802 - Córa Hagino
O ensino do Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: como ensinar Direito do Trabalho em tempos de austeridade?
Córa Hisae Hagino
Atualmente é doutoranda do Programa "Direito, Justiça e Cidadania no séc. XXI", programa de doutoramento da Universidade de Coimbra (Centro de Estudos Sociais/Faculdade de Direito/ Faculdade de Economia) e bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal. É mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi professora da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil e foi docente da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), Portugal.
O tema desta investigação é o ensino do Direito do Trabalho na Universidade de Coimbra e tem por objetivo central realizar uma análise deste ensino, com ênfase nos conteúdos programáticos e nas práticas pedagógicas realizadas em sala de aula. Consiste um importante objetivo investigar se as transformações sociais ocorridas no ambiente laboral fazem parte do ensino do direito conimbricense.
O trabalho e consequentemente o Direito do Trabalho nas últimas décadas têm-se modificado. Os termos “flexibilização do trabalho” e “crise económica” estão cada vez mais interligados e frequentes nos meios de comunicação. Em tempos de austeridade económica e social, ensinar Direito do Trabalho não é uma tarefa fácil.
Para António Casimiro Ferreira, o significado da austeridade é o de um modelo económico e político, que pune essencialmente os indivíduos, através da ideia de que os excessos cometidos no passado podem ser consertados pelo sacrifício atual e futuro. Todavia, ao mesmo tempo, ocorre uma destruição dos direitos sociais e a implementação da liberalização económica da sociedade (Ferreira, 2012:13).
A sociedade da austeridade relaciona-se com as ideias de sociedade de risco de Beck e com a modernidade líquida de Bauman, e podem ser exemplificadas no âmbito trabalhista através da fragilidade de se seus laços.
As alterações sociais oriundas de uma redução do Estado de bem-estar social têm-se refletido no Direito do Trabalho, que regula as relações laborais entre patrão e empregado e onde se tem observado uma tendência à flexibilização. A crise económica fez piorar ainda mais a situação dos trabalhadores portugueses, gerando mais insegurança e subordinação às regras do capital.
Nas aulas de Direito do Trabalho da Universidade de Coimbra, o conceito de Direito do Trabalho, segundo o professor regente, seria “conjunto das normas jurídicas, de origem estadual e convencional, que visam regular, com vistas à sua normalização, as relações individuais e coletivas que têm como seu elemento unificante e desencadeante o trabalho assalariado.”
Em termo metodológicos, selecionei a Faculdade de Direito de Coimbra por ser a mais antiga de Portugal, além de ser considerada uma das mais tradicionais no contexto português. Realizei observação participante nas aulas de Direito do Trabalho Teórica e Direito do Trabalho Prática da Escola de Direito de Coimbra durante o semestre letivo de 2011/2012, que serviu para perceber como funcionam a dinâmica das classes e a interação do/a aluno/a com os professores. No total foram 24 horas de aulas teóricas e práticas durante 4 meses, além dos exames escrito e orais.
A avaliação, que segundo Basil Bernstein, é o ponto auge do processo educativo, na Faculdade de Direito de Coimbra é dividida entre exame escrito, oral e recurso. Ambos foram analisados como importante fonte de delimitação do conteúdo do que é considerado como mais ou menos relevante no âmbito do Direito do Trabalho.
O processo de Bolonha entrou oficialmente em vigor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 30 de Setembro de 2007. A cadeira de Direito do Trabalho I passou a ser lecionada no segundo ano de Faculdade de Direito no pós Bolonha e Direito do Trabalho II se tornou uma disciplina optativa. O Processo de Bolonha não somente alterou os currículos, mas ainda o ritmo das aulas.
Haviam três turmas teóricas de Direito de Trabalho no ano letivo 2011/2012 e seis turmas práticas. As aulas teóricas eram ministradas no auditório, enquanto as aulas práticas foram dadas nas salas da Faculdade de Direito.
A metodologia das aulas teóricas baseavam-se em conferências, em que o docente, no microfone, explicava a matéria através da apresentação da mesma em power point e os alunos copiavam. Em média cerca de 100 alunos assistiam a aula e tinham uma postura passiva, sem questionamentos ou dúvidas. Segundo o docente da disciplina teórica as ferramentas de trabalho dos alunos seriam: o Código de Trabalho não anotado e o Manual de Direito do Trabalho.
O conteúdo das aulas, cujo tema geral é o contrato de trabalho, perpassava diversas vezes por questões da atualidade, com o docente abordando temáticas, tais como a privatização do Direito Público, o corte do subsídio de Natal, recibos verdes, despedimentos e a flexibilização do Direito do Trabalho.
Nas aulas práticas, a metodologia das aulas distingue-se completamente das aulas teóricas. Naquelas, o professor dá um caso prático, ditado por ele e copiado pelos alunos, que têm que formar grupos de 3 a 6 estudantes, dependendo do tamanho da turma e solucionar o caso prático. O docente dá um tempo (5 a 15 minutos) para discutirem em grupo o trabalho. Nos grupos, os estudantes conversam entre si sobre artigos do Código do Trabalho, qual artigo se encaixaria melhor no caso analisado, por exemplo. Não há debate ou consulta sobre doutrina e jurisprudência ou outras fontes. O grupo elege um porta-voz para expor a ideia do grupo. E, a partir daí, o professor desenvolve o caso. De um modo geral, os alunos são mais participativos na cadeira prática do que na teórica. Em termos de conteúdo, o docente da cadeira prática defende que a flexibilização pode ser necessária para não prejudicar o trabalhador.
Outro diferencial de Direito do Trabalho I, em especial na parte teórica, foi ter sido a única disciplina das oito pesquisadas que se aproximou de um movimento social. O docente promoveu no horário final de uma das aulas uma palestra da líder da FERVE, Fartos d’estes recibos verdes. O número de alunos foi o mesmo das aulas e estes participaram ao fim da palestra com perguntas e dúvidas.
Esta aproximação de estudantes de direito com o movimento social promove um contato com a realidade social do país e uma reflexão crítica sobre a questão laboral, além de favorecer uma visão interdisciplinar do direito. Demonstra aos estudantes a contradição “law in books” e “law in action”. De acordo com o docente regente: “Não nos podemos fechar no direito, temos que abrir a janela para passar a ver o que ocorre lá fora.”