202 - Bruno Diniz Fernandes
Vestígios da herança colonial: o impacto do internamento na construção da identidade do adolescente institucionalizado no Brasil e em Portugal
Bruno Diniz Fernandes
Introdução
A proposta de investigação presente neste projeto de tese visa analisar em que medida a experiência do internamento influencia os processos de construção identitária de adolescentes que cumprem medidas privativas de liberdade no Brasil e em Portugal.
Sendo assim, este projeto visa investigar a relação conflituosa entre os pressupostos de (re)educação, (res)socialização de adolescentes infratores enunciados nas normas portuguesa e brasileira com as condições concretas oferecidas pelos sistemas de atendimento ao adolescente infrator em ambos os países.
Esquemática do quadro teórico
Das contribuições pós-coloniais
Conceito de pós-colonialismo, herança colonial, memória colonial, colonialidade, colonialismo, subalternidade (Boaventura de Sousa Santos; Sérgio Costa; Homi Bhabha; Gayatri Spivak; Stuart Hall; Paul Gilroy; Aníbal Quijano; Frantz Fanon, entre outros).
Da identidade pós-colonial
São abordas neste projeto as noções de construção identitária propostas por Manuel Castells (2002), a noção de transição identitária presente na modernidade líquida de Bauman (2001), os efeitos das identidades diaspóricas trabalhadas por Paul Gilroy (2001) e Kabenguele Munanga (1999), e ainda os processos de fragmentação identitária descritos por Stuart Hall (1998), para além do contributo sobre processos identitários transitórios de Santos (1999, 2006), entre outras contribuições.
O Racismo enquanto herança colonial
Analisa-se aqui o racismo na transição do modo de produção feudal (Quijano, 2000) Figueiredo e Grosfoguel (2009), o racismo na teorização do pensamento abissal de Santos (2007), como também as proposições de raça enquanto categoria analítica (Gliroy, 1998; Guimarães 2002), a noção de multiculturalismo/ multi-racismo (Maldonado-Torres, 2008; Figueiredo e Grosfoguel, 2009) e ainda o racismo cultural discutido por Balibar e Wallerstein (1991), Balibar (2008), entre outros referenciais.
Uma sociologia da juventude em situação de delinquência
Concepções de desenvolvimento psico-social caracterizados por José Machado Pais (1990;1996), os processos de etiquetagem social e jurídica, (Lisboa, 2008; Seabra, 2005; Carvalho, 2005), a violência simbólica (Bourdieu & Passeron, 1970), estigma (Goffman, 1963), a concepção de comportamento desviante e teorização sobre delinquência juvenil de Winnicot (1990), Schoemaker, (1996) e voltados paras as realidades portuguesa e brasileira por Maria João Leote de Carvalho (2005;2008), João Pedroso (1998), Pedroso e Graça Fonseca (1999), Pedro Moura Ferreira (1997; 2000), Edson Passetti, (1999), Mário Volpi (2002), Irene Rizzini (1995; 2006), para além das contribuições dos relatórios do Observatório Permanente da Justiça e outros autores.
Sobre a resposta do Estado à questão da delinquência juvenil
Os processos globalizantes (Santos, 2001; 2003), o estado penal e a criminalização da pobreza com Loïc Wacquant (2000) e David Garland (2001), o medo na sociedade contemporânea (Bauman, 2009), os sistemas de intervenção na administração da justiça juvenil e transição dos modelos (Bailleau, 2007; Trépanier, 1999; 2008; Dünkel, 1992 ), os processos de construção social e institucional da delinquência juvenil (Foucault, 2002; 2004), e os trabalhos em cima dos diplomas que rege o internamento de adolescentes infratores de António Duarte-Fonseca (2005), Leonor Furtado (2005), Anabela Rodrigues e Duarte-Fonseca (2003), Eliana Gersão (2001), os estudos do OPJ, Cury (2005), Faleiros(2004), Pilotti (1995), Frasseto (2006), entre outros.
Justificação
O contributo dessa proposta volta-se não apenas para descortinar uma realidade oculta nos sistemas de atendimento de Brasil e Portugal, como evidenciar que o objetivo desse atendimento deve estar voltado para socializar numa vertente de inclusão pluridimensional e pluricultural, pois a sociedade deve perceber e aceitar esses jovens em todos os âmbitos, esferas e espaços de atuação, possibilitando-lhes superar dificuldades, estigmas, discriminações, garantindo-lhes acesso aos seus direitos e condições de exercício dos mesmos, em prol de uma mudança efetiva na concepção de integração.
Objetivos
- Investigar nos diplomas para o atendimento dos adolescentes infratores, marcas de uma herança repressiva e/ou indícios de ideologias raciailizadas;
- Investigar o perfil sócio-histórico dos adolescentes institucionalizados nas realidades brasileira e portuguesa;
- Identificar o perfil dos operadores do sistema que atendem efetivamente os adolescentes institucionalizados;
- Analisar os discursos dos operadores do sistema quanto ao tratamento oferecido ao adolescente institucionalizado;
- Analisar os discursos dos adolescentes em conflito com a lei a fim de perceber sua visão sobre sua experiência de internamento junto ao sistema sócioeducativo.
Metodologia
Problema da investigação
Da concepção ao atendimento oferecido pelos sistemas sócio-educativo brasileiro e tutelar educativo português, encontram-se marcas de uma herança colonial que subalterniza os adolescentes institucionalizados, reforçando o quadro de exclusão que enfrentam esses sujeitos dentro e fora das instituições?
Hipótese
A hipótese de trabalho aqui levantada consiste na assunção de que o racismo, enquanto herança colonial, sempre esteve presente, de forma mais ou menos visível consoante o período histórico, nas ideologias e filosofias que estão por detrás das políticas de atendimento ao adolescente que pratica crimes, seja na legislação que rege as normas de institucionalização, seja nas práticas institucionais que orientam o internamento, tendo causado ao longo dos últimos dois séculos, enormes prejuízos aos processos de construção identitária desse adolescente.
Sub-hipóteses
· Os princípios de atendimento ao adolescente infrator enunciados nos diplomas ECA e LTE não garantem tratamento igualitário para todos aqueles que cumprem medida de internamento;
· Os adolescentes que cumprem medida de internamento são vítimas de preconceito racial no tratamendo cotidiano;
· O preconceito racial atua como um intensificador na discrepância entre a Law in books e a Law in action;
· No Brasil, a discriminação racial nas instituições de atendimento ao adolescente infrator está diminuindo;
· Em Portugal, a discriminação racial nas instituições de atendimento ao adolescente infrator está aumentando;
· Os moldes de assistências nos quais assentam o tratamento destinado ao adolescente infrator afetam negativamente a construção da identidade desse sujeito a ponto de contribuir para a manutenção de sua condição de subalternidade dentro e fora das instituições de internamento.
Procedimentos metodológicos
Abrangem pesquisa bibliográfica e documental sobre a delinquência juvenil, modelos de pensamento e assistência à infância desvalida e estado colonial. Os principais diplomas compreenderão a LPI, OTM62, OTM 78 e LTE em Portugal, e os Códigos de Menores de 1927, 1979 e o ECA no Brasil, no que tocam ao internamento de jovens.
No campo onde são recolhidos dados existentes nas instituições processos individuais dos adolescentes internados e relatórios sociais. Para confrontação com dados de censos e relatórios divulgados pelos órgãos administrativos que representam o sistema de atendimento ao adolescente infrator. Com entrevistas semi-estruturadas, tenho o propósito de identificar possíveis relações racializadas e hierarquizadas dentro das instituições, discursos e ideologias sobre preconceito e racismo, que possam atuar de forma consciente ou ainda inconsciente na teia de relações existente neste âmbito.
Universo de investigação
A delimitação do local de investigação abarca as realidades brasileira e a portuguesa. No Brasil, recairá sobre o Departamento Geral de Ações Sócioeducativas – DEGASE no Estado do Rio de Janeiro, devido ao fato de que a população envolvida (adolescente em conflito com a lei) em sua maioria habita áreas periféricas caracterizadas por morros ou favelas e é caracterizada como população negra, segundo dados oficiais do IBGE.
Em Portugal, o local é o Instituto de Reinserção Social, representado pelos Centros Educativos da Grande Lisboa, visto o seu contingente ser mais abrangente no tocante à presença de adolescentes provenientes de imigração dos países africanos de Língua Portuguesa oficial ou portugueses de ascendência africana.