401 - Ana Dória
Ana Cláudia da Costa Dória | Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, Bahia, Brasil
LOCAL DE EXERCÍCIO DO DOUTORAMENTO: Universidade do Minho, Braga, Portugal
PROJETO DE PESQUISA: O posicionamento feminino nas fontes narrativas de 1975 a 2010
PROFESSOR ORIENTADOR: Prof. Dr. Joaquín Nuñez Sabarís
Período: Setembro/2011 a março/2012
APRESENTAÇÃO:
Mestre em Letras (Língua e Literatura Espanhola e Literatura Hispano-Americana) pela Universidade de São Paulo (USP), na FFLCH em 2001, com a dissertação intitulada “ Marcas paternalistas na literatura de pós-guerra: Uma análise de Cinco horas con Mario de Miguel Delibes” sob orientação da Professora Doutora Valéria De Marco. Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana, Área de Estrangeiras desde 2001, assumindo as disciplinas de Literatura Espanhola; Coordenadora da Área de Estrangeiras de
OBJETIVO:
Inserção nos estudos de doutoramento com a pesquisa sobre O posicionamento feminino nas fontes narrativas de 1960 a 1975 tem como objetivo analisar as diversas nuances configuradas a partir de uma formação ditatorial e seu desdobramento na literatura contemporânea. Apresentando, a partir das narrativas longas ou curtas, seu posicionamento sócio cultural e seu lugar simbólico para produzir, a partir deste objeto de estudo, uma tese como produto final do trabalho.
JUSTIFICATIVA:
A partir dos anos 40 começaram a ser percebidas mudanças econômicas e sociais na Espanha. A alavanca dessas mudanças foi à expansão industrial, que proporcionou de forma decisiva a migração de mão-de-obra das regiões rurais e interioranas para as grandes cidades. Por conta do grande número de migrantes, diversos problemas surgiram associados à falta de estrutura das cidades para acomodar os homens e as mulheres, às vezes famílias inteiras, que vinham tentar melhor sorte nas grandes cidades e encontravam diante de si a fome, o frio, a falta de higiene e de moradia, além das doenças.
Jesús Martín Santos apresentou um relato impressionante dessa gente denominada paletos em seu romance Tiempo de silencio publicado duas décadas depois, que além de viver em uma situação miserável, se corrompia para promover o sustento e respirava promiscuidade. Os personagens apresentados por Martín Santos são miseráveis e representam o verdadeiro estado em que o povo marginalizado vivia, sem figuras, sem metáforas, sem poesia, sem rodeios, sem teto ou pão. É a descrição nua e crua da realidade das grandes cidades depois dos cataclismos provocados pelas guerras, civil e mundial. Convivendo com esta situação, existia também um grupo de seguidoras dos modelos apregoados pela ideologia norte-americana, que era difundida pelo cinema e pelas revistas que chagavam à Espanha. Estas eram conhecias como as “chicas topolino” que contrastavam drasticamente com o grande número de mulheres orientadas pelo modelo doutrinal estabelecido. Contrastavam principalmente na fome, na miséria e no medo da Igreja, do governo e da polícia.
Carmen Laforet nos apresenta, em Nada (1944), uma personagem que possui características típicas das chicas topolino, jovem de classe alta, socialmente estabelecida que se aproveitava destes privilégios para viver sua vida de maneira pouco ortodoxa.
O personagem possui o ar coquete, a petulância e o atrevimento que certamente fazia parte das jovens impregnadas das culturas estrangeiras que se infiltravam através das leituras e do vestuário, e em alguns casos de maior abono, das viagens ao exterior.
Ressalto aqui o realismo quase doloroso que surge das páginas de Nada, onde Carmen Laforet consegue imprimir em seus personagens marcas que me parecem tão reais, além de sentimentos e conflitos tão palpáveis. Os anos quarenta estão bem representados, inclusive nas diferenças sociais que começavam a se destacar.
E segundo os traços típicos neste período, dos anos 40 em diante, podemos afirmar que o pós-guerra foi terrível, talvez até pior que a guerra em si, pois o Caudillo, como “conocedor sereno de la psicologia del pueblo” e de toda destruição econômica, social e moral provocada pela contenda, continuou repetindo: “producir, producir, producir”.
Os anos de contenção ainda prosseguiram por um longo tempo depois da guerra. Os espanhóis sofreram muitas privações até o aparente equilíbrio trazido pela industrialização. Franco buscou uma modernização no plano econômico, mas, no plano moral, permaneceram os padrões tradicionais e conservadores que impunham um controle absoluto sobre a família e, principalmente, sobre as mulheres.
Se pretendía, a través del modelo educacional, borrar el liberalismo en su concepción global. Para ello había que ir más allá de los orígenes del mismo. “Se impone, como una necesidad urgentísima, un tipo de educación inspirado en principios netamente medievales […] impregnar las formas educativas actuales de aquel fecundo y cristiano espíritu.
O crescimento econômico deveria ter como base principal a conservação da moral cristã, que deveria abarcar todos os lares espanhóis. Para isso, para que esta política moral tivesse êxito, era necessária a colaboração dos seus principais agentes, as mulheres, sempre supervisionadas pela Igreja. Portanto, eram elas quem precisavam ser orientadas de acordo com os interesses do Estado e da Igreja Católica: “La mujer que necesita e intenta crear el franquismo es la ´mujer-esposa-madre’, que se va modelando a través de la legislación, la acción de
Segundo Neuschäfer, o objetivo franquista era erradicar o liberalismo: acabar com o pluralismo de partidos, com a liberdade de opiniões, a tolerância religiosa, o divórcio, etc. “... ahora la ´verdad’ vuelve a distorcer a la ´liberdad’. El dogma de fe del franquismo es: Dios, pátria y familia”.
Os serviços de formação passaram então a disseminar também a doutrina falangista e não somente a religiosa, que deveria incutir nas mulheres o padrão de conduta nacional-sindicalista, baseado nos princípios axiomáticos da Pátria como “unidad de destino”, a religião católica como “moral” e a puericultura como “deber”.
Desejava-se que a vida espanhola partisse de alguns princípios considerados essenciais, como a fé incondicional na Igreja e o reconhecimento da superioridade masculina. E a mulher seria a difusora de todos estes valores sociais ou morais no seio da família. Pilar Primo de Rivera, representante geral da Sección Femenina de la Falange, possuia essa mesma impressão a respeito da mulher e propagava às colegas falangistas: “... es increíble, y eso ya lo sabemos todas las mujeres, la influencia y el poder de difusión que puede tener una doctrina por medio de una mujer dentro de su casa”.
A Igreja funcionou então, junto com o Estado, como órgão formador da “nova mulher espanhola”. A restituição da mulher ao lar, já que ocorrera seu afastamento por conta de mão-de-obra escassa e pela situação de desamparo familiar criada com a guerra, foi transformada em um reconhecimento justo de um direito finalmente recuperado pelas cidadãs espanholas: “el ser amas de casa”.
A Sección Femenina de la Falange e a Igreja combatiam o feminismo e buscavam um perfil de mulher idealizado pelo patriarcado e por Franco, como aquela que está sempre disposta a submeter-se a uma hierarquia superior. Tanto a Falange quanto a Igreja pregavam a submissão em todos os sentidos, argumentando que este era o único destino certo para todas as mulheres. E esta submissão foi recebida pela maioria das mulheres não como uma degradação da sua posição perante a sociedade ma, contraditoriamente, foi considerada como o reconhecimento de um papel constituído especialmente para a mulher, desde a criação. Em verdade, a idéia disseminada foi a de que tal posição de deixar-se guiar pela vontade e sabedoria do sexo mais forte era um direito e um prazer. A masculinidade foi tão mistificada e exaltada quanto à fragilidade e a debilidade feminina.
Um fragmento citado por Carmen Martín Gaite
La mujer de España, por española, es ya católica […] y hoy, cuando el mundo se estremece en un torbellino guerrero en el que se diluyen insensiblemente la moral y la prudencia, es un consuelo de tener a la vista la imagen “antigua y siempre nueva” de esas mujeres españolas comedidas, hacendera y discretas.
Todos estes princípios morais ou religiosos levavam as mulheres ao mesmo caminho de sacrifícios dos interesses materiais e de valorização do matrimônio e, sobretudo, da família.
A Espanha de Franco não era somente a nação mais católica, eleita por Deus como instrumento de evangelização do novo mundo, mas também era aquela que priorizava a família como suporte maior da reestruturação moral e social do país, segundo as palavras do próprio Papa Pio XII.
E o princípio básico para que esta reestruturação ocorresse da maneira idealizada por Franco, era que a mulher retornasse ao seu “posto original” de mãe e esposa fiel, dedicada e ciente do poder aferido ao homem. Tendo em vista esse retorno ao lar, já que durante a guerra ocorreu o afastamento estrategicamente estimulado, foram necessárias uma série de modificações básicas, como a perda de alguns direitos civis, proibição da liberdade de circulação em certos locais públicos, a perda do direito ao recebimento de heranças ou de exercer empregos públicos, além de algumas pequenas exigências ditas como apropriadas à feminilidade como, a educação escolar restrita e oposta à educação doméstica bem desenvolvida ou o trato com a aparência básica, discreta e satisfatória para se conseguir um companheiro, contrapondo-se à invasão das libertinagens, das modas e outras novidades europeias.
As mudanças decorrentes da queda do bloqueio econômico que a Espanha sofria desde 46 pela ONU e outras sanções internacionais deram fim ao panorama de contenção implantado pelo governo franquista nos anos anteriores, no qual se baseava modelo social assistencialista autoritário de cooptação e repressão. Para as mulheres, estavam sendo criadas condições para uma nova atitude na vida social. No entanto, apesar do longo período marcado pelo autoritarismo patriarcal, os anos 60 trouxeram o trabalho feminino para fora do lar de forma cada vez mais freqüente, por força da necessidade de ajudar a composição da renda familiar e porque a nova situação econômica demandava, cada vez mais, a disponibilidade de mão-de-obra mais barata. Portanto, foram estes novos fatores que forçaram a aceitação do trabalho feminino e da sua renda como apoio à manutenção familiar e para a educação dos filhos. Segundo Mercedes Montero,
A las primeras universitarias españolas les toco vivir una época convulsa: decadencia de
O governo espanhol aprovou a Lei sobre os direitos políticos, profissional e trabalhista da mulher apenas em 15 de março de 1961. Junto com esta Lei, foram criadas outras para facilitar a incorporação da mulher ao serviço remunerado. Por conta da crescente expectativa da mulher em incorporar-se ao mercado de trabalho remunerado, ocorreu um aumento considerável no nível de escolarização feminina que alcançou algo em torno de 45% em 1970. No entanto, foi somente em agosto deste ano que foi suprimida a separação dos sexos que garantia a discriminação à aprendizagem nos estabelecimentos educacionais.
Todas estas mudanças afetaram a família modelo. Os jovens passaram a deixar a casa paterna e suas cidades em busca de meios de subsistência e de uma vida própria: “La autoridad patriarcal, base de la familia, queda quebrada y pierde poder” .
A morte do General Franco em 1975 constituiu-se num duro golpe contra o patriarcado vigente e fortalecido pela aliança do Estado com a Igreja. No referendo popular para aprovar a Constituição de 1978, a igualdade dos espanhóis perante a lei foi reconhecida, sem discriminação de sexo, religião ou opinião, ou qualquer circunstância pessoal ou social (Art. 14).
Assim, a Espanha começa a reescrever a história de suas mulheres dentro dos novos parâmetros contemporâneos. Porém, o recalcamento de quase 40 anos ainda se fez ouvir por muito tempo, e é exatamente este ruído que pretendemos captar e analisar na proposta em questão, lançando olhos na produção literária a partir de 1975 até a primeira década do século XXI, para ter uma idéia clara das mudanças sócio-culturais que foram implantadas até a atualidade, no que tange à narrativa e ao posicionamento feminino.
Para uma análise da narrativa produzida como referência do universo feminino depois do período de imediato pós-guerra vamos tomar como base as novelas de autores de alguma relevância no contexto espanhol como Miguel Delibes, Luis Martin-Santos, Martín Gaite, Ignácio Aldecoa, entre outros.
METODOLOGIA:
A metodologia utilizada para a investigação teórica será a de um estudo de análise quantitativo e qualitativo dos diversos tipos de narrativa espanhola que abrangem o período entre 1975 e 2010, com o intuito de se obter um estudo sócio-histórico e analítico do posicionamento feminino encontrado nos textos, dentro dos parâmetros literários estabelecidos pela proposta do objeto. Tal estudo se restringirá à análise da narrativa espanhola européia já que é esse o âmbito primeiro da pesquisa, e de minha formação posterior.