803 - Elizardo Costa
As novas peças e engrenagens do mundo do trabalho: Um estudo de caso do setor de telecomunicações brasileiro
Elizardo Scarpati Costa
Doutorando em Relações de trabalho, desigualdade Sociais e sindicalismo (Sociologia) pela
Universidade de Coimbra – Centro de Estudos Sociais (CES)
O presente paper tem como objetivo demonstrar alguns resultados obtidos da etnografia realizada das relações de trabalho e de negociação coletiva que são estabelecidas em uma empresa do setor de telecomunicações no Brasil. Neste sentido, acreditamos que os efeitos da globalização têm incidindo nas atuais metamorfoses do mundo do trabalho que estão na ordem do dia. Essas mudanças nas relações laborais têm colocado mesmo diversos cientistas sociais à refletir sobre elas. Por um lado, é notória a constante heterogeinização, fragmentação e complexificação das relações laborais. Por outro lado, ocorreu uma mudança na organização do trabalho nas empresas, como é o caso do setor terciário onde estão inseridos os serviços de telecomunicações.
Com o incremento da segmentação e da flexibilidade do mercado de trabalho, através da expansão da precariedade e da precarização (Alves, 2000), consecutivamente, ocorreu em larga escala, a perda de direitos trabalhistas e sociais (contratos de trabalho com prazos determinados, subcontratações, informalização do trabalho e flexibilizações), a persistência de segmentos importantes da população economicamente ativa no desemprego - o desemprego estrutural surgiu os chamados “desemprecários” (dificuldades de inserção laboral juvenil e adulta no mercado de trabalho), são fatores consequentes da atual arquitetura económica, política e social vigente. Neste sentido, vamos analisar uma categoria de trabalhadores que é específica do setor de telecomunicações (dos call centers), os operadores de teleatendimento (OPs).
Portanto, é em grande medida que entre a precariedade e a flexibilidade estão colocados os trabalhadores no século XXI (Kovács, 2005). Dessa forma, Castells (2003) afirma que no atual momento histórico em que estamos inseridos vivemos na era da informação. Essa afirmação não é mero acaso quando observamos que nas mais variadas táticas e estratégias governamentais, empresariais e sindicais - as tecnologias de informação e comunicação (TICs) são vitais à execução das mais diversas atividades políticas, económicas, culturais e sociais.
Importa neste contexto, apresentar em traços largos, a controvérsia sobre o fim do trabalho, e da sua centralidade dentro do setor de telecomunicações. Assim, no plano das teorias sociológicas do trabalho e das organizações, importa apresentar também, o quadro das importantes mutações que vêm trespassando o capitalismo hoje (Boltanski; Chiapello, 1999; Harvey, 1992). Bem como, saber quais são os principais fatores que levaram o trabalho no setor de telecomunicações às suas atuais configurações e características.
Neste quadro, vivemos em um contexto de crise da sociedade salarial para Castel (1995). Essa crise, somada as atuais configurações do sindicalismo (o enfraquecimento da ação coletiva via sindicatos, e a baixa taxa de filiação dos trabalhadores aos sindicatos no setor de telecomunicações), traz como possível saída para esse impasse - a tese da internacionalização do sindicalismo – que é efetivamente uma das questões que pode significar uma maior homogeneização na ação sindical (uma nova reinvenção), e também, na definição das políticas laborais ao nível global (Costa, 2008).
Nesse cenário, é importante fazermos uma abordagem do mundo do trabalho, trazendo para o debate a questão das requalificações das capacidades individuais e coletivas dos trabalhadores - a formação contínua ao longo da vida e a formação inicial (Corteel; Zimmermann, 2007), que pode possibilitar uma nova concepção de organização de trabalho nas empresas, e na própria vida privada dos trabalhadores. Por outro lado, o discurso moderno sobre o aprimoramento das capacidades profissionais como forma de combater a precariedade no mundo do trabalho, tem se mostrado ineficaz, ou mesmo inexistente quando analisamos o atual grau de precarização da vida dos OPs, por exemplo.
Nesse quadro, a usurpação na forma de contratação dos novos operadores (OPs), trouxeram para nossa análise, algumas questões que vem sendo colocada em segunda ordem para muitos trabalhos sociológicos sobre call centers - as liberdades de escolhas, e as capacidades individuais e coletivas dos indivíduos no mercado de trabalho, e aplicadas a esse setor.
Neste sentido, o Estado e o mercado afirmam que as pessoas são livres e independentes para venderem sua força de trabalho em qualquer lugar. Aqui, entramos na discussão sobre a diferenciação entre a liberdade de escolha e a liberdade real que os trabalhadores possuem nas sociedades capitalistas. Assim, acreditamos que os trabalhadores são privados em suas vidas, da tão aclamada liberdade de escolha, construída no campo ideológico e teórico do liberalismo clássico (Laissez-faire).
Segundo Amartya Sen (2008), há diferentes formas de liberdade, e estas auxiliam no apaziguamento das dificuldades sociais, políticas e econômicas enfrentadas pelos indivíduos. Porém, torna-se relevante compreender essa liberdade como um mecanismo capaz de vincular o sujeito à dimensão individual, de modo que a individualidade pode atingir o aspecto coletivo do ser social. Sen explica ainda, que eliminar as privações dos indivíduos significa investir mais no desenvolvimento das sociedades, uma vez que os homens e as mulheres são passíveis de realizar benfeitorias para o conjunto da sociedade. Para isso, é necessário que sejam dadas possibilitadas, e oportunidades, para se estabelecer condições básicas de exercício de liberdade, exercendo assim, a cidadania (no sentido lato sensu desse termo).
Neste contexto, a complexidade atual das classes sociais – a diversificação produtiva da classe trabalhadora, as diferenças salariais, e de consumo em seu seio (Bourdieu, 2003), bem como, o enfraquecimento do sindicalismo clássico somado ao atual processo de “proletarização” das classes médias (Estanque, 2005), constitui um obstáculo à tese prevista por Marx sobre a passagem da “classe em si” à “classe para si” (Marx, 2003).
A crise dos “pilares” da relação salarial fordista – a perda da noção de pleno emprego, da estabilidade no emprego, e da sua capacidade integradora; a crise das formas de regulação social, nomeadamente do Estado-providência ou Estada desenvolvimentista (modelo de desenvolvimento económico e social especificamente brasileiro); o mercado de trabalho e o “compromisso político, ideológico e social” entre o capital e o trabalho; a centralidade estrutural e conceptual da categoria “trabalho” (Gorz, 1982; Offe, 1989), e a transição desigual de uma fase industrial para uma pós-industrial (Touraine, 1969), ou informacional (Castells, 2003), são ricas fontes teóricas para compreendermos a atual transição de paradigma em Portugal, e que vem começando, mas com outras características no Brasil.
Assim, os trabalhadores estão hoje à mercê do processo crescente de diferenciação, segmentação, e flexibilização dos mercados de trabalho, da descentralização da produção, e da precarização das relações salariais e de vida. É dessa forma que a desagregação e a fragmentação das identidades dos trabalhadores se tornaram outro denominador comum nessa problemática (Beck, 2000).
Enfim, a crescente ausência de lealdade e de solidariedade entre os trabalhadores e os sindicatos é um dos reflexos da emergência do individualismo contemporâneo, ocorrendo assim, uma erosão do respeito entre seus pares (Sennett, 2004). Portanto, os trabalhadores são detentores de interesses cada vez mais amplos e diversificados, que se traduzem na dificuldade dos sindicatos, para congregar trabalhadores para as suas ações de mobilização e intervenção política.
Portanto, o estudo da categoria trabalho no contexto social, político e económico necessitam de uma discussão teórica e metodológica aprofundadas. André Gorz (1982) traz uma contribuição importante ao estudo da categoria trabalho do ponto de vista das classes sociais e do setor de serviços. O autor traça uma linha de raciocínio no sentido da separação e da inovação da classificação das classes sociais para a nova ordem emergente a partir da década de 1970. Para Gorz, ocorre uma substituição contínua da classe trabalhadora por uma “não-classe-de-não-trabalhadores” (Gorz, 1982, p. 32).
Sendo assim, as empresas do setor de telecomunicações vêm pressionando os OPs para que trabalhem por “conta própria”, para que tenham iniciativas individuais (com base nos scripts). Ou seja, o empreendedorismo (pró-ativo) de cada trabalhador é importante para ele mesmo, mas também, para o aumento da produtividade e dos lucros para empresa. Assim, com os objetivos da rentabilidade e das metas cumpridos, o trabalhador talvez possa obter uma melhor posição (subir de posto hierárquico) dentro da empresa. Neste sentido, se convence o trabalhador de que ele é um parceiro no processo produtivo (colaborador), e não um empregado (simplesmente subordinado hierarquicamente e executor de tarefas). Em outras palavras, acreditamos que nesse processo de organização do trabalho, ocorre um alto no grau de alienação do seu trabalho.
Assim, as transformações ocorridas a partir do último quarto do século XX – marcadas pelo declínio das ocupações do setor secundário, bem como, pelo desemprego estrutural e o avanço da racionalidade técnica e da diminuição do emprego assalariado – apontam para a “crise da sociedade do trabalho”, e, no limite, para a perda da centralidade do trabalho assalariado e estável, como fator de integração social central, e para a diminuição da participação política dos trabalhadores no setor terciário segundo Claus Offe (Offe, 1989).
Por outro lado, Ricardo Antunes (1999) vê o mundo do trabalho sofrendo grandes transformações com a questão do ator social (classes sociais) se tornando central neste contexto a partir da década de 1970. Ele propõe explorar a complexidade das relações de trabalho, entre elas, as relações entre o trabalho produtivo e improdutivo, manual e intelectual, além da nova configuração da classe trabalhadora, que longe de negar a centralidade do trabalho, constitui ainda à fonte concreta para reafirmar a centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo.
Conclusão
Procuramos nesse trabalho, recuperar algumas contribuições da sociologia do trabalho, e das teorias das organizações que analisam a questão da precarização, da fragmentação e da flexibilização do mundo do trabalho. Os objetivos e hipóteses de trabalho, caminharam em conjunto com nossas principais indagações sobre as atuais dinâmicas do mundo trabalho - as metamorfoses das relações laborais na sociedade brasileira.
Neste contexto, as novas formas de opressões modernas são geradoras de mecanismos de consentimento ou resignação do ser social com relação ao mundo do trabalho. As desigualdades sociais, que são conseqüências da globalização em curso, não se verificam apenas nas formas de desempregos estruturais, mas também, nas atuais formas de empregos existentes. Portanto, essa atual divisão do trabalho proporcionou um ambiente de opressão onipresente, criando efeitos brutais sobre o setor mais precarizado da classe trabalhadora, como demonstra os estudos de Michel Burawoy (1979) sobre trabalho precário e o controle despótico exercido sobre os trabalhadores.
Assim, visualizamos que a organização do trabalho nos call centers estudados, apresenta formas anacrônicas de organização do trabalho, mesmo com a presença massiva do uso intenso das TICs. Os aspectos de um taylorismo avançado (neotaylorismo) resultante da adaptação do modelo original da administração taylorista por via da introdução das TICs, bem como, pela iniciação dos novos processos de gestão, e da manutenção do modelo do fordismo são notáveis no setor de telecomunicações brasileiro. Nesse sentido, encontramos um processo de produção de massas (pelos atendimentos telefônicos realizados pelos OPs) que caracterizamos, por uma crescente estandardização dos serviços.
Segundo os sociólogos Ilona Kovács e Juan Castillo (1998) no modelo neotaylorista, tudo é controlado informaticamente de modo a se obter os melhores resultados possível na cadeia produtiva. Assim, estamos perante uma produção flexível, bastante automatizada, dos serviços estandardizados para empresas tercerizadas no setor de telecomunicações.
Portanto, a terceirização, o aumento estrutural do desemprego, a precarização dos contratos de trabalho, e a expansão do setor informal da economia são os indicadores negativos das novas formas das relações laborais, com as quais os trabalhadores se defrontam em suas vidas profissionais e pessoas no mundo do trabalho. Por outro lado, nunca o mercado de trabalho foi tão exigente com relação as formações e qualificações educacionais e técnicas dos trabalhadores. Eles agora precisam adquirir ao longo de suas vidas, as formações profissionais mais atualizadas, novas aptidões curriculares, mais flexibilidade e versalidade para desenvolver os trabalho.
Neste sentido, as empresas exercem um controle rígido da execução do trabalho dos OPs, em relação aos tempos no atendimento de cada chamada telefônica; um controle sobre das chamadas, que é feito através das escutas pelos supervisores de produção, onde a maioria dos OPs entrevistados, reconhecem que a sua participação na divisão do trabalho se restringe somente ao nível da execução das tarefas ditadas pelos supervisores, sempre com os objetivos de se atingir as metas de produção do mês.
No que diz respeito aos aspectos cognitivos e emocionais associados ao trabalho nos call centers, observa-se que a essência da atividade na forma e na intensidade do trabalho desempenhados, tem elevado ao endoecimento de muitos trabalhadores. O risco associado a estes aspectos, vem gerando doenças ocupacionais que são consideradas graves pela medina do trabalho.
Assim, a implantação da cultura do empreendedorismo no interior da empresa, cultiva a individualidade, enfraquece a organização coletiva colocando-os em posição permanente de concorrência e afasta a concepção de coletividade. A forma de gestão dos OPs analisa somente o desempenho individual e recupera o coletivo exclusivamente em termos de superação das metas de trabalho que são coletivas: esta é a “conquista coletiva” na visão do empresariado.
A tese que vem sendo muito defendida por alguns sociólogos, a de que estamos regredindo ao século XIX em termos de níveis de precariedade e de precarização do trabalho, parece ganhar cada vez mais impulso, quando chegamos a conclusões finais do nosso estudo de caso.
Assim, o surgimento de um novo tipo de trabalhador no setor de serviços, ao qual Antunes e Alves chamaram de o “novo proletariado” (Antunes e Alves, 2004), segue a linha de que o toyotismo (ou neotaylorismo), diminuiu a distância entre os processos de elaboração e execução das tarefas na busca de um maior envolvimento do trabalhador com a produção. Assim, o toyotismo diferentemente do fordismo - que se apropriou do savoir-faire operário transferindo-o para a gerência científica e de produção do trabalho, busca mobilizar as capacidades intelectuais e criativas dos trabalhadores (que não foi extinta pelo taylorismo) visando a sua apropriação pelo capital, por meio do envolvimento cada vez mais forte e intenso das subjetividades dos que vivem do trabalho.
Em definitivo, não sendo possível extrapolar as conclusões deste trabalho para um universo mais geral do mundo do trabalho, dado que os resultados obtidos são relativos ao nosso estudo de caso, conseguimos levantar algumas questões ao longo do texto que podem serve de base para se fazer reflexões mais globais sobre as atuais formas de precarização, flexibilização e fragmentação do mundo do trabalho. Por outro lado, alguns pontos específicos desse trabalho seria importante fazer um debate mais aprofundado num futuro próximo, como por exemplo, o debate acerca da questão do desenvolvimento das capacidades e das liberdades dos indíviduos na sociedade, principalmente com relação ao mercado de trabalho. Bem como, outra questão que carece de mais aprofundamento, seria a análise da relação entre os sindicatos e os OPs.
Referências bibliográficas:
AAVV (2009), Dois anos a FERVEr: retratos da luta, balanço da precariedade. Porto, Afrontamento.
Alves, Giovanni (2000), O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação
produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo, Editora Boitempo.
Antunes, Ricardo (1999), Adeus ao Trabalho? ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas, Cortez.
Antunes, Ricardo e Alves, Giovane (2004), As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc., Campinas, v. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago.
Bauman, Zygmunt (1999), Globalization: the human consequences. Oxford, Polity Press.
Beck, Ulrich (2000), Un nuevo mundo feliz. La precaridad del trabajo en la era de la globalización. Barcelona, Ed. Paidós Ibérica.
Bourdieu, Pierre (2003), A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil.
Burawoy, Michael (2000), “Grounding globalization”, In Burawoy et all, Global Ethnography, pp.1-40.
Burawoy, Michael (1979), Manufacturing Consent – Changes in the Labor Process under Monopoly Capitalism. Chicago: University of Chicago Press.
Castel, Robert (1995), Les métamorphoses de la question sociale. Une chronique du salariat. Paris, Fayard.
Castells, Manuel (2003), A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol. I, II et III, Lisboa, FCG.
Corteel, Delphine ; Bénédicte Zimmermann (2007), Capacités et développement Professionnel, Formation emploi, Número 98, abril.
Disponível em: http://formationemploi.revues.org/index1561.html acesso em 21 de abril de 2011.
Costa, Hermes Augusto (2008), Sindicalismo global ou metáfora adiada? Discursos e práticas transnacionais da CGTP e da CUT. Porto: Afrontamento.
Estanque, Elísio (2005), “Classes, precariedade e ressentimento: Mudanças no mundo laboral e novas desigualdades sociais”, revista crítica de Ciências Sociais, nº 71.
Gorz, André (1982), Adeus ao proletariado. Rio de Janeiro, Forense.
Habermas, Jürgen (1989), Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
Harvey, David (1992), A condição pós-moderna. São Paulo, Loyola.
ovács, Ilona, (org.) (2005), Flexibilidade de emprego: riscos e oportunidades, Oeiras: Celta.
Kovács, Ilona, e Juan Castillo (1998), Novos Modelos de Produção, Oeiras, Celta. ok
Marx, K. e Engels, F. (2003), Manifesto Comunista, Instituto José Luiz e Rosa Sundermann.
Offe, Claus (1989), Capitalismo desorganizado. São Paulo, Editora brasiliense.
Ruduit, Sandro (2001), Relações interfimas e emprego: Estudo de uma rede de empresas em telecomunicações, Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Santos, Boaventura de Sousa (org) (2005), Trabalhar o mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
Sennett, Richard (2004), Respeito, Rio de Janeiro, Record.
Sen, Amartya (2008), Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.