do apoio do poder público, falta de retorno financeiro, c) preferência e disposição para ser empregada (60%) do que cooperada (40 %). Nota-se a dificuldade do trabalho coletivo, compromisso com a gestão do empreendimento, busca de retorno financeiro imediato, preferência a alternativas imediatistas, cômodas e submissas.
PALAVRAS-CHAVE: economia solidária, empreendedorismo social, gênero, gestão de empreendimentos sociais solidários, fracasso.
INTRODUÇÃO
Primeiramente cabe um esclarecimento do porque do uso de aspas na palavra “fracasso” que compõe o título do presente artigo. Está entre aspas por que não considero a palavra fracasso como algo que seja de todo ruim, ou seja, poderia ter usado insucesso, fechamento, encerramento, enfim usado um termo mais leve, no entanto, acredito que qualquer projeto, seja institucional, política ou pessoal, mesmo com os erros advindos do agir humano, podem servir de aprendizado e principalmente quanto ao processo de gestão de empreendimentos sociais solidários, que trazem em si um conjunto de fatores complexos, desta forma o aprendizado é algo constante, não há receitas prontas.
Então fracasso aqui se entende como algo que serve como fator positivo para o aprendizado e não como derrota, incapacidade e incompetência, como poderia ser o entendimento vulgar. Afinal, melhor do que aprender com os próprios erros é aprender com os erros dos outros, poupa tempo, recursos e emoções, e esse tipo de reflexão serve de alerta para que novos empreendimentos possam ser bem sucedidos em seus objetivos e intenções.
Por fim, a presente reflexão surge da experiência de pesquisa e extensão junto a um grupo de mulheres em risco e vulnerabilidade social, da cidade de Toledo, oeste do Paraná, Brasil. A atividade teve início em 2005 após retorno da defesa do doutorado sobre empreendedorismo social, e fruto da parceria com uma associação comercial da mesma cidade. Em abril desse ano, uma aluna do curso de Serviço Social fez um levantamento numa escola pública do bairro Coopagro, onde se detectou um perfil acentuado de crianças pertencentes a famílias monoparentais, ou seja, em que a mãe/mulher é a mantenedora da família.
E em parceria com a escola pública e o projeto de extensão universitário denominado Casulo Sócio-Tecnológico, sob nossa coordenação, iniciamos um trabalho com cerca de 30 mulheres. (Cf. OLIVEIRA, 2008). Onde o objetivo seria capacitar e incubar uma estratégia para geração de trabalho e renda. Em março de 2006 é criada a Coopermesa, que focou a produção de costura alternativa com material reciclado, ganhando espaço de mercado, notoriedade, clientela e por cerca de cinco anos se manteve em funcionamento, mas em fevereiro de 2012 veio a encerrar suas atividades.
Tal fenômeno nos levou a uma série de indagações, entre elas: a) por que da desistência das pessoas em trabalhar com um empreendimento que estava indo bem e que poderia gerar sua autonomia?, b) quais fatores foram preponderantes para esse desestímulo e desistência? c) o que levou um empreendimento relativamente bem sucedido chegar a encerrar suas atividades?
A partir dessas indagações iniciamos uma investigação sistematizada, optando por uma pesquisa do tipo exploratória, essa opção é decorrente a natureza do objeto em tela, e conforme saliente Gil (1994:44) sobre esse tipo de pesquisa, pois as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, com vistas à formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores, ou seja, “[...] Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso [...] Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado”.
Completando essa abordagem realizamos um estudo de caso, entendendo o mesmo como uma estratégia que possibilita “ [...] investigar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre esse fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.” (Yin, 2005:32), como é o caso em questão, e com isso possibilitar a ampliação e aprofundamento da correlação desse fenômeno, do fechamento ou “fracasso” dos empreendimentos sociais solidários, com outros fatores, à pesquisa foi planejada para ser realizada em duas etapas, a primeira com a aplicação de um questionário semi-estruturado, que se compõe de questões abertas e estruturadas, com a finalidade de captar percepções e opiniões de cunho subjetivo (Cf.GIL, 1994: 124) junto as ex-cooperadas da Coopermesa, e numa segunda fase a realização de um grupo focal.
O grupo focal é uma técnica de coleta de dados qualitativa, que permite reunir um grupo de pessoas para reflexão avaliativa de determinados fatos, e se torna pertinente para a investigação proposta, como ressalta Bauer e Gaskell (2002:75),
“[...] o objetivo do grupo focal é estimular os participantes a falar e a reagir àquilo que outras pessoas no grupo dizem. É uma interação social mais autêntica do que a entrevista em profundidade, um exemplo da unidade social mínima em operação e, como tal, os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela natureza social da interação do grupo em vez de se fundamentarem na perspectiva individual, como no caso da entrevista em profundidade.”
A intenção é que todas ou pelo menos uma grande parte do grupo de ex-cooperadas que responderam ao questionário, participem desse momento, para aprofundar os aspectos mais importantes da trajetória do empreendimento na visão das mesmas e na seqüência um estudo documental em relação aos procedimentos de gestão, principalmente junto aos documentos de planejamento estratégico, estatuto e balanço contábil anual.
A primeira fase da investigação foi completada e a segunda está em andamento na presente data (julho de 2012). Para nossa reflexão vamos nos valer dos dados da primeira fase da pesquisa. Esses dados já sinalizaram uma série de possibilidades, que nos levaram fazer uma interface e cruzamento com outros dados e fatores, entre eles: a) a questão de gênero, mercado de trabalho e assistência social, e benefícios públicos, b) o crescimento e os problemas dos empreendimentos sociais solidários e c) a relação desses fatores com a política social de transferência de renda, em específico o Programa do Bolsa Família (PBF).
Tais correlações surgem quando da constatação da análise do perfil das ex-cooperadas, que em sua grande maioria, eram usuárias dessa política de assistência e distribuição de renda, o que relacionado com as respostas da primeira fase nos levaram a estabelecer como hipótese de trabalho a existência de indícios de uma possível acomodação por parte das cooperadas, em que se prefere ficar com atividades precárias ou viver da assistencial governamental do que empreender um projeto de geração de trabalho e renda como dono do processo, sendo isso uma das possíveis explicações do fracasso desse tipo de empreendimento social no atual contexto em que vive o Brasil, e que ao mesmo tempo cresce o número de empreendimentos sociais solidários, mas também dos usuários dos programas assistenciais.
É importante ressaltar que inicialmente essa hipótese de trabalho não pareceu satisfatória, e ao contrario, pareceu num primeiro momento, como um discurso preconceituoso, moralista e até de senso comum, mas ao fazer o levantamento bibliográfico sobre essa temática, e os demais cruzamentos de dados, constatasse que não estamos sós nessa reflexão, e que existem fatos contundentes desse fenômeno, o que ampliou ainda mais o esforço e desejo de análise.
É o que procuramos apresentar na seqüência a partir de três eixos: Primeiro, a relação entre pobreza, gênero, políticas sociais e mercado de trabalho. E o segundo, possíveis causas do fracasso dos empreendimentos. E terceiro, uma síntese desses dados e a apresentação do que estamos chamando de pistas e rastros de uma possível acomodação induzido como efeito colateral das políticas sociais de distribuição de renda e sua provável restrição e impedimento para impulsionar uma ação emancipatória da população usuária dessa política.
POBREZA, GÊNERO, MERCADO DE TRABALHO E POLÍTICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
Os estudos sobre pobreza e desenvolvimento nas últimas décadas têm deixado claro que a pobreza tem uma face. São mulheres, crianças e jovens, e em específico sobre as mulheres, destaca a análise de Kliksberg (2001:8), sobre a constatação do efeito da “feminilização da pobreza”, pois a maior parte dos países da América Latina, apresentam índices de 20% de famílias chefiadas por mulheres, o que agrava a situação caótica das famílias pobres, o que acentuam uma série de fatores de vulnerabilidades sociais, tanto de geração de renda e sustento como do desenvolvimento afetivo, emocional e parental.
Em 1970, no Brasil, apenas 18% das mulheres brasileiras trabalhavam, e 2002 temos metade delas
O exemplo maior é o Programa Bolsa Família (PBF). O Programa existe desde 2004, e segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome, em 2011 foram cadastradas e atendidas 13.171.810 famílias, e realizado um repasse da ordem de R$ 14.126.826.624,60. Considerando a população total do Brasil em 190.732.694, e que destes 22% são considerados pobres, o que representa cerca de 42 milhões de pessoas com ½ salário mínimo, e que destes pelo menos 8,5% são indigentes com ¼ de salário mínimo, são esses o foco dessa política de distribuição de renda, que tem como condicionalidade manter os filhos na escola e manter a vacinação
Estudos como de Brito (2011) identificam que no Cadastro Único, sistema de controle e análise do PBF, onde dos 66,9 milhões de pessoas cadastradas, 39,4 milhões são mulheres em idade ativa (
Esses fatos têm levado a uma série de debates, onde existem os que são contra e os que são favoráveis ao PBF. Um estudo de Monteiro (2008) faz uma síntese desse debate, a seguir apresentamos um resumo dos principais pontos de cada ponto de vista.
Em relação aos críticos, as questões de maior contundência são: a) falta de ousadia pela magnitude do problema da pobreza no país, b) foco só na pobreza extrema e das restrições das condicionalidades e corte só pela renda, d) por atingir um grande número de mulheres, pode levar a um processo que sobrecarga junto as atividades domésticas e com isso desestimulando a procura de trabalho e gerando um “ciclo da preguiça”.
Já os defensores, podemos também destacar três dos maiores pontos de defesa: a) o dinheiro chega de fato diretamente ao pobre, b) o custo é pequeno frente ao impacto tanto para saída da pobreza, quanto para a melhoria da saúde e da educação na família, c) e ao contrario de estimular o ócio, produz um “ciclo virtuoso”, o pobre com mais dinheiro, compra mais, que por sua vez faz com que se produzam mais mercadorias e com isso cresce e movimenta a economia (MONTEIRO, 2008:62).
Outra constatação, é que ao mesmo tempo em que existe essa relação entre PBF e o mercado de trabalho, cresce alternativas como os empreendimentos de economia solidária, que apresentam um perfil muito similar aos dados anteriormente apresentados. Por exemplo, os dados da Secretaria Nacional de Economia Solidária- SENAES, através do levantamento e mapeamento da economia solidária no Brasil em 2007, constata que dos 21.859 empreendimentos cadastrados, mais de 12.000 estão concentrados nas regiões norte e nordeste o que representa cerca de 55%, essas regiões onde se encontram a maior concentração de atendimento do PBF e dois indicies de maior pobreza absoluta. Também se verifica o envolvimento de cerca de 1.687.000 pessoas, e destas cerca de 40% são mulheres.
Outros estudos, mais localizados, mostram que essa concentração de mulheres é ainda maior, como observa Culti (2004:17), onde ao estudar o perfil dos trabalhadores de duas redes de cooperativas de economia solidária, constatou que 51% são mulheres e que estão inseridas em associações e cooperativas em sua maioria realizando atividades como: 83,3% ceramistas, 82% saúde, 79% confecção, 62,2% artesanato e 58% turismo e entretenimento, atividades essas consideradas de cunho predominantemente feminino.
O que sinaliza certa “feminilização” dos empreendimentos sociais solidários. Tais elementos são relevantes, pois sinalizam uma especificidade a ser considerada quando da elaboração de políticas públicas de geração de trabalho e renda.
Vemos que a partir desses dados globais, existe sim uma grande correlação entre usuários de políticas sociais de distribuição de renda, participantes da economia solidária e os efeitos do mercado de trabalho, que vão além do que só fatores econômicos e conjunturais têm haver com a relação de gênero, classe social, educação e, sobretudo, fatores históricos determinantes da divisão social do trabalho e da concentração de renda e riqueza socialmente construída, mas injustamente repartida.
POSSÍVEIS CAUSAS DO FRACASSO DE EMPREENDIMENTOS SOCIAIS
Outros estudos mostram claramente essa relação e os impactos desse processo. Mas o presente estudo nos levou a perceber um fator diferenciado. Quando procuramos pesquisas sobre possíveis fracassos de empreendimentos sociais solidários, nos deparamos com uma escassez de estudos dessa natureza, e que nos lembrou um velho dito que se popularizou e é atribuído a John Fitzgerald Kennedy, “ o sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão”, ou seja, existem poucos estudos sobre o que seriam os fatores de impedimento ou insucesso desses empreendimentos.
Entre eles destacam-se três trabalhos. O primeiro apresentado por Sguarezi (et.all, 2012), que ao fazer um estudo comparativo de duas cooperativas de economia solidária que tem aspectos semelhantes, ressaltou vários fatores preponderantes que levaram uma cooperativa a se manter, e a outra a encerrar as atividades. O segundo apresentado por Maoser (2001) sobre uma pesquisa ampla junto a uma rede de empreendimentos sociais solidários na região oeste de Santa Catarina. E o terceiro, o estudo de caso é da Coopermesa, (OLIVEIRA, 2012), em Toledo, região oeste do Paraná, e comparando os dados desse estudo, com os outros, encontramos várias semelhanças.
A seguir, apresentamos as principais características desses três estudos, e na seqüência formulamos uma síntese comparativa a partir dos problemas encontrados para o desenvolvimento das atividades de empreendimentos sociais solidários, ficando codificado da seguinte forma a apresentação dos casos: caso 1: Fibra e Coasa, Mato Grosso, Brasil; caso 2: Empreendimentos Sociais solidários no Oeste de Santa Catarina, Brasil; caso 3: Coopermesa, Toledo-PR, Oeste do Paraná, Brasil.
Caso 1: Fibra. Segundo Sguarezi (2012) esse empreendimento se caracteriza como uma cooperativa, que foi criada em novembro de 2002, através de um grupo de artesanato e por incentivo do prefeito do município de Nova Olímpia, fundada em 1986, que fica a
A outra cooperativa é a Coasa. Criada em setembro de 2004, por um grupo de cidadãos ligados a uma incubadora de empresas do Município de Sapezal, Mato Grosso, que tem uma população de 18.080 habitantes, e fica a
Caso 2: Empreendimentos do Oeste de Santa Catarina, Maoser (2001) apresenta o resultado de uma pesquisa que teve início em 1997 e concluída em 2000, onde foram estudados cerca de 39 empreendimentos sociais solidários da região Oeste de Santa Catarina, destes 13 empreendimentos eram cooperativas, 13 micro empresas, 10 associações e 3 grupos de produção, 21 estavam na área rural e 18 na área urbana. No total haviam 266 pessoas envolvidas nas atividades desses empreendimentos, destes, 57,89 % eram mulheres e 42,10% eram homens, dessa população 51,50% não concluíram o ensino fundamental e somente 6,59% concluíram o ensino médio. Entre as dificuldades dos empreendimentos se destacaram: gestão financeira, informalidade e problemas de legalização, fiscalização publica rígida, muitos documentos e taxas, pouco acesso à capacitação, falta de compreensão e sentido do trabalho cooperado associativista e autogestionário, problemas de relacionamentos entre os cooperados e associados, de logística, comercialização, elaboração de preços concorrência e qualidade do produto. A autora ressalta que o maior problema é a gestão e o sentido do trabalho cooperativo, ou seja: “A pouca compreensão por parte dos membros, sobre cooperativismo, associativismo, solidariedade e cooperação no trabalho, também é apontado como aspecto que fragiliza as relações interpessoais e a sustentabilidade dos empreendimentos.” (MAOSER, 2001:8)
Caso 3: Coopermesa. Teve início com um grupo informal, apoiado pelo Projeto de Extensão Casulo Sócio-Tecnológico, do curso de Serviço Social da Unioeste, campus de Toledo, situado no oeste do Paraná. O trabalho teve início com mulheres, mães de alunos de uma escola pública estadual no bairro Coopagro. O trabalho teve três etapas. A primeira de capacitação dessas mulheres para a gestão de empreendimentos sociais solidários na perspectiva do empreendimento social (Cf. Oliveira, 2004). A segunda de um mapeamento e territorialização de oportunidades de negócios no bairro e considerando aspectos socioeconômicos da cidade e região. Pois o município tem 119.313 habitantes, segundo Censo IBGE 2010, tendo como predominância econômica a agricultura, suinocultura e algumas atividades nas áreas frigorífica e farmacêutica. Após o mapeamento, foi confeccionado um mapa inteligente que permitiu a análise de tendência de mercado que levou o grupo a optar pela criação de uma cooperativa de trabalho com ênfase em costura com material alternativo. Em 2006 foi constituída a cooperativa com 21 mulheres, as atividades eram desenvolvidas nas casas, e posteriormente com o aumento da produção foi reivindicado junto a Prefeitura um galpão que estava abandonado, o mesmo foi reformado e deu uma melhor condição para o desenvolvimento das atividades figura 03 e participação em eventos para comercialização de seus produtos.
A Coopermesa ganhou notoriedade e reconhecimento, tendo conquistado clientes como Itaipu Binacional, entre outros; e uma parceria com a empresa de Correios onde recebia malotes usados e camisetas velhas que eram tratadas e seriam para confecção de bolsas para eventos e flanela para limpeza em mecânicas e fabricas. A presidente da cooperativa, em 2010, recebe o segundo lugar do Prêmio Nacional promovido pela SEBRAE de mulher empreendedora, também recebe o Prêmio de melhor projeto social da FACIAP – Federação das Associações Comerciais e Empresaria do Paraná em 2008 e o Prêmio Nacional Ethos/Valor de Responsabilidade Social Empresarial e Sustentabilidade, categoria Projeto de Extensão em 2007.
E mesmo com essas credenciais e florescência em termos de produto bem definido, bons clientes, valorização e projeção regional e nacional, teve em vários momentos que recusar pedidos, pois não havia condições estruturais para atender a demanda que crescia continuamente.
E infelizmente, muitas cooperadas começaram a sair ficando somente um grupo de três mulheres, e apesar de várias tentativas, esse grupo não pode sustentar a carga e demanda de trabalho, bem como, conciliar a vida pessoal, e não conseguindo outro grupo para conduzir as atividades, e antes que entrasse num processo de endividamento (pois estava em dia com as contas e com saldo positivo em caixa, fato esse raro em se tratando de cooperativas) e possível falência, o grupo resolveu encerrar as atividades em fevereiro de 2012. Fizemos um primeiro levantamento junto à ex-cooperadas, através de um questionário semi-estruturado, e obtivemos alguns dados sobre os pontos fortes e fracos, e possíveis causas do encerramento das atividades da Coopermesa. A seguir destacamos os principais pontos desse levantamento.
A falta de mão de obra qualificada seria a principal causa do fechamento, pois o trabalho requer maior qualificação para ter um melhor rendimento, qualidade e produtividade, também a falta de retorno financeiro fixo e contínuo, seria uma das justificativas da saída e rotatividade das cooperadas.
Pois muitas não poderiam esperar o crescimento do empreendimento e seu retorno, e nem compreender a necessidade de investimento no início das atividades, o que levou muitas a saírem e procurarem emprego fixo e assalariado ou ficarem somente com os benefícios assistenciais, entre eles o PBF.
Outro ponto foram problemas relacionados à saúde de algumas cooperadas, e também a falta do apoio do poder público que só fez a reforma do local e não deu mais nenhum tipo de assistência, mesmo quando solicitado; a falta do diálogo da compreensão entre as cooperadas foi outro ponto ressaltado, principalmente quanto à tomada de decisões e do estilo de trabalho associativista, onde a direção às vezes teve que tomar decisões que eram delegadas pelas cooperadas.
Notamos que sobre esse processo, pesou em muito, o fato de haver certa indisposição para empreender, por parte de muitas das entrevistadas, e principalmente da compreensão das cooperadas serem donas e não empregadas, o que foi constatado quando perguntamos se elas preferiam ser empregadas ou empreendedoras/cooperadas, no que 60% afirma querer ser empregada, e 40% ser cooperada.
A partir destes três casos, fizemos uma análise dos fatores apontados. No primeiro caso do Mato Grosso foram sinalizados 20 fatores, no segundo e terceiro casos 12 cada um e respectivamente, somando obtivemos 44 fatores que dificultam ou até levam ao fechamento de empreendimentos sociais solidários, em específico na modalidade de cooperativas. Muitos desses fatores se repetem outros são similares. Para melhor análise agrupamos os mesmos em cinco categorias e verificamos a freqüência dos mesmos, como pode ser visto na tabela 01
Tabela 01: Síntese dos principais problemas
GRUPO/ TIPO DE PROBLEMA |
FREQUÊNCIA |
% |
Gestão (planejamento, organização, direção e controle) |
20 |
45,4 |
Comportamento/atitude |
11 |
25,0 |
Conhecimento |
10 |
23,0 |
Política |
2 |
4,5 |
Infraestrutura e máquinas |
1 |
2,1 |
Total |
44 |
100 |
Fonte: * SGUAREZI (et.all, 2012), ** MAOSER (2000) *** OLIVEIRA, (2012)
Como se percebe, há uma grande concentração no fator gestão, seja da ordem do planejamento do empreendimento e até fatores financeiros e de logística, o que culminando com o comportamento, 25% que remete a não compreensão da gestão solidária, ou seja, coletiva, o que é reforçado pela falta e acesso a conhecimentos específicos que representam 23% dos problemas enfrentados, bem como a falta de participação mais efetiva do poder público que ocasiona a falta de infraestrutura e acentua ainda mais os problemas com fiscalização, impostos e comercialização.
Por fim, percebe-se que não basta capacitar e incentivar a produção e abertura de empreendimentos, é preciso ter espaços e uma dinâmica de mercado e consumo também solidários, empreender para quem tem saldo positivo na conta para investimento e que permite aguardar o ciclo organizacional e evolutivo de retorno do negócio, é diferente de quem tem que trabalhar para sobreviver, ou ainda como diz o dito popular, “vender o almoço para comprar o jantar” é totalmente diferente, não se pode esperar e ter a mesma atitude de gestão de empreendimentos convencionais, daí talvez a procura de outras alternativas, mesmo que sendo pouco, mas é um dinheiro fixo, principalmente vindo da assistência governamental ou de atividade de melhor qualificação e informal. Tais pontos sinalizam algumas questões que, aliadas a outros estudos podem confirmar ou não nossa hipótese de trabalho, é o que procuramos refletir no próximo item.
PISTAS E RASTROS DE UMA POSSÍVEL ACOMODAÇÃO INDUZIDA OU EFEITOS COLATERAIS DAS POLÍTICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
A partir dos dados e fatos apresentados, e a experiência empírica que temos vivido, bem como o cruzamentos com outros dados, a exemplo do estudo apresentado por Júnior Souza (et.all 2009), onde informações do PBF são cruzados com dados do estudo da composição da renda de famílias da área rural no Brasil, e se pode constatar que a composição da renda dessas famílias, só 8,3% é da atividade agrícola, e num estudo empírico verificou-se que de 141 propriedades das 257 estudadas, ou seja, 54,8%, os proprietários se quer produziam alguma coisa para consumo próprio, o que agrava ainda mais quando se constata que isso é decorrente ao fato de estarem inseridos e recebendo os benefícios do PBF, como sinalizam os autores:
“ Quando os entrevistados afirmavam ser beneficiários do programa bolsa família, diziam também que a quantia era suficiente pra viver, que por isso não se preocupavam em produzir, ou utilizar melhor a terra que possuíam ou partir para outras atividades complementares que não fossem agrícolas, por exemplo. Existiram casos em que os entrevistados afirmaram ter deixado o trabalho (agrícola e/ou não agrícola) quando conseguiram ser incluídos no Programa Bolsa Família.” ( Júnior Souza,et.all., 2009:16)
Tal fator também é sinalizado no estudo de Costa (2009), onde ao estudar a relação dos programas de garantia de renda mínima e o processo de acomodação ou emancipação de um grupo da região de Minas Gerais, e ao perguntar o que os usuários fariam se caso fosse encerrado o beneficio do PBF o que eles fariam, onde 69,8% afirmaram que procurariam um emprego, e 30,2% afirmaram não querer sair do PBF, no que os autores concluem: “ Esse dado pode estar apontando para uma tendência das famílias à dependência de benefícios sociais [...] dependência que pode ser colocada num ciclo vicioso, onde as famílias permanecem em uma constante dependência de auxílios governamentais.” (COSTA, 2009:18).
Isso mostra que não há dados suficientes para afirmar categoricamente que o fracasso dos empreendimentos sociais solidários se dá em decorrência as pessoas preferirem os benefícios assistenciais a empreender um negócio e com isso romper com a dependência e criar condições concretas e efetivas de superação da pobreza, e o ciclo vicioso e danoso que não gera emancipação e nem cidadania.
Pois, por um lado, o perfil da grande maioria da população participante, tanto do PBF, como da economia solidaria e das estatísticas de precariedade do mercado de trabalho e faixa de pobreza, são de mulheres chefes de família (cuidam do sustento da família sem a presença de um companheiro/marido), com pouca escolaridade, sem emprego e as vezes sem um trabalho e tendo as políticas públicas como PBF o único recurso de subsistência para si e sua família. Essas políticas por sua vez têm condicionalidades que requerem dessas mulheres uma maior atenção nos aspectos da saúde e educação dos filhos, o que eleva e sobrecarrega junto as tarefas e preocupações cotidianas de sustento e cuidados da família.
E por outro lado, todo empreendimento tem um tempo necessário para amadurecer, conquistar mercado e começar a gerar lucro de forma consistente, só que as pessoas pobres trabalham para sobreviver, e não dispõe de recursos para investimento e sustento ao mesmo tempo, e não tem como esperar esse retorno, o que aliada à complexidade de gestão de um empreendimento que via de regra se propõe a ser participativo, colaborativo, associativo e por tanto requer um preparo e desenvolvimento de competências, habilidades e posturas específicas, isso agrava ainda mais o desfio de superação da pobreza.
Logo, essa tarefa de conciliar sustento, gestão de empreendimento, pode levar a uma aparente acomodação induzida, o que talvez não ocorra de forma intencional, ou proposital. Como no estudo de Costa (2009) onde as pessoas pesquisadas se dividem entre uma postura que sugere uma acomodação induzida voluntária (AIV), ou seja, querem ficar com o PBF, e uma acomodação induzida involuntária (AII) os que não tendo o PBF iriam procurar emprego.
Mas não há dúvidas que existem sinais, rastros e pistas concretos de um possível efeito colateral das políticas sócias de distribuição de renda, ou seja, algo que não se previu ou se esperava em relação aos impactos dos programas, como o PBF para superação da pobreza, o que leva a crer que essa aparente ociosidade ou acomodação induzida é gerada por um conjunto de fatores interligados, como procuramos mostrar ao longo desse artigo.
Com isso, podemos perceber que nossa hipótese de trabalho foi em parte confirmada, pois existem indícios concretos de um tipo de acomodação induzida decorrente as condições de vida de uma população que se cruza entre ações de geração de trabalho e renda ( política de economia solidaria) e de distribuição de renda ( PBF), o nos levou a identificar dois tipos de possíveis de acomodação. Uma acomodação induzida voluntária (AIV), quando as pessoas querem ficar no sistema de assistência governamental, mesmo tendo outras opções, e a acomodação induzida involuntária (AII), aquela que a pessoa mesmo não querendo se vê pelas circunstâncias da vida, forçada a ficar com os benefícios assistências. Tal resultado vem suscitar a necessidade de um maior aprofundamento desse fenômeno com certeza.
De toda forma, fica claro que mais do que levar em conta a distribuição financeira, é preciso incentivar o espírito empreendedor solidário, através do acesso de conhecimento prático e efetivo de gestão na perspectiva associativista e autogestionária e da inovação da dinâmica de mercado com participação efetiva do apoio do poder público local e da adesão espontânea e consciente de seus atores. Sem isso, acredito que estamos caminhando para um possível processo de acomodação induzida, seja ele intencional ou involuntário, como efeito colateral de ações que deveriam emancipar e não gerar manutenção e dependência social, política, emocional e econômica.
Finalizando, uma possibilidade que vislumbramos ao logo dessa reflexão seria de aumentar os valores dos benefícios sociais (PBF), e colocar como condicionalidade um tempo de avaliação algo como três anos, e parte desse benefício fosse destinado, parte para a sua subsistência e outra para investimento coletivo em empreendimentos sociais solidários que gerem trabalho e renda de forma sustentável, autônoma e permanente, com isso, poderia ser superada a falência de certos empreendimentos por falta de investimento, e a desistência de pessoas para atividades outras atividades em busca da subsistência e dependência da assistência governamental.
Paralelo a isso, disponibilizar capacitação continuada de forma adequada e interativa junto em parceria com as universidades e organizações da sociedade civil para incubar empreendimentos sociais solidários inovadores e efetivos na perspectiva de emancipação social e quebra do ciclo vicioso da dependência assistencial.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BAUER, Martin W; GASKEELL, George.(202). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes
BRITO, Alessandra Sacalioni e KERSTENETZKY, Celia Lessa (2011) Beneficiários do PBF e mercado de trabalho: considerações metodológicas e substantivas. CEDE. Consultado em 10/07/2012 em http:/www.uff/cede
COSTA, Elisa Maria de Almeida [et.all] (2009). Programa de garantia de renda mínima: acomodação ou empoderamento das famílias beneficiadas?Viçosa:MG, UFV, Consultada em 09/06/2012 em http://www.researchgate.net/publication/228605376
CULTI, Maria Nelzilda. (2004) Mulheres na Economia solidaria : desafios sociais e políticos. Consultado http://unitrabalho.uem.br;artigos em 12/06/2012
GIL, Antonio Carlos.(1994). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas
JÚNIOR SOUZA, Jalmir Pinheiro (2009) [et.all] Pluriatividade ou acomodação?: uma análise do efeito dos auxílios sociais na composição da renda da família. In Anais da 47ª SOBER, Porto Alegre.
KLIKSBERG, Bernado. Falácias e mitos do desenvolvimento social São Paulo: Cortez/Unesco, 2001
MAOSER, L. Gestando (2001). Uma economia solidaria?: Empreendimentos de geração de retrabalho e renda no Oeste Catarinense, in; Anais do XX Congresso Brasileiro de Assistentes sociais: CFESS: Rio de Janeiro.
MONTEIRO, Doraliza (2008) A locação de recursos e eficiência na gestão do PBF. Viçosa-MG: UFV, (dissertação de mestrado)
OLIVEIRA, Edson Marques (2012) Relatório avaliativa – Incubadora de Empreendimentos Sociais e Tecnologia Social – PROGRAMA CASULO/ Projeto Coopermesa,
OLIVEIRA, Edson Marques (2008) Empreendedorismo social: da teoria à prática, do sonho à realidade. Rio de Janeiro: Qualitimark
SGUAREZI, Sandra Benedita [et.all] (2012) Limites e Possibilidades de desenvolvimento em cooperativas de economia solidaria Interdisciplinar. Revista Eletrônica da Univar, 2012, número 7, p.31-37. Consultado a 02/07/2012 em http://revista.univar.edu.br
TAVARES, Priscilla (et.all) (2009). Uma avaliação do PBF: focalização e impacto na distribuição de renda e pobreza. Pesquisa e planejamento econômico/PPA, v.39, número 1, abril: Brasilia-DF: IPEA
YIN, Roberto K. (2005) Estudo de Caso: planejamento e métodos.Trad. Daniel Grassi.-3ª edição. Porto Alegre: Bookman.
[1] Professor Adjunto, curso de Serviço Social, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Toledo-PR/Brasil, Doutor