515 - Neiara de Morais
O surgimento dos observatórios de políticas públicas no Brasil e em Portugal.
Neiara de Morais[1]
Paralelo à implantação de outras inovações democráticas – como novos instrumentos de accountability, conselhos setoriais e de políticas, conferências, orçamentos participativos e outros fóruns híbridos para discussão, deliberação e controle de políticas públicas - a criação de Observatórios tem sido uma prática bastante disseminada em diversas partes do mundo.
A designação “observatórios” tem sido utilizada por uma grande diversidade de organizações – criadas a partir de iniciativas estatais, acadêmicas, de organizações não-governamentais, movimentos sociais ou da articulação de vários desses atores - que têm em comum o propósito de gerar e difundir bases informacionais que apoiem a elaboração e o controle social das políticas públicas.
Para Albornoz e Herschmann (2006) os atuais observatórios têm como objetivo monitorar sistematicamente o funcionamento de um setor ou temática específica e foram inspirados nos observatórios astronômicos modernos, criados a partir do Século XVIII, no entanto seu desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao largo uso dos serviços de estatística por parte dos órgãos governamentais e administrativos.
Brasil e Portugal têm hoje em funcionamento inúmeros observatórios com composições, dinâmicas, estratégias e temas variados. Observatório da imigração (Portugal), das desigualdades sociais (Portugal), da Justiça (Brasil e Portugal), da violência contra a mulher (Portugal), da democracia (Brasil), das favelas (Brasil) e da saúde (Portugal e Brasil) seriam alguns exemplos.
O período de surgimento dos primeiros observatórios em ambos os países é o mesmo, a segunda metade da década de 1990. A análise do presente artigo é desenvolvida a partir do levantamento do histórico contido no link “quem somos” dos sites de dez observatórios brasileiros e dez observatórios portugueses, verificando-se a presença e conexão de elementos comuns e distintivos.
Levantamento prévio realizado através da internet revela que atualmente em Portugal encontram-se em funcionamento aproximadamente vinte observatórios e que o Brasil conta com mais de uma centena deles. Organismos como o Banco Mundial e a União Europeia têm estimulado a atual proliferação dos observatórios (Estivill, 2007; OIDP, 2006; OBSERVAPOA, 2005).
Verifica-se a possibilidade do fenômeno estar ligado a um contexto geral semelhante, mantendo relações com as lutas de movimentos sociais pela ampliação do controle sobre o Estado e, por outro lado, com as reformas de modelo de governo postas em marcha em ambos os países.
Os observatórios podem, nesse contexto, vir a ser poderosas ferramentas para o compartilhamento de informações relevantes, para divulgação do trabalho de especialistas, para ampliar a intensidade de processos de democracia participativa e para o fortalecimento de redes sociais.
Em tal contexto, perguntas novas se apresentam, desta vez dirigidas aos próprios observatórios. Alguns exemplos: estariam eles, de fato, promovendo uma integração do conhecimento científico nos repertórios de recursos cognitivos e críticos necessários à participação na sociedade e ao exercício da cidadania (Nunes, 2004)?; têm proporcionado um encontro diversificado de saberes (Santos, 2008)?; de que maneira a estrutura, composição e democracia interna impactam os resultados produzidos pelos observatórios e, consequentemente, a sua confiabilidade (Furtado, 2007)? Seria possível falar de uma escala de ação com início na partilha de informações até a co-produção de saberes no interior dos observatórios?
O que se pode deduzir da análise desses estudos já realizados é que a mera disponibilização de bases de informação é insuficiente, podendo resultar inócua ou subutilizada. Alguns fatores de risco para a boa performance dos observatórios já poderiam, a partir dos citados estudos, ser aqui apontados. Em algumas experiências, a sociedade civil deixou de produzir e aportar novas informações, fazendo com que o “peso” das estruturas governamentais passasse a ser preponderante em todos os âmbitos do observatório. O excesso de informações em linguagem inacessível à maioria dos cidadãos produz uma queda constante no número de acesso à base de dados (Furtado, 2007).
Quando somente um dos atores envolvidos “alimenta” o portal, o observatório perde seu potencial de agente promotor de uma “ecologia de saberes”, reduzindo-se a um mero veículo de divulgação de um só tipo de conhecimento, para Santos (2008), por mais que se democratizem as práticas sociais, elas nunca se democratizam o suficiente se o conhecimento que as orienta não for ele mesmo democratizado.
Referências bibliográficas
ALBORNOZ, Luiz Alfonso; HERSCHMANN, Micael (2006). Os observatórios ibero-americanos de informação, comunicação e cultura: balanço de uma breve trajetória. E.compós. Revista da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação, V. 7. Disponível em http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/102
ESTIVILL, Jordi (2007). Panorama dos observatórios de luta contra a pobreza e a exclusão social – contributos para o observatório de Lisboa. Disponível em http://observatorio-lisboa.reapn.org/documentos.php
FARIA, Cláudia Feres (2005). O Estado em movimento: complexidade social e participação política no Rio Grande do Sul. Tese para obtenção do grau de doutoramento
FURTADO, Adriana (2007) - Observatório da Cidade de Porto Alegre – democratizando a informação: Indicadores socioeconômicos como elemento para a tomada de decisões e indicadores de acompanhamento do Orçamento Participativo. Disponível em www.observapoa.com.br
GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley Celi Moreira (2008). Comunicação e democracia: problemas e perspectivas. São Paulo: Paulus.
HERSCHMANN, Micael (2006). Uma década de atuação de um importante observatório fiscal brasileiro no contexto ibero-americano. Revista Eco-pós. Rio de Janeiro: Ed. E-Papers, vol. 9, n. 1: 13-21.
NUNES, João Arriscado (2004). Seis proposições sobre cultura científica, comunicação apresentada no Ciclo “Prioridade à Ciência”, organizado pelo Conselho dos Laboratórios Associados, Coimbra, 21 de Junho. Disponível em www.labs-ssociados.org/docs/prici2_arriscado.pdf. Ultimo acesso em julho de 2011.
SANTOS, Boaventura de Sousa (2008). A Gramática do Tempo para uma Nova Cultura Política. 2ª Ed. São Paulo: Cortez.
SANTOS, Boaventura de Sousa (2009). “Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes”, in Santos, Boaventura e Menezes, Maria Paula (orgs) Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 23-71.
[1] Doutoranda do programa Democracia no Século XXI do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Email: neiara@hotmail.com