511 Luciana Ronconi
A participação dos movimentos sociais nos processos de redefinição dos espaços púbicos
Luciana Francisco de Abreu Ronconi
Possui Mestrado em Serviço Social e Doutorado em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora titular da Universidade do Estado de Santa Catarina ministra aulas no curso de Administração Pública da Escola Superior de Administração e Gerência. É membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Inovações Sociais na Esfera Pública e do Grupo de Pesquisa Co-produção do Bem Público sob a ótica de Accountability, Responsabilidade Social e Terceiro Setor. Atualmente realiza pós-doutoramento na Universidade Técnica de Lisboa, no âmbito do Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações do Instituto Superior de Economia e Gestão.
Resumo
Esse ensaio teórico pretende refletir sobre a importância da participação dos movimentos sociais na construção, afirmação e consolidação dos direitos, na redefinição do espaço público e na consolidação dos processos democráticos. Pensar os movimentos sociais e examinar os impactos dos mesmos significa avaliar a extensão de suas demandas, discursos e práticas; significa pensá-los como teias que envolvem diferentes atores e atravessam instituições, sociedade e Estado na arena da política. Em contextos de transformações do Estado e da sociedade civil, em âmbito global, têm se constituído novos fóruns, de organização e participação da sociedade civil, relacionados aos processos de decisão e à gestão das políticas sociais. Os movimentos sociais, nesse contexto, têm demandado a ampliação dos mecanismos de participação e decisão nas instâncias de deliberação do Estado e a incorporação de ações transparentes e compartilhadas nos processos de elaboração das políticas públicas. Consideramos que os estudos sobre movimentos sociais podem cooperar para a compreensão dos mecanismos de governança pública entendida nesse estudo como um tipo de gestão que favorece e reforça a participação de atores sociais nos processos de decisão e de formulação das políticas públicas. Esse trabalho conclui que na luta pela cidadania e pela construção de uma sociedade mais democrática, os movimentos sociais apontam para novas formas de relações societárias, em um processo de reconhecimento e ocupação dos espaços institucionais e ao mesmo tempo de autonomia e confronto com as agências governamentais. Debater as novas formas de interação entre o Estado e os movimentos sociais, que são permeadas por relações de consenso e conflito, e a importância da participação dos movimentos sociais na construção de uma sociedade mais democrática é o objetivo desse ensaio teórico.
Palavras-chave: Movimento social, participação, transformação, governança pública
Esse ensaio teórico pretende enfatizar a importância dos movimentos sociais para a ampliação dos mecanismos de participação e decisão nas instâncias de deliberação do Estado. Se por um lado as características institucionais e as transformações nas estruturas político-administrativas dos órgãos responsáveis pela implementação das políticas públicas têm possibilitado os processos participativos, por outro, a capacidade de organização de grupos sociais tem assegurado que o envolvimento de seus representantes seja legítimo, autônomo e continuado (Côrtes, 2007). Consideramos assim que os movimentos sociais podem cooperar para que a governança pública, entendida nesse estudo como um tipo de gestão pública que favorece e reforça a participação de atores sociais nos processos de decisão e de formulação das políticas públicas, seja consolidada como um tipo de gestão de Estado (Ronconi, 2011).
Vários países têm desenvolvido experiências de aprofundamento e inovação democrática, ampliação do campo da política e construção da cidadania. Essas experiências re-significam a ideia de democracia e demonstram que é possível construir um projeto democrático que crie e generalize a abertura de espaços públicos com capacidades decisórias (Dagnino et al., 2006). Os movimentos sociais, nesse contexto, têm demandado a ampliação dos mecanismos de participação e decisão nas instâncias de deliberação do Estado e a incorporação, por parte desse, de ações transparentes e compartilhadas nos processos de elaboração das políticas públicas.
O conceito de movimentos sociais se apresenta com inúmeras ambiguidades não havendo consenso sobre seu significado. Desenvolvido no âmbito do marxismo, a categoria, até o início dos anos de 1960, traduzia a organização racional dos trabalhadores em sindicatos e partidos, que objetivavam a transformação das relações capitalistas de produção (DOIMO, 1995). Foi nos anos de 1980 que as categorias classe social e luta de classe são substituídas pelas categorias sujeito popular ou ator social e movimento popular e/ou movimento social. Passa-se a pensar, pois, na possibilidade de transformações culturais e políticas substantivas a partir da cotidianidade dos atores envolvidos. A partir dos anos de 1990 detecta-se a emergência de novos temas e novos enfoques analíticos nas pesquisas sobre os movimentos sociais latino-americanos (Scherer-Warren, 1993).
O termo novos movimentos sociais começou a ser usado, de acordo com Paoli (1995), para referir-se ao aparecimento político de atores sociais organizados que não se referenciavam diretamente nem às estruturas institucionais de poder e representação política como partidos e governo, e nem aos atores “clássicos” do sistema social como os grupos de interesse e classes sociais.
Analisando as faces dos movimentos sociais no Brasil contemporâneo, Lüchmann e Souza (2005) delimitam duas importantes tendências da ação coletiva, a saber, “os novos instituintes/instituídos” e “os novos contra-instituintes”. Os primeiros se caracterizam, de acordo com as autoras, por uma aproximação (variada) com a institucionalidade, seja pelo reconhecimento e ocupação dos espaços tradicionais da política (partidos políticos e agências governamentais); seja pela luta e aposta na construção de novas instituições políticas; seja pelo conjunto de esforços em alcançar um maior grau de institucionalidade em seu formato organizacional. Já ”os novos contra-instituintes” negam a institucionalidade e se caracterizam pela autonomia e pelo confronto direto com a ordem social.
No caso do Brasil, se nos anos de 1970 e 1980 os movimentos sociais colocavam-se em oposição ao Estado e, especialmente nos anos de 1970, em oposição ao regime militar, em um processo de busca de autonomia, de redemocratização do país e de garantia dos direitos de cidadania para os excluídos, nos anos de 1990 colocam-se ao lado das instâncias governamentais em busca de participação nos processos de decisão e formulação das políticas públicas. É, portanto, em um contexto das transformações do Estado e da sociedade civil que se constituem novos fóruns de organização e participação da sociedade civil, relacionados às decisões e à gestão das políticas sociais.
Pensar os movimentos sociais pressupõe assim, pensar a questão da construção, afirmação e consolidação dos direitos assim como a redefinição do espaço público. Os movimentos sociais impactam as instituições, a sociedade e o Estado, cooperando para a consolidação dos processos democráticos em diferentes países. Sob estes aspectos, podemos parafrasear Touraine (2003) para quem, movimento social e democracia se acham intimamente ligados: não pode existir um sem a outra.
Considera-se que o acúmulo organizativo de várias associações, redes e cooperativas as capacitam e legitimam para a proposição de políticas públicas nas mais diferentes áreas. Os movimentos sociais têm, nesse sentido, influenciado os processos políticos e exigido formas inovadoras de gestão compartilhada das políticas públicas. Na luta pela cidadania e pela construção de uma sociedade mais democrática os movimentos sociais, em meio aos desafios, às contradições e às ambiguidades, apontam para novas formas de relações societárias, em um processo de reconhecimento e ocupação dos espaços institucionais e ao mesmo tempo de autonomia e confronto com as agências governamentais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Côrtes S. V. Viabilizando a participação em Conselhos de Política Pública Municipais: arcabouço institucional, organização o movimento popular e policy communities. In: Hochman G; Arretche, M.; Marques, E. (Orgs.) Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007.
Dagnino, E. et al. A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo: Paz e Terra: Campinas, SP: Unicamp, 2006.
Doimo, A. M. A vez e a voz do popular. RJ: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995.
Lüchmann, L.H.H.; Sousa, J.T.P. Geração, democracia e globalização: faces dos movimentos sociais no Brasil Contemporâneo. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, 2005.
Paoli, M.C. Movimentos sociais no Brasil: em busca de um estatuto político. In: Hellmann, M. (Org.), Movimentos Sociais e Democracia no Brasil. SP: Marco Zero, p. 24-55, 1995.
Ronconi, L. F. A. Governança Pública: um desafio à democracia. Revista Emancipação V. 11 n. 1, Editora UEPG, Ponta Grossa, 2011.
Scherer-Warren, I. Redes de movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1993.
Touraine, A. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis: Vozes, 2003.