211 - Maria João Escudeiro
Nome: Maria João Simões Escudeiro
Afiliação Institucional: ESTG – IPLeiria
Email: maria.escudeiro@ipleiria.pt
Tema: Direito, Justiça e Democracia
Direito e Justiça – Paradoxos e Controvérsias da Law in Action
O Ruanda é um pequeno território situado no centro-leste do continente africano. Cerca de 90% da população do Ruanda é de etnia Hutu e vive em conflito com a minoria Tutsi desde a época colonial. Mais recentemente, em 1990 os Tutsi exilados formam a Frente Patriótica Ruandesa (FPR) e invadem o norte do Ruanda exigindo uma participação no governo e o direito de retornar ao país. Tentando aliviar as tensões, o Presidente Hutu Juvénal Habyarimana, que estava no poder desde junho de 1973, aprovou o pluripartidarismo em junho de 1991 e iniciaram-se as negociações com a guerrilha. Todavia em 1993, a FPR perpetra uma nova ofensiva e consequentemente o acordo “cai por terra”. Em retaliação o governo massacra civis Tutsis. E como represália, a FPR arrasa aldeias Hutus e chega a menos de 30 km da capital, Kigali. Em abril de 1994, Habyarimana e o Presidente do Burundi Cyprien Ntaryanira também ele de etnia Hutu, foram assassinados quando o avião em que seguiam foi atingido quando aterrava em Kigali. Este facto desencadeia uma guerra civil que dura até julho, provocando 1 milhão de mortos e 2,3 milhões de refugiados, que se dirigiram sobretudo ao Zaire (atual República Democrática do Congo) e à Tanzânia, naquilo que ficou conhecido como o Genocídio do Ruanda. Em julho, a FPR sob a direção de Paul Kagame toma a capital Kilagi e coloca na Presidência Pasteur Bizimungu. Durante a guerra civil foram praticadas inúmeras e inenarráveis atrocidades com a população do Ruanda. Para termos uma ideia, mais de 500 000 pessoas foram massacradas, quase todas as mulheres foram violadas e as 5 000 crianças nascidas dessas violações foram assassinadas. Face ao exposto, em 8 de novembro de 1994, através da Resolução 955 do Conselho de Segurança da ONU, foi criado o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (TPIR) para julgar os criminosos do Ruanda. Barayagwiza foi acusado, pelo Procurador do Tribunal do TPIR, do crime de genocídio e incitamento ao ódio étnico antes e durante o Genocídio do Ruanda. Barayagwiza foi considerado a figura primordial no “banho de sangue” que submergiu o Ruanda em 1994. O caso Barayagwiza ficou conhecido devido às muitas irregularidades que ocorreram no Juízo de Instrução. O acusado pediu a anulação da sua detenção, com a justificação de que tinham existido excessos por parte do Juízo de Instrução. O Tribunal no julgamento rejeitou este pedido. Contudo, o Tribunal de Recurso aceitou o argumento de Barayagwiza e considerou que a lentidão por parte do Juízo de Instrução violou, quer os direitos humanos, designadamente os direitos dos arguidos, quer as regras do Tribunal. O Tribunal de Recurso descreveu a atuação do Procurador neste caso como “egregious” e concluiu que a única solução possível para remediar esta má conduta do Procurador seria libertar o recorrente e retirar todas as acusações feitas contra ele.Esta decisão injuriou o governo do Ruanda, que suspendeu a sua cooperação com o Tribunal. A União Europeia e o Comité dos Direitos Humanos também condenaram esta decisão. Sem a cooperação dos ruandeses, tornou-se impossível para o Procurador prosseguir com as investigações sobre o genocídio. O Ruanda recusou dar o visto de entrada no país ao Procurador do Tribunal e não permitiu que as testemunhas viajassem para a Tanzânia, que era localização do TPIR, pelo que os julgamentos tiveram de ser suspensos. Em resposta, o Procurador do Tribunal submeteu um requerimento ao Tribunal de Recurso, pedindo que este reconsiderasse a sua decisão e conhecesse os factos novos sobre o caso. Na audição do requerimento, o Procurador referiu que o governo do Ruanda reagira de uma forma muito dura à decisão do Tribunal de Recurso. Mais ainda, o Procurador-Geral do Ruanda ameaçou que as pessoas do seu país iriam continuar a não cooperar com o Tribunal se houvesse uma decisão desfavorável perante este requerimento.O Tribunal de Recurso cedeu na sua posição e reconsiderou o pedido do Procurador.
Face ao exposto, concluímos que os Procuradores dos Tribunais Penais Internacionais devem ponderar, cuidadosamente, os seus efeitos e consequências, quer quanto ao local em que o crime ocorreu, quer em relação ao que deve ser a justiça global. Desde 1 de julho de 2002, data de entrada em vigor do Estatuto de Roma, que se encontra a laborar o TPI. E passados 10 anos verificamos que a prática de crimes hediondos acontece, sobretudo em países com regimes ditatoriais ou controlados por líderes militares. Caso muito mediático, porque internacionalmente denunciado no YouTube é o caso Joseph Kony, um dos criminosos de guerra mais procurados do mundo. E mais uma vez assistimos a uma série de “curiosidades”, alguns dos militares que eram o braço direito de Joseph Kony no grupo de guerrilha LRA do Uganda, foram encontrados, mas não foram condenados pela justiça Ugandesa, porque se disponibilizaram a colaborar na captura de Joseph Kony. Esta situação leva a realidades inaceitáveis e absolutamente arrepiantes. Exemplificando, um comandante da LRA, Kenneth Banya, espancou, torturou e violou, vezes sem conta, uma jovem, Grace Acan, que em resultado das violações teve dois filhos de Banya, um deles já falecido, e que hoje depois de todo o terror é obrigada a conviver com o agressor, porque vivem na mesma rua. Esta falta de justiça, de respeito pela dignidade humana é arrepiante. É nestes contextos que os conceitos de Direito, Justiça e Democracia tomam uma proporção diferente daquela que estamos habituados. Aquilo que para nós, cidadãos de países de primeiro mundo, são conceitos claros, definidos e quase que inerentes à sociedade, quando nosdeparamos com estes relatos transformamos toda a nossa visão do mundo.