213 - Michel Fernandes da Rosa
Modernidade, Natureza e Direito
Nosso objetivo nesta comunicação é identificar alguns dos reflexos da modernidade na relação estabelecida pelo ser humano com a natureza bem como a maneira como essa relação verifica-se através do direito.
Assim sendo pretendemos estabelecer um paralelo entre as ideias dominantes da modernidade e a sua influência sobre o direito, e ainda identificar de que forma a relação entre ser humano e natureza é refletida através deste.
Diante disso nos propomos a contextualizar algumas questões quanto ao desenvolvimento científico e ideológico deste período, devido a sua relevância para a formação do paradigma científico e social da modernidade.
Logo em seguida, pretendemos abordar como as principais características do paradigma da modernidade são encontradas no direito, sobretudo no direito de propriedade fruto dos primeiros movimentos constitucionalistas e das revoluções burguesas.
O Paradigma da Modernidade
Do século XVI ao século XX desenvolveu-se um paradigma científico e social, que consiste em várias ideias e valores entrincheirados, entre os quais a visão do Universo como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a visão da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência, e a crença no progresso material ilimitado a ser obtido por intermédio de crescimento económico e tecnológico, ignorando até mesmo limites do ambiente
Este é o modelo de racionalidade que se encontra por detrás de toda a ciência moderna, e que constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes fundamentado no domínio das ciências naturais
A busca pela certeza e pela previsibilidade levou Descartes a criar um método determinista e a crer em um Universo mecânico e previsível, onde a verdade é atingível somente através dos instrumentos da razão. Esta forma de conhecimento tem a pretensão de ser utilitária e funcional e tem incursões não somente sobre as ciências da natureza, mas também sobre as ciências sociais
A relação ser humano e natureza
Influenciado pelo paradigma científico e social da modernidade, o ser humano estabeleceu com a natureza uma relação entre sujeito e objeto, entre o proprietário e o bem, entre o ser pensante e certa quantidade de matéria em movimento.
O antropocentrismo clássico considera o ser humano como desvinculado da natureza, e caracteriza-se pela preocupação única e exclusiva com o bem estar do homem. É a visão que considera o homem como o centro ou a medida de todas as coisas, e a natureza e os animais deixam de ser um valor em si, transformando-se em meros recursos ambientais
Das ciências naturais para as ciências sociais
A ideia de modernidade é, inevitavelmente, associada, de forma direta, à ideia de racionalização. A filosofia iluminista surge como revolucionária e tem a razão como ponto de partida para toda a organização social, o que consequentemente se reflete nas esferas privadas dos indivíduos.
Nesse sentido podemos afirmar que a modernidade representou uma revolução científica, e esta revolução que alçou a razão ao papel central pelo qual devem passar todas as teorias científicas, sociais e políticas, ao mesmo tempo afastou Deus e as religiões deste papel
A sociedade substituiu Deus como princípio do juízo moral, e essa ideia teve sua exposição máxima em Hobbes e Rousseau, segundo os quais a ordem social deveria ser criada por uma decisão dos indivíduos que submeter-se-iam ao poder do Leviathan ou à vontade geral, sendo que esta exprimir-se-ia através do contrato social. Assim, a ordem social depende apenas de uma livre decisão humana – racional – que faz dela o princípio do bem e do mal
É a partir da ascensão da burguesia revolucionária que se opera a constituição da sociedade moderna e desta como uma realidade eminentemente social, porque a partir desse advento é que foi possível a constituição de fronteiras claras entre a esfera social e a esfera natural. Durante o Antigo Regime, a riqueza imobiliária, a propriedade da terra e a estrurura social garantida por instituições naturais como a família e sobrenaturais como a Igreja debitavam a sua estabilidade exatamente ao Regime
O direito moderno
No campo da Ciência do direito deu-se também uma ruptura com o modelo de racionalidade medieval. O direito da idade moderna caracteriza-se por buscar a segurança jurídica tendo a lei como única fonte do direito, aliando o método da ciência jurídica ao método das ciências da natureza (Kelsen, 1998, p. 24).
No período pós-revoluções burguesas, surge pela primeira vez na história da civilização ocidental um ente que assume a competência para monopolizar a produção e a aplicação do direito: o Estado moderno. A partir de então, o Estado assume a prerrogativa de dizer o direito, e o faz através da produção das leis.
O positivismo jurídico reflete perfeitamente a busca pela certeza e pela segurança, aspectos centrais de uma ciência de paradigma mecanicista e determinista
Após a promulgação de determinada lei, esta ganharia validade e força de aplicação que não permitiria mais a discussão axiológica.
Outra grande novidade trazida pela modernidade, está relacionada à forma de regulação da propriedade privada.
O individualismo é marca dos movimentos ideológicos que originaram as primeiras declarações de direitos fundamentais, e é dessa lógica que acaba por surgir a concepção da liberdade de ação, fundamentada em Locke
Dessa forma, esse sujeito livre para agir deve ter o direito à proteção dos frutos da sua ação, do seu trabalho e, por isso, é lógico o estabelecimento da propriedade privada, para que cada um possa fazer o que bem entender daquilo que é seu, bem como para que possa colher os frutos do seu trabalho individualmente. Eis o fundamento da burguesia revolucionária verificado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como no estabelecimento dos chamados direitos fundamentais de primeira geração.
Palavras-Chave
Modernidade – Natureza – Direito – Racionalidade - Atropocentrismo – Propriedade
Referências Bibliográficas
Capra, F. (2003). Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos, 2003. São Paulo Cultrix
Kelsen, H. (1998). Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes.
Levai, L. F. (1 de janeiro de 2006). Crueldade Consentida - crítica à razão antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal , pp. 171-190.
Santos, B. d. (2009). Um discurso Sobre as Ciências. São Paulo: Cortez.
Sousa, A. d. (2005). Pós-modernidade: fim da modernidade ou mistificação da realidade contemporânea. Revista Temporalis , pp. 51-81.
Touraine, A. (1992). Crítica da Modernidade. Lisboa: Instituto Piaget.