306 Jorge Almeida
Entrelaçamento e Capital Social: O caso das empresas cotadas na bolsa
Euronext Lisboa e integradas no Portuguese Stock Index 20 (PSI 20)
Jorge Almeida (ISCTE-IUL) Doutorando em Sociologia
Resumo
A análise do entrelaçamento empresarial de dirigentes permite aferir o Capital Social das elites económicas e o modelo particular de capitalismo existente em cada país.
O entrelaçamento de dirigentes (interlocking) é a relação entre duas organizações que resulta da presença simultânea de um mesmo individuo nos corpos dirigentes de ambas.
De forma mais estrita o entrelaçamento empresarial (corporate interlocking) é o entrelaçamento de dirigentes entre empresas. Uma das formas mais efetivas de estudar o entrelaçamento empresarial é recorrendo à Análise de Redes Sociais (ARS).
Os trabalhos de Stockman, Ziegler e Scott1 foram pioneiros na análise comparativa internacional do entrelaçamento empresarial. Estudos posteriores confirmaram diferenças consideráveis entre países. Hall e Soskice2 explicaram-nas no quadro da sua teoria das variedades do capitalismo. Os trabalhos de Paul Windolf e, mais recentemente, de Kees van Veen e Jan Kratzer3 identificaram modelos de capitalismo diferentes nos países integrantes da União Europeia.
Efetuámos a nossa análise no quadro teórico de Paul Windolf4 que identifica na Europa ocidental três tipos de capitalismo: o anglo-saxónico, baseado no valor acionista e no mercado concorrencial, o germânico, baseado na cartelização de mercado e na cooperação entre os vários atores sociais e o francês, assente na propriedade familiar das empresas e na intervenção estatal direta. Estes diversos tipos de capitalismo apresentam estruturas diferenciadas ao nível do entrelaçamento empresarial, sendo visíveis essas diferenças nas principais variáveis que caracterizam uma rede social, nomeadamente ao nível da coesão e da centralidade de certos atores.
Na base dos diferentes modelos de capitalismo estão diferentes tipos e configurações estruturais do Capital Social das elites económicas, sendo o entrelaçamento empresarial uma das formas mais importantes de estabelecimento de laços sociais e de coordenação político-económica entre os elementos das elites económicas ou da classe superior (upper class).
O número de empresas cotadas em Portugal nunca foi muito elevado, encontrando-se cotadas no final de Dezembro de 2009 apenas 49 empresas de direito nacional. No entanto esta meia centena de empresas tem um peso significativo na economia nacional, aí estando incluídos os principais grupos empresariais portugueses. Podemos perceber a dimensão dos grupos cotados quando verificamos que o capital social, aqui na aceção contabilística, médio dessas empresas era em 2009 superior a 900 milhões de Euros e que a capitalização bolsista das empresas cotadas, ascendia em Dezembro de 2010 a mais de 190 mil milhões de Euros, um valor superior ao do PIB do país nesse ano.
Com base nos Relatório do Governo da Sociedade de 2010, documento de publicação obrigatória para as empresas cotadas em mercados de valores mobiliários, elaborámos a lista dos dirigentes das 20 empresas integrantes, a 31 de Dezembro de 2010, do índice bolsista PSI-20 (Portuguese Stock Index). Com base nesta lista construímos uma rede em que os agentes são as empresas e os laços a partilha de um ou mais dirigentes. Recolhemos, da mesma fonte, informação sobre os acionistas de cada uma das empresas. Recorremos ao UCNET 6 como ferramenta de cálculo dos principais indicadores da rede do PSI-20.
Verificámos que todas as empresas do PSI-20 estão conectadas e que todas pertencem à componente principal. Isto revela a presença de coordenação e coesão entre as elites económicas. No entanto esta coesão não é muito elevada, desde logo porque o número de grandes entrelaçadores, dirigentes com assento em muitas empresas, é reduzido e apenas dois tem simultaneamente lugar em 4 empresas, sendo que nestes dois casos três das empresas pertencem ao mesmo grupo (Sonae). Mas também a densidade da Rede mostra, quando comparada com valores obtidos para outros países, estar nos patamares mais baixos.
As empresas mais centrais desta rede, à semelhança do que acontece noutros países, são os Bancos, mas a Cimpor surge também como uma das empresas mais conectada.
A existência de múltiplas cliques (16 num universo de 20 empresas) evidencia que a tendência é para a formação de pequenos grupos e não para um entrelaçamento mais vasto. Estas cliques têm quase todas a dimensão mínima. As duas maiores com 5 e 4 empresas respetivamente incluem as três empresas do grupo Sonae.
Estes resultados vêm, assim, no sentido de confirmar a existência de um relativamente baixo Capital Social entre as elites económicas portuguesas.
Adicionalmente a dispersão acionista é baixa em Portugal. A própria CMVM5 assinala no seu relatório de 2011, referindo-se às 49 empresas cotadas, que mais de metade era controlada por um único acionista. Nas empresas do PSI-20 constatámos que mais metade está sob controlo familiar e que das restantes 10 empresas, 9 tinham uma forte presença Estatal.
Concluímos que Portugal, na classificação Paul Windolf, se afasta quer do modelo anglo-saxónico quer do modelo germânico de capitalismo e se aproxima, embora com especificidades, do modelo francês.
Palavras-chave: Redes Sociais, entrelaçamento empresarial, modelos de capitalismo,
empresas PSI-20 mobiliário em Portugal.
1 Stokman, F., Ziegler, R., and Scott, J. (eds), (1985), Networks of Corporate Power: A Comparative
Analysis of Ten Countries, London, Polity Press
2 Hall, Peter A., David Soskice, (2001), Varieties of Capitalism: The Institutional Foundations of
Comparative Advantage, Oxford University Press, New York, EUA
3 van Veen, Kees Van; Kratzer, Jan, (2011), “National and international interlocking directorates within
Europe: corporate networks within and among fifteen European countries” in Economy and Society,
Volume 40, Número 1, pp 1-25
4 Windolf, Paul, (2002), Corporate Networks in Europe and the United States, Oxford University Press,
Oxford, New York
5 Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, entidade que regula e supervisiona o mercado