512 - Mara Bicas
Construção de uma Democracia Radical: Para uma nova democracia, procedências dos movimentos indígenas bolivianos
Mara Bicas
Doutoranda CES - Democracia no Século XXI
FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia
Este trabalho pretende refletir sobre a radicalização da democracia dos movimentos indígenas bolivianos na construção de uma concepção de democracia não ocidental.
É hoje amplamente reconhecido que a democracia liberal-representativa se revela limitada nas suas respostas às exigências de justiça e igualdade social (Fung e Wright, 2003) do nosso tempo histórico. Tal facto faz com que enfrente duras críticas expressas na dupla crise da representação e da participação e, nesse sentido, assistimos a uma queda da densidade da participação na democracia representativa, emergindo a ideia de que não existe um modelo alternativo a este tipo de democracia de tradição eurocêntrica. Contudo, estas ideias têm vindo a ser questionadas e desafiadas pela emergência de outras concepções e práticas democráticas que surgem no âmbito de movimentos sociais do Sul global.
Reconhecendo esta diversidade contra-hegemónica, e para abordar esta questão, parto da proposta de Boaventura de Sousa Santos que enfatiza a necessidade de buscar alternativas fomentando a transição para um “paradigma emergente” (Santos, 1995; 2002; 2000: 70) através da demanda das “epistemologias do Sul” (Santos e Meneses, 2009) como forma de promover desfamiliarização e questionamento em relação ao modelo de democracia liberal-representativa e, consequentemente, fomentar a construção de um “pensamento pós-abissal” (Santos, 2007: 9, 21) que implica a emergência de um novo senso comum emancipatório da ciência, direito e do político. É com base neste desafio lançado por Boaventura de Sousa Santos que pretendo abordar especificamente o potencial emancipatório do político olhando para as concepções e práticas democráticas que estão a ser visibilizadas e potenciadas pelos movimentos indígenas bolivianos que propõem outros tipos de resoluções democráticas. São concepções de democracia alternativas à democracia representativa e participativa protagonizadas por povos e nações indígenas originárias camponesas que foram sempre invisibilizadas e marginalizadas pelo sistema democrático construído em torno da noção liberal de cidadania. Desde 2000 até ao presente na Bolívia está em curso um processo de refundação do Estado e uma forte mobilização dos movimentos indígenas pela “emergência” de um Estado plurinacional e de uma democracia intercultural (Albó, 2008) que tem vindo a denunciar a estreiteza da epistemologia do Norte a partir de formas de organização e representação democráticas comunitárias precoloniais que desafiam em larga medida os limites do Estado moderno (Santos, 2010).
O estudo procura contribuir para ampliar o debate em torno da democracia como uma das vias para aprofundar um novo senso comum emancipatório no âmbito do político. Para tanto, reflicto como os processos de radicalização da democracia levados a cabo pelos movimentos indígenas bolivianos contribuem para a construção de uma proposta descolonial e alternativa de democracia relativamente àquela que é proposta pela teoria política ocidental. Centro a análise nas concepções de democracias comunitárias de três movimentos indígenas que se afastam quer do modelo de democracia representativa, quer de democracia directa e participativa orientando-se pelo princípio do comunal (comunitário/colectivo) e da interculturalidade.
Referências Bibliográficas
§ Albó, Xavier (2008), Movimientos y poder indígena en Bolivia, Ecuador y Perú. La Paz: CIPCA.
§ Fung, Archon; Wright, Erik Olin (2003), Deepening democracy: institutional innovations in empowered participatory governance.
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§ Santos, Boaventura de Sousa (2000), Critica Da Razão Indolente: Contra o Desperdício da Experiência. Para um Novo Senso Comum: a Ciência, o Direito e a Política na Transição Paradigmática, volume 1. Porto: Afrontamento.
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§ Santos, Boaventura de Sousa (2007), “Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, 3-46.
§ Santos, Boaventura de Sousa (2010), Refundación del Estado en América Latina. Perspectivas desde una Epistemología del Sur. Lima: IIDS-IILS e Programa Democracia y Transformación Global.
§ Santos, Boaventura de Sousa; Meneses, Maria Paula (2009) (orgs.), Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina e Centro de Estudos Sociais (CES).