206 - Helena Lucena
Mulheres Egressas do Sistema Penitenciário e suas Aprendizagens: a luta pelo reconhecimento
Helen Halinne Rodrigues de Lucena
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba
Realizando estágio de investigação na Universidade do Minho - PT
Bolsista CAPES
helen_ufpb@yahoo.com.br
Introdução
O texto ora apresentado traça em linhas gerais uma proposta de investigação que vem sendo desenvolvida no Curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal da Paraíba. A mesma tem como temática central as experiências e aprendizagens das mulheres que viveram em situação de privação de liberdade (egressas do sistema prisional), ou seja: os processos educativos vivenciados no contexto da prisão, as suas aprendizagens de sociabilidades no cárcere; como elas produziram suas existências neste ambiente; quais os seus desejos e expectativas quando inseridas na prisão; que projetos de vida manifestavam enquanto prisioneiras e como materializam estes projetos quando conquistam o direito à liberdade.
Tendo em vista esse objetivo, essa investigação, ao mesmo tempo em que propõe a elucidação das experiências e aprendizagens adquiridas pelas mulheres na prisão e após o encarceramento, também pretende analisar as causas e consequências das lacunas do Estado brasileiro (no que se refere à ausência ou a precariedade das Políticas Públicas para atender a esta população) e da sociedade de maneira geral, no que tange a ações efetivas para atenuar os efeitos da exclusão e das desigualdades sociais e culturais que marcam as trajetórias de vida dessas mulheres e que poderiam contribuir para a sua reintegração social. Ao mesmo tempo, interessa-nos também conhecer o significado e o direcionamento dado pelas ex-presidiárias, às experiências de vida fora da prisão, mesmo quando o Estado e a sociedade não intervêm efetivamente ou diretamente nessa garantia.
Temos, portanto, um questionamento chave que norteia esse estudo, a saber: se as aprendizagens adquiridas ao longo da vida - por intermédio das experiências de socialização, foram (de acordo com a pesquisa realizada no mestrado) possibilitadoras da entrada dessas mulheres na prisão, o que dizer delas agora, quando além dessa bagagem de experiências e aprendizagens (em que a negação de direitos humanos básicos foram marcas), carregam consigo novas experiências de sociabilidades adquiridas na prisão, e, consequentemente, um novo repertório de aprendizagens? Para respondê-lo, faz-se necessário conhecer as respostas de outras perguntas, como: Que aprendizagens as mulheres egressas do sistema prisional consideram como as mais significativas no período do encarceramento? Que significados e direcionamentos as mulheres egressas dão a este novo repertório de aprendizagens adquiridas da prisão quando estão em liberdade? Qual a relação entre essas aprendizagens e as estratégias de sobrevivência utilizadas pelas egressas na luta pelo reconhecimento social após a experiência do encarceramento?
Considerações sobre a perspectiva teórica adotada e as novas possibilidades
As abordagens teóricas adotadas tem auxiliado a nossa compreensão sobre os papéis e as lacunas do Estado e da Sociedade civil diante do desafio da ressocialização e da reinserção social de egressos da prisão. Dentre eles, estão: Gramsci (1991, 2000) que reflete sobre o poder contra-hegemônico da Sociedade Civil para efetuar mudanças e sobre a escola como um espaço de contra-ideologia; Wacquant (2001) sobre o sistema prisional e suas bases no neoliberalismo; Goffman (1988) e suas reflexões sobre o Estigma; Bauman (1999), que analisa criticamente a globalização e os seus efeitos excludentes; Honneth (2008) e sua análise da luta pelo respeito e pelo reconhecimento na dinâmica das relações e dos conflitos sociais; e Cunha (2002), que observa a prisão menos autárquica e menos “total”, dada a constatação da proximidade entre o bairro e a prisão, ou seja, da contiguidade entre a realidade intra-prisional e extra-prisional. Além destes, Freire (1980, 1987, 1992, 2002) e outros estudiosos latino-americanos que desenvolvem um contínuo esforço de atualizar a discussão e as propostas de educação voltadas para emancipação humana, em especial, dos humanos historicamente oprimidos, também comporão o arcabouço bibliográfico desse estudo.
Caminhos da pesquisa/Metodologia
A recolha de dados nessa pesquisa será feita adotando uma combinação de estratégias metodológicas (técnicas e métodos). A etnografia crítica (não tradicional)[1], se coloca como a principal, ajudando a nos aproximar das formas de vida adotadas pelas egressas da prisão no meio social onde passam a viver e a lutar pelo respeito e pelo reconhecimento da sociedade. Assente nessa estratégia metodológica, que permite a triangulação (FLICK, 2009), realizaremos: levantamento de informações em documentos (prontuários das reclusas) do sistema prisional, observação participante e entrevistas. A primeira servirá para selecionar as egressas a entrevistar e para apresentar o perfil sociográfico dessas mulheres (principais sujeitos desta pesquisa). Posterior a este levantamento serão realizadas: a observação cuidadosa das pessoas e dos eventos ao redor do lugar onde agora vivem as egressas da prisão e as entrevistas. Para estas últimas, um roteiro norteador será construído servindo de fio condutor. Nele, serão colocadas perguntas relacionadas aos interesses de investigação: aspectos do contexto atualmente vivido (a cidade, o bairro e a casa onde moram, o ambiente escolar frequentado, o/os local/ais de trabalho, os locais de divertimento, etc.) e as experiências e aprendizagens adquiridas (ou não) nesses contextos. Ao todo, pretendemos entrevistar dez egressas do presídio de João Pessoa-PB com perfis sociográficos diversificados. Após esta etapa da entrevista serão organizadas em categorias todas as informações coletadas e analisadas.
Síntese (in)conclusiva
Considerando todo esse cenário apresentado e a complexidade que envolve as experiências e aprendizagens das ex-prisioneiras, é que na pesquisa aqui apresentada, defendemos a tese de que, apesar de os documentos validados na V CONFINTEA reafirmarem o conceito ampliado de Educação e Aprendizagem ao Longo da Vida, como princípio fundamental para se conceber e organizar o processo educativo; reafirmando o direito à educação, como um direito fundamental e universal e destacando o seu papel para o desenvolvimento humano, socioeconômico e cultural; “continua sendo grande a distância entre o previsto na lei e políticas, e o efetivamente realizado” (UNESCO, 2009, p.12).
Ao que parece, as políticas públicas de educação/qualificação, voltadas para atender as pessoas ex-prisioneiras nas suas necessidades específicas, não são suficientes e nem compatíveis, com as concretas necessidades destas, nem com a realidade do contexto onde elas se inserem. É, portanto, com base nessa realidade que se coloca o desafio dessa investigação, a saber: o de compreender no atual cenário socialmente globalizado (marcado pela desigualdade e exclusão) os múltiplos sentidos e significados dados pelas egressas aos processos de aprendizagens adquiridos na prisão, na luta pelo reconhecimento após o retorno ao convívio social.
Bibliografia de referência
ANGROSINO, M.; FLICK, U. (Coord.). Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed, 2009.
Bauman, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Tradução: Marcus Penchel. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 1999.
Cunha, M. (2002). Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajetos. Lisboa: Fim de Século.
FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: ArtMed, 2009.
FREIRE, Paulo. Conscientização: Teoria e Prática da Libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980.
_____________. Educação como prática da liberdade. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_____________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido, 4ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
______________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
GOFFMAN, Erving. Estigma. Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4ª edição, Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 1988.
GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a organização da cultura. 8º Ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1991.
_____________. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 3.
HONNETH, A., Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34. 2008.
UNESCO. Ministério da Educação. Educação e aprendizagem para todos: olhares dos cinco continentes. Brasília, 2009.
WACQUANT, L. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
[1] Cuja “verdade” é buscada na “[...] confluência de opiniões, valores, crenças e comportamentos divergentes e não de alguma falsa homogeneização imposta de fora” (ANGROSINO, 2009, p.28).