513 - Maria Rossal e Maria Herz Genro
Orçamentos Participativos: Instrumento de deliberação numa escala de Estado.
MARIA MARGARETH LINS ROSSAL[1]
MARIA ELLY HERZ GENRO[2]
As experiências de Orçamento Participativo (OP) tiveram início na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul - Brasil, nos anos 80, dando início, a uma nova etapa de discussão sobre os processos da democracia participativa e suscintando diferentes experiências no mundo, a partir da deliberação cidadã. O instrumento de Orçamento Participativo surge como contrapartida à Democracia Liberal Representativa contemporanea, onde já foram utilizados em mais de 1500 experiências no mundo, incluindo 30 países europeus. A maioria destas experiências ocorrem no âmbito de município, mas já aconteceu em escala estadual e atualmente está em andamento em escala de Estado, onde algumas questões serão analisadas no presente artigo, tendo como partida o Seminário “Crisis de la Representación y los Desafíos de la Democracia en el Siglo XXI” que ocorreu em maio de 2012 em Madrid, promovido pela Fundación Alternativas y el Gobierno de Rio Grande do Sul Brasil, os documentos produzidos pelo governo em questão e na bibliografía existente.
Palavras-chave: Democracia Deliberativa, Orçamento Participativo, OP em escala de Estado.
Introdução
Desde o início deste ano (2012) está em andamento um processo de OP na escala de Estado (RS – Brasil) numa perspetiva de governo para quatro anos, e os olhares se voltam a esta experiência que ocorre no mesmo contexto onde nasceu o Orçamento Participativo. A importância de processos que utilizam a participação, se estabelece na mesma medida que a Democracia Liberal Representativa entra em questionamento.
A partir da análise do processo que se encaminha no Rio Grande do Sul, e dos objetivos explicitados nos documentos, se buscará identificar a concepção de democracia e cidadania que está presente na proposta da participação. Estes processos, enquanto intencionalidade, visam fomentar a participação cidadã e o desenvolvimento de uma experimentação social, não deixando de reconhecer limites e possibilidades apontadas por alguns sujeitos envolvidos na construção de alternativas e complementações à democracia formal e representativa. O objetivo é explicitar alguns elementos da proposta do OP estadual, a partir da descrição do funcionamento deste processo inicial apontada pelos sujeitos presentes na experiência em Madrid.
O Orçamento Participativo como Instrumento de Deliberação
[...] - o OP deve contemplar um debate explícito sobre a dimensão financeira e orçamental; - necessita ser organizado ao nível das estruturas de governo local; - tem de ser um processo continuado e repetido no tempo; - tem que incluir formas de deliberação pública sobre a componente orçamental e promover publicamente a prestação de contas relativamente aos resultados do processo (Sintomer apud Orçamento Participativo - Portugal, 2012: não paginada).
Esta abordagem em relação à Participação e suas complexidades nos espaços públicos, de tomadas de decisão pela população, não desconsidera a importância dos diferentes instrumentos deliberativos, como contornos constituintes, modulares da formação política e no horizonte da cidadania democrática.
Neste sentido, o espaço de participação pode ser múltiplo e potencializado em diferentes escalas, onde na escala municipal, os OP´s confirmam um processo em consolidação e aprimoramento, que iniciou em 1989 na cidade de Porto Alegre/Brasil com consequente disseminação por vários continentes[4]. O referendo ocorreu em 96, a partir do reconhecimento do processo como “Prática bem Sucedida de Gestão Local” pela ONU, onde de acordo com Raquel Rolnik, se constituiu em “um dos pilares da agenda atual de política urbana e habitacional: a formulação de um novo papel para o Estado e sobretudo de novas formas de relação deste com os demais atores que incidem diretamente na constituição das cidades”. (Rolnik, 2006).
Orçamento Participativo em novas escalas
A aplicação do OP no Rio Grande Sul (1999-2002) segundo Ubiratan de Souza, em um território com “extensão 282 mil Km², população de 10 milhões, 497 municípios”, desmistificou a teoria de que o OP não era aplicável em grandes escalas. Ainda de acordo com Souza, ocorreu a ampliação da “competência legal para a atuação em políticas públicas de caráter macro-social e de abrangência em nível estadual” e também a qualificação “das relações do governo do estado com as prefeituras sob controle social” onde, devido a escala territorial e complexidade das políticas públicas, os conselheiros e delegados[5] designados para o OP “ passaram a ter um papel substantivo, tanto na fase de elaboração do orçamento, como na sua execução, fiscalizando as intervenções realizadas diretamente pelo Estado e as executadas em parceria com os Municípios”.(Souza, 2002).
A partir do Seminário de Madrid[6], e de documentos produzidos pelo governo em questão, a intencionalidade é verificar a potencialidade desta renovada experiencia. As fragilidades e lacunas, só poderão ser analisadas e avaliadas ao longo do processo e posteriormente.
Segundo as informações levantadas, a estrutura de apoio que a cidadania terá à disposição, de acordo com João Motta[7], “se constitui de nove coordenações macro-regionais, 28 coordenações micro-regionais que organizarão a participação nas diferentes regiões do Estado e que irão trabalhar pela atuação conjunta dos órgãos estaduais”.( Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã, 2012:7). Também serão realizadas assembleias municipais e a votação das propostas (abril a julho de 2012), a partir da discussão do Orçamento Estadual 2013 em audiências regionais, contempladas por diversas instâncias de participação.
De acordo com os conceitos e mecanismos que definem a Participação e específicamente o OP, verifica-se no processo realizado em 2002 e neste em andamento, as intencionalidades, ferramentas e estruturas necessárias para a execução e implantação do OP de forma democrática, transparente e com sucesso. Para uma análise conclusiva sobre o processo, é necessário acompanhar a sequencia dos acontecimentos e do governo em si.
Considerações Finais
Constatamos que na contracorrente da lógica liberal (exclusividade da democracia representativa de baixa intensidade - Santos), o processo de potencialização da participação, pressupõe a formação de um sujeito político potente. Este sujeito político, balizado por uma idéia de cidadania democrática, de sujeito de direitos e compromissos com a vida pública, contribui na reinvenção da democracia em diferentes escalas.
Estas experiências que produzem aprendizagens vão se constituindo nestes caminhos, como aposta na melhoria da qualidade da vida humana. A intencionalidade presente no ideário da proposta em questão, presente nos documentos e nas falas dos dirigentes, fortalece a cidadania participativa e o espaço público instituído pelas populações históricamente excluídas das decisões.
Os espaços educativos das experiências comunitárias de participação política são diversos, para além do contexto formal, e são locus importantes de aprendizagens, em que as questões éticas, políticas e estéticas podem nos mobilizar para uma vida mais intensa de exercício de uma cidadania. Os sujeitos inconformados precisam se qualificar para pensar a contemporaneidade, e, suas relações de poder transformadas (Santos 2005) em relações de autoridade partilhada.
As nossas considerações reconhecem a necessidade permanente de avaliação das práticas, do pensar, como um movimento de formação política, em que a escuta, as incertezas, o debate são instrumentos potentes para reinvenção da democracia.
Referências bibliográficas
Allegretti, Giovanni, (2011). Desafios da democracia deliberativa. Le Monde Diplomatique Brasil, de 1º de outubro. Consultado a 05.10.12, em http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1024.
Allegretti, Giovanni, (2008). O orçamento participativo como instrumento inovador para reinventar as autarquias em Portugal e Cabo Verde? Uma análise crítica da performance e dos transfers. Projecto OPtar - Orçamento Participativo Transfers Adaptações e Redes. Projecto PTDC/CS-SOC/099134/2008.
Orçamento Participativo - Portugal, (2012). Orçamento Participativo (Conceito). Consultado a 05.10.12, em http://www.op-portugal.org/conteudos.php?cat=op.
Rolnik, Raquel, (2006). Cidades: O Brasil e o Habitat II. Teoria e Debate nº 32 de 1996. Consultado em 05.10.12 em http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/cidades-o-brasil-e-o-habitat-ii .
Santos, Boaventura de Souza, (2007). Reinventar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social. São Paulo, Boitempo.
Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã (2012). Participação Popular e Cidadã. Reflexões e Compromissos. Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Secretaria Executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, (2012). CDESRS – Conselho de desenvolvimento Econômico e Social. Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital, (2012). Estado do Rio Grande do Sul Brasil. Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Souza, Ubiratan, (2002). Orçamento Participativo – Experiência do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Parte Hartuz [8] – Universidad del País Vasco. Consultado em 05.09.2012 em http://www.partehartuz.org/textos_programas_03-04/ubiratan.pdf.
UN-Habitat, (2004). 72 Perguntas freqüentes sobre orçamento participativo. Série caixa de ferramentas de governação urbana. Quito: AH Editorial.
[1] Doutoranda Democracia no Século XXI - Universidade de Coimbra, FEUC / CES.
[2] Pós Doutoranda Faculdade de Educação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS - Universidade de Coimbra, CES.
[3] Publicação do projeto UN-Habitat (2004), que faz parte do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, e coordenado por Yves Cabanne.
[4] Lisboa se torna a primeira capital europeia a adotar em 2007 de acordo com o Projeto OPtar - Orçamento Participativo Transfers Adaptações e Redes, que teve inicio em 2009, com foco em Portugal e Cabo Verde (apud Allegretti, 2008).
[5] Conselheiros designados (conselhos municipais de saúde, assistência social, agricultura, habitação, etc) e os delegados eleitos pela comunidade junto ao OP).
[6]Promovido pela Fundación Alternativas y el Gobierno de Rio Grande do Sul (Brasil) onde “La Fundación nació en 1997 con el objetivo central de análisis y definición de nuevas ideas, dirigiéndose al encuentro de los ciudadanos y del conjunto de la sociedad”.( Consultado a 05.10.12 em http://www.falternativas.org/la-fundacion).
[7] Secretário de Planejamento do Governo do Estado do Rio Grande do Sul/Brasil.
[8] “Parte Hartuz, grupo consolidado de investigación y formación en democracia participativa integrado por personas miembros ―profesores, investigadores, becarios y colaboradores― de los departamentos de Ciencia Política, Sociología y Educación de la Universidad del País Vasco – Euskal Herriko Unibertsitatea.( http://www.partehartuz.org/prin3.htm).