505 - Cristiana Carvalho
Educação sexual no contexto escolar e familiar: o contributo de variáveis pessoais, relacionais e educacionais para a compreensão das vivências sexuais dos jovens
Cristiana Carvalho
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Resumo:
A Educação Sexual (ES), enquanto estratégia de promoção da saúde, é afirmada quer no panorama internacional, quer no nacional como indispensável em meio escolar (Despacho n.º 60/2009), incluindo nela a sexualidade e IST (VIH/SIDA), enquanto áreas prioritárias de intervenção, (Despacho n.º 15 987/2006), extensíveis a todos os níveis de ensino (Despacho n.º 60/2009).
A investigação portuguesa tem apontado para a necessidade de intervir nos diferentes contextos de vida do indivíduo e para a importância da cooperação entre jovens, pais e professores (Pereira, 2000; Matos, 2005; Pereira, 2009), quando se pretende promover eficazmente a gestão de comportamentos e escolhas dos jovens em saúde (Pinheiro, et al, 2006), para que ocorram mudanças efetivas, sustentáveis e duradouras (Precioso, 2004).
Atualmente, reverter a problemática do insucesso das ações de prevenção e aumentar a eficácia das intervenções de ES passará, não só por compreender os fatores determinantes dos comportamento dos jovens, isto é, as estratégias cognitivo-emocionais impulsionadoras da passagem da intenção à ação comportamental (Alvarez, 2005), e os fatores determinantes das práticas educativas de pais, professores e outros agentes de mudança, mas também por promover a coerência entre os agentes educativos em diversos domínios de saúde (Stewart-Brown, 2006).
Nesta linha de pensamento, estudos liderados por Byers, Weaver e Cohen (Byers et al., 2001; Weaver, et al., 2001; Cohen, et al., 2001) acerca da opinião dos alunos, pais e professores sobre a ES permitiram projetar um programa mais eficaz na promoção da ES dos jovens, acentuando a importância de conhecer e considerar as opiniões de todos os participantes no processo educativo. A produção de instrumentos de avaliação que permitissem comparar as opiniões dos jovens, pais e professores em diversos aspetos da ES foi uma forte motivação para a realização destes estudos (Byers et al., 2001).
No contexto escolar português tem dominado o investimento na avaliação dos conhecimentos, atitudes e valores dos professores (Reis & Vilar, 2004; Ramiro & Matos, 2008), pais e alunos (Costa, 2005), e dos comportamentos dos jovens (Vilar & Ferreira, 2009) na área da sexualidade e ES, não se verificando investimentos equivalentes quer nas variáveis cognitivo-emocionais, quer nas variáveis relacionais, enquanto condições implicadas na mediação dos processos de auto-regulação em saúde (Leventhal, et al, 1997) e, especificamente, dos processos de tomada de decisão e resolução de problemas necessários aos comportamentos em saúde.
Neste sentido, a investigação “Educação sexual no contexto escolar e familiar: o contributo de variáveis pessoais, relacionais e educacionais para a compreensão das vivências sexuais dos jovens” (Projeto de Doutoramento/FCT - Referência nº SFRH/BD/75130/2010), procura colmatar a falta de instrumentos de avaliação adequados ao planeamento das intervenções em ES, tendo em conta variáveis cognitivo-emocionais e variáveis relacionais implicadas na mediação dos processos de auto-regulação dos comportamentos em saúde.
A sua concretização requer a implementação de três conjuntos de estudos. O primeiro estudo, já realizado, implicou a tradução, adaptação e validação de três instrumentos construídos por investigadores canadianos (Departamento de Educação da Universidade de New Brunswick), utilizados para avaliar conceções sobre ES e vivências da sexualidade dos jovens (New Brunswick Students’ Ideas About Sexual Health Education) (Byers et al., 2001), conceções, vivências e práticas de ES dos pais (New Brunswick Parents’ Ideas About Sexual Health Education) (Weaver, et al., 2001) e conhecimentos, conceções e práticas educativas dos professores em ES (New Brunswick Teachers’ Ideas About Sexual Health Education) (Cohen, et al., 2001).
Na versão portuguesa do questionário destinado aos jovens entre os 13 e os 18 anos, foram adicionadas as dimensões de conforto, vontade e de conhecimentos relativos aos conteúdos de ES em meio escolar, e ainda as dimensões de atitudes e crenças face à sexualidade e ES. Além destas, adicionaram-se duas dimensões relativas às vivências e práticas de ES que têm feito parte do seu percurso formativo. Na versão portuguesa do questionário destinado aos pais adicionaram-se as dimensões de conforto, vontade (implicando fatores que afetam a vontade) e de conhecimentos relativos aos conteúdos de ES, e ainda as dimensões de atitudes e crenças face à sexualidade e ES. Na versão portuguesa do questionário destinado aos professores, para além dos conhecimentos, conceções (opinião sobre a ES; a importância dos conteúdos e do nível de ensino em que devem ser abordados na escola), conforto, vontade e formação em relação às práticas de ES, foram adicionadas as dimensões relativas às vivências (ES recebida pelos pais) e práticas (métodos e estratégias) de ES. Além disso, serão também incluídas as dimensões das atitudes e crenças face à sexualidade e ES.
Num segundo estudo, será construído e validado um instrumento de avaliação das atitudes e das competências relacionais dos jovens que se mostrem relevantes na interação com os pais, os professores e os pares. O levantamento de informação para elaboração dos itens recorrerá à técnica de grupos focais. O terceiro conjunto de estudos recorrerá novamente a uma abordagem metodológica quantitativa, correspondendo à análise descritiva e inferencial de dados, com vista à caracterização dos conhecimentos, conceções, atitudes e vivências de sexualidade e ES dos jovens e caracterização dos conhecimentos, conceções, atitudes, vivências e práticas educativas de professores e pais nas mesmas áreas.
O mesmo estudo servirá ainda para identificar as convergências e divergências entre os jovens, pais e professores referentes às variáveis pessoais, relacionais e educacionais anteriormente operacionalizadas, e que dizem respeito a conhecimentos, conceções, atitudes, vivências sexuais e práticas educativas. A partir destes dados pretende-se ainda desenvolver um modelo explicativo das vivências sexuais dos jovens, integrando variáveis de natureza pessoal, relacional e educacional, relevantes na interação com os pais, professores e pares. Desta forma, procura-se compreender o tipo de relações existentes entre os grupos de variáveis cognitivo-emocionais e relacionais, enquanto condições mediadoras dos processos de auto-regulação dos comportamentos de saúde, e as vivências sexuais dos jovens.
Desta análise resultarão recomendações destinadas a técnicos e profissionais envolvidos na promoção da ES em contexto escolar, com o intuito de apoiar a conceção, elaboração e execução dos projetos desta área, tendo como ponto de partida as necessidades evidenciadas pelos jovens, pais e professores em ES. Serão também disponibilizados estes instrumentos às escolas portuguesas para a avaliação dos projetos de ES e disponibilizados à comunidade científica no âmbito da psico-educação para a saúde, como intervenção promotora da saúde.
Bibliografia:
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Nota biográfica:
Licenciada e Mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UC – FPCEUC), com Pós-Graduação em Saúde Sexual (Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa) e em Mediação de Conflitos em Contexto Escolar (JURISolve – Resolução Alternativa de Conflitos). Doutoranda em Ciências da Educação, na área de especialização de Psicologia da Educação pela FPCEUC (Bolseira FCT).