603 - Vico Melo
Por uma outra Política de Cooperação Internacional? O princípio da não-indiferença na Cooperação Sul-Sul brasileira com Moçambique
Vico Dênis Sousa de Melo[1]
O presente trabalho busca analisar a distensão das relações exteriores brasileira, concernida entre 2003 e 2010, com os países africanos no espaço da língua portuguesa (PAELP) – em uma perspectiva geral – e, mais especificamente, com Moçambique. A reaproximação com os países do continente africano pode ser entendida como resultado da mudança do chefe do executivo brasileiro, o que proporcionou uma retomada de uma postura engajada do Itamaraty, estabelecendo uma política de Estado concernida nas relações Sul-Sul, tomando-as como prioridade[2] de governo.
Preponderou entre os discursos e as ações proferidas por dirigentes do governo Luiz Inácio Lula da Silva, uma reaproximação das relações bi/multilaterais com a África, maior comércio exterior e expansão da atuação do governo no apoio às políticas de cooperação no continente. Essa temática ficou demonstrada nos discursos do presidente, conforme dito na solenidade do jantar dos chefes de Estado e de Governo e vice-presidentes participantes da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora:
Temos, hoje, o desafio de identificar formas de apoio recíproco e maneira de valorizar a cultura africana, em um mundo que se globaliza. O Brasil está empenhado nessa missão. Durante os últimos três anos e meio, visitei 17 países da África e reforcei a presença diplomática do Brasil no continente. Ampliamos e aprofundamos nossos programas de cooperação em setores, como saúde, agricultura e educação, de particular interesse social. Um profundo sentimento de identidade e de solidariedade liga os brasileiros aos povos africanos. É forte, entre nós, a consciência da contribuição que a África deu ao Brasil. Queremos, portanto, ajudar na realização das enormes potencialidades desse continente. O Brasil não é apenas um país da diáspora africana. O Brasil é, também, um país africano, a segunda maior nação negra do mundo.[3]
Em vista desse novo posicionamento no contexto internacional, o Brasil adotou novas medidas, tais como: o perdão de dívidas externas – referente a países com profundos problemas infraestruturais, sociais e econômicos –, e a instalação de novas embaixadas e tratados de Cooperação Técnica (CT). Essas medidas acabaram por levar a uma maior aproximação dos países africanos no espaço da língua portuguesa, principalmente Angola e Moçambique, com o Brasil.
Portanto, esses processos de readequação das estratégias de inserção internacional e de formatação de uma nova matriz para a política externa brasileira ocupam o objetivo central deste trabalho. Neste tem-se o propósito de analisar as questões subjacentes às ações governamentais e às percepções do governo Lula, referentes à política de cooperação no período abarcado, que conformaram as razões instrumentais para o desdobramento da política externa brasileira atual.
Parte-se do pressuposto que as concepções, ações e políticas de cooperação colocadas em prática por esse governo influenciaram suas ações internacionais. Assim, a política externa empreendida, no que se refere às relações bilaterais de cooperação técnica, com os países vizinhos, com os PAELP e, especialmente, com Moçambique se configurou como instrumento balizador e de efetividade na implementação da cooperação técnica horizontal (CTH) entre os países em desenvolvimento (PED).
[1] Doutorando em Pós-Colonialismos e Cidadania Global no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC), é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e graduado em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
[2] Essa percepção pode ser analisada a partir do discurso de posse de Lula da Silva, demonstrando uma vontade de mudança conceitual. Discurso disponível no sítio: http://www.fiec.org.br/artigos/temas/discurso_de_posse_do_presidente_Luiz_Inacio_Lula_da_Silva.htm
[3] Evento ocorrido entre os dias 12 a 15 de julho de 2006, em Salvador, Bahia. Disponível em: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Repertório de Política Externa: Posições do Brasil. Brasília: FUNAG, 2007, p. 159-160.